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Estímulos e alegrias na formação dos filhos

Confiando nos exímios préstimos de Fräulein  Ma­thil­de (a governanta que trouxera da Europa), Dª Lucilia deixava a cargo desta boa parte da responsabilidade no tocante aos estudos de seus filhos. Se Plinio pre­parava as lições e fazia os exercícios prescritos pelos professores, se levava cada dia para o colégio os livros corres­pondentes às matérias, se Rosée estudava as lições de piano… todas essas pequenas providências ficavam por conta da meticulosidade germânica, que era exercida com precisão.

Assim, por exemplo, nas tardes de quinta-feira — pe­ríodo de folga no Colégio São Luís — quando os meninos estavam despreocupados, brincando no jardim, desfrutando da alegria de um dia sem aulas, a Fräulein  Mathilde ia verificar se os cadernos de Plinio estavam em ordem e se os deveres tinham sido cumpridos. Quando descobria algum “esquecimento”, procurava o faltoso:

Pliniô ! Você se lembra que tem três equacione s de álgebra para resolver ainda hoje, e apresentar amanhã no São Luís?

Por trás da pergunta da Fräulein o menino sentia o peso da autoridade de Dª Lucilia, que não transigia com rela­xamentos nos estudos. Por outro lado, via como isso era ra­zoável. E conformado lá ia resolver a complicada equação: a 2 +2ab+b 2 =(a+b) 2

Em compensação, a afabilidade com que Dª Lucilia o chamava para saborear o suculento lanche do fim dos estudos, fazia-lhe degustar melhor o bem-estar do dever cum­prido, da consciência tranqüila e da vida em estado de gra­ça.

Relíquias do passado

Dessa época em que Plinio estudava no Colégio São Luís, Dª Lucilia guardou consigo, até o fim de seus dias, inúmeras recordações, como santinhos distribuídos pelos professores, boletins escolares, medalhas, diplomas, e até mesmo uma ou outra redação. Estas bem ilustram a elevação de espírito com que seu filho fora educado por ela, pois pelos frutos se conhece a árvore.

Plinio ao lado da Fräulein Mathilde, e o fac-símile da redação acima transcrita

Eis uma das composições, escrita por ele em 1919, que atravessou as décadas e chegou até nós:

Monótono e imenso, o deserto do Sahara só é entrecortado por pequenos rios, e também lá existem os oásis, único refúgio do viajante contra sede e fome.

O poderoso monarca da Abissínia atravessava um desses extensos areais, e de repente, viu uma palmeira, em cuja ­fo­lha resplandecia o orvalho, brilhante da natureza, e o rei disse: “vinde ó gota adornar meu turbante”, mas a gota não veio.

Tempos depois, passava um cavaleiro, era cruzado, e ia de­fender os cristãos, e o cavaleiro, morto de sede, viu a gota, chamou-a e ela caiu-lhe, a refrescá-lo, nos seus labios. Caiu porque era aquele, que ia defender a religião de um Ente su­premo que muitos homens não conhecem, mas cuja glória a natureza canta.

Plinio Corrêa de Oliveira

Outros prêmios e estampas alcançados por Plinio, e que tantas alegrias deram a Dª Lucilia

“Só três medalhas, meu filho?”

Dª Lucilia sempre se empenhou em transmitir seu cons­tante desejo de perfeição a seus filhos.

No fim do ano letivo, os padres jesuítas do Colégio São Luís organizavam uma solene sessão, para distribuir prê­mios aos alunos mais bem classificados. Para ela eram convidados os pais dos meninos e certas pessoas de destaque na sociedade, chegando às vezes a estar presente o próprio Governador do Estado, por freqüentar esse colégio a flor e a nata de São Paulo.

O ato incluía peças de teatro, apresentações musicais, declamações, discursos, feitos pelos próprios alunos, devidamente orientados pelos padres. Chegava por fim o momento da entrega das medalhas. Para cada matéria havia três categorias diferentes: a de ouro, a de prata e a de bronze. Ao ouvir seu nome citado, o laureado subia ao pa­lanque, e o próprio pai ou mãe lhe colocava a medalha no peito. Às vezes, para honrar alunos mais destacados, alguma autoridade o fazia.

Toda aquela aparatosa cerimônia estimulava altamente os meninos a se aplicarem durante o ano, a fim de serem louvados de público ante seus conhecidos.

Houve um ano, porém, em que Dª Lucilia, por estar doente, não pôde comparecer à solenidade. Quando Plinio voltou para casa, foi logo até o quarto dela, encontrando-a recostada na chaise longue . Vestido ainda a rigor e com as medalhas no peito, recebeu os abraços e beijos dela, que logo em seguida o afastou um pouco para vê-lo melhor, e lhe perguntou com certo tom de desapontamento:

— Mas só três medalhas, meu filho?!

— Mas, mamãe — respondeu ele — uma é de ouro! No ano passado eram quatro, mas todas de prata.

Ela quis então saber a qual das matérias correspondia a de ouro. A explicação deixou-a duplamente satisfeita: pelo prêmio e pela matéria. Seu filho havia conquistado o pri­meiro lugar em Francês. Abraçou-o então de novo, com re­dobrado afeto.

Plinio se aprofunda na cultura francesa

Como admiradora da cultura francesa, Dª Lucilia tinha particular satisfação em ver Plinio enveredar pelo mesmo caminho. Conforme vimos anteriormente, assinava para Rosée a Semaine de Suzette (com as deliciosas histórias da camponesa Bécassine), e ela própria lia L’Université des Annales , cuja coleção guardava longe do alcance das crianças, num armário do escritório de Dr. João Paulo.

Por essa época, o médico da família diagnosticou em Plinio um incipiente desvio da coluna, aconselhando-lhe re­pouso diário de uma hora sobre a superfície reta e dura do solo. Dª Lucilia, maternalmente irredutível, aplicou a recei­ta à letra, reservando para isto a hora da sesta. E para evitar a seu filho a tentação de passar para a cama, escolheu o escritório de Dr. João Paulo como local do descanso.

Chegada a hora, estendia um lençol sobre o assoalho, encostava as venezianas e fazia o menino se deitar. Ele achava tudo isto aborrecidíssimo. Não dormia bem e, por outro lado, não tinha nada para se entreter. Até que um dia casualmente pegou uma das revistas da coleção de L’Université des Annales  e se embrenhou pelas luminosas veredas da história.

Se viesse a ter conhecimento disso, Dª Lucilia não apro­varia essas leituras. Entretanto foi através delas que seu fi­lho aprofundou-se no fascinante universo da cultura fran­cesa. Aliás, modas, estilos arquitetônicos, literatura, tea­tro, culinária, tudo na São Paulo de então exalava ainda o requintado aroma francês, a ponto de nas boas famílias se falar freqüentemente à mesa nessa língua, sobretudo quan­do se desejava que criados ou crianças não entendes­sem a conversa.

Uma atriz que não se deixou dobrar pelo infortúnio

Fizera história a vinda ao Brasil de uma atriz francesa de grande fama mundial: Sarah Bernhardt. Dª Lucilia gos­tava de contar as peripécias da passagem dela por nosso País, sem perder ocasião de tirar lições do evento, úteis à formação de seus filhos. Fazia-o nestes termos:

Dª Lucilia muito admirou a coragem da célebre atriz Sarah Bernhardt (no centro, representando o ato final da peça “L’Aiglon”), que não se deixou abater pelo acidente que sofreu no Teatro Municipal do Rio (abaixo)

No teatro ninguém havia mais célebre do que ela. Favorecida de todos os lados, fez uma excursão aos Estados Unidos, onde ganhou rios de dinheiro. Na França, sempre representava na “Comédie Française” e no “Opéra”, também com altos proventos. Mas ela não se satisfazia e gastava loucamente. Quando se entra pelo caminho da vaidade e da ostentação, não há o que chegue para saciar os caprichos.

Então, teve a idéia de vir à América do Sul. No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, merecidamente famoso por sua riqueza, representou uma peça durante a qual, em certo momento, devia aparecer sobre um alto muro, jogando-se depois para o outro lado deste ao chão… Estava combinado que no lugar onde cairia estariam colocados vários colchões. Ela não conhecia o Brasil… Sem tomar a cautela de olhar para baixo, atirou-se… Ouviu-se então um grito lancinante que sobressaltou todo o teatro. Por esquecimento de um fun­cio­ná­rio, os colchões não estavam no local combinado, e ela quebrou a perna.

Os médicos, com os parcos recursos daquele tempo, viram-se na contingência de lhe amputar o membro ferido. E nesse estado voltou para a Europa. Bem se pode imaginar a tragédia que esse acidente representou para ela: cair, de repente, dos galarins da fama para uma cama de hospital, condenada a não mais poder representar, a não mais ser aplaudida, admirada, quase idolatrada por seu magnífico talento.

No entanto ela não se deixou dobrar pelo infortúnio. Os médicos de Paris lhe colocaram uma perna artificial, e à custa de muito esforço conseguiu aprender a andar tão bem que não se lhe notava a deficiência. Quando voltou ao palco do “Opéra” pela primeira vez, caminhando elegantemente como se nada tivesse acontecido, o público entusiasmado se levantou e a saudou com uma prolongada e merecida ovação.

O fanatismo por Sarah Bernhardt era tal que, quando ela esteve aqui em São Paulo, os estudantes puxavam a carrua­gem dela, sentindo-se honrados com isso. Quando visitou a Faculdade de Direito, receberam-na jogando suas capas ao chão, formando, desse modo, uma espécie de tapete para ela passar.

Dª Lucilia tinha pena da famosa atriz pela tragédia ocor­rida e o deixava transparecer em sua narração. De ou­tro lado, não se esquecia de ressaltar o mérito dela ao enfrentar heroicamente a adversidade, o que constituía um belo exemplo a ser admirado e imitado por Rosée e Plinio.

(Transcrito e adaptado da obra “Dona Lucilia”, de João. S. Clá Dias. Título nosso)

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