O Reino dos Céus é para aqueles que se assemelham às criancinhas (cfr. Mt 19, 14). Esta verdade do Evangelho tende a passar sob nossos olhos sem despertar maior atenção, talvez por se afigurar meio incompreensível. É, no entanto, fundamental. Como o Papa João Paulo II explica, Jesus, ao ordenar que deixassem aproximar-se um menino, “fez dele o próprio símbolo do comportamento que se tem de assumir, se se quiser entrar no Reino de Deus” (Novo Millennio ineunte, 10).
Comportamento obrigatório? O tema causa estranheza. Como poderá um adulto, provado pelos embates da existência, carregado das cicatrizes de muitas quedas — tão “vivido”, conforme se diz — como poderá ele fazer-se um pequenino?
Entretanto, é disto mesmo que se trata. Nos seus escritos, o Sumo Pontífice procura avivar a nossa reflexão a tal respeito, ressaltando que Nosso Senhor designa as crianças como “símbolo eloqüente e esplêndida imagem daquelas condições morais e espirituais que são essenciais para se entrar no Reino de Deus e para viver a sua lógica de total abandono ao Senhor” (Christifideles laici, 47). É necessária uma atitude de alma correspondente à “vida de inocência e de graça” (idem) característica dos pequenos.
Quem nunca se encantou em observar o comportamento de uma criança inocente? Ela é desinteressada, generosa, sem fraude, despretensiosa, entusiasmada por aquilo que o merece, afetuosa com respeito. Procura o maravilhoso, emocionando-se, por exemplo, com narrações de histórias de fadas, de cavaleiros, de princesas. Pela ação da graça, tem movimentos de louçania com algo de celestial. Enleva-se com a atmosfera sobrenatural do Natal, com as figuras do presépio iluminadas na penumbra da noite, com os raios do sol que atravessam um belo e colorido vitral, com castelos, com desenhos de nuvens num céu de azul profundo, com as figuras de um caleidoscópio. E rejeita o mal. Faz uma correlação instintiva do verum e do bonum com o pulchrum, chegando a conclusões ricas como: “Mentir é feio!” — em vez de um simples “mentir é errado”. Em tudo é o oposto da alma orgulhosa e egoísta, superficial e vulgar, voltada apenas para o material, o prático, o utilitário.
Como restaurar esse tesouro perdido, para assim nos fazermos “como um desses pequeninos”?
Tal assunto foi objeto de estudos e conferências de Dr. Plinio, que o considerava fundamental para o progresso de cada um nas vias da perfeição. O ponto de partida para suas cogitações foi observar “a insensibilidade das almas para a inocência primaveril” — disse ele certa vez. “Eu gemia de dor por ver perdida a inocência de tanta gente, o recanto áureo da alma transformado em depósito de toda espécie de recordações inúteis”.
E deixou-nos este precioso conselho: “Quando, na idade madura, quisermos pensar no Céu, andaremos muito avisadamente se procurarmos rememorar os ímpetos e alegrias da infância. Então haveremos de recordar alegrias que dificilmente se repetem ao longo da vida. Aí os egoísmos desaparecem, assim como as tristezas, as divisões, as melancolias, os rancores. Nosso espírito adquire meios de discernir o maravilhoso que o embotamento da vida leva a não perceber”.