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Carinho e perfeição

Em janeiro de 1932, a fim de se recompor um tanto das intensas atividades como líder católico, Dr. Plinio deixa novamente o convívio com sua extremosa mãe e parte para o interior paulista. Desta vez por quinze longos dias, durante os quais Dona Lucilia rezou ainda mais intensamente por ele. As preces que habitualmente fazia, enquanto esperava seu regresso, estendiam-se até tarde da noite. O relógio ia batendo lenta e implacavelmente as horas, mas ao ouvir as doze badaladas, o filho querido de seu coração não estava a seu lado para a costumeira “prosinha”… Restava-lhe como única alternativa manter uma pequena conversa epistolar.

São Paulo, 22-1-932

Filho querido!

De volta do Coração de Jesus, onde comunguei e rezei muito por ti, venho dar-te uma prosinha antes do almoço. “Deves ter-me escrito”, mas por que será que ainda não tive o prazer de receber tua carta?

Espero em Deus que estejam todos gozando saúde, e que não façam nenhuma imprudência. O meu pesadelo aí, é o açude. Fico trêmula quando me lembro do que pode suceder. Lembra-te da promessa que me fizeste de não te meteres nele, e aconselha muita prudência aos teus afilhados.

Não esqueci-me de botar qualquer cousa tua na mala, não? Se precisares de qualquer cousa, manda-me dizer. (…)

Se tiver por aí chovido como por aqui, vocês não poderão ter feito passeio algum!

Por enquanto não chegou nenhuma carta para você, mas logo que apareça alguma, será remetida para aí. Segue também hoje, o maço de “Figaros”¹, mas é bom que não leias demais, para descansares bem o espirito. Se houver por aí muitas mangas, convém que não abuses, para evitares algum furúnculo. (…)

Pela amostra destes dias, esta quinzena vai ser para mim interminável! Não posso, não sei estar bem quando você sai, e dou razão ao caipira, que canta, que “a saudade é mal sem cura”.

Bem, meu filho, saudosíssima te lanço minha bênção, e te envio muitos e muitos beijos e abraços.

De tua mãe extremosa,

Lucilia

“É por muito te amar que te quero aperfeiçoar”

Três dias depois Dona Lucilia volta a insistir com Dr. Plinio para não deixar de datar as cartas. O modo de corrigi-lo por essa pequena falha é tão afetuoso, que quase valeria a pena ele não colocar data, para ver a forma requintada de sua mãe lhe chamar a atenção.

São Paulo, 25-1º-932

Filho querido

De volta da igreja, onde fui ouvir uma missa por intenção de teu pai, por ser hoje dia de seu aniversário, recebi tua carta, em que me fazes sentir, que ainda não havias recebido cartas minhas, o que muito me admirou, porque te mandei duas na sexta-feira, uma pela manhã, e outra à tarde, depois que recebi a tua. Espero que, mesmo com atraso, já te tenham chegado às mãos. E a propósito de cartas, meu filho, devo te fazer sentir que não deves deixar de datar as tuas, querido…. é tão esquisito, parece tão mal, tanto desleixo….. vê, filho, se de ora em diante fazes como toda pessoa que se preza de suas responsabilidades!

Parece-me estar a te ouvir dizer: esta mamãe…. sempre com as observações!

Mas meu filho, paciência, é por muito te amar, que te quero aperfeiçoar! Que saudades eu tenho de um beijo teu, e das nossas prosinhas…. vou para o quarto à noite sempre tão saudosa!

Descansa e cuida bem de tua saúde, para me ver recompensada!

Em 9 de julho de 1932 iniciou-se um levante militar em São Paulo, com apoio quase unânime da população. Ao lado, página de um jornal com diversas cenas desse conflito.

Dona Lucilia continua a missiva comentando pequenos fatos da vida doméstica, e em dado momento exprime ainda uma vez as saudades do filho, dizendo-lhe parecer vê-lo entrar em casa a toda hora.

E assim prossegue:

Fui ouvir uma missa em sua intenção. Até á noite, pelo telefone, meu filho? Abraços de tua avó, tua irmã, um beijinho de Maria Alice. Com minha bênção, envio-te muitos beijos e abraços. De tua mamãe extremosa,

Lucilia

Na carta seguinte, de 27 de janeiro, Dona Lucilia dá a entender que tanto as saudades quanto o desejo de que seu filho tire todo o proveito da viagem não fizeram senão aumentar:

Filho querido!

Que saudades tuas, tive ao ouvir tua voz no telefone! Dou graças a Deus de que possas gozar desse bom clima e justo repouso, mas não obstante, ficarei muito contente quando te vir de volta. Imagino como devem ser agradáveis os passeios a cavalo, com os teus bons amigos. Quando era moça, gostava imenso de umas boas galopadas a cavalo, e é com saudades que guardo esta lembrança de meu passado, sobretudo, porque estes passeios eram sempre feitos em companhia do meu muito querido pai.

Espero que tenhas recebido os jornais que te mandei. Recebeste também o pacote de “Figaros” que te enviei? Segue hoje um número da “Ordem”. Fiz este borrão, porque estou experimentando escrever com uma caneta-tinteiro que comprei para você, e mexendo no deposito de tinta caíram estas gotas. (…)

Não têm vindo cartas para você. Não leias demais, descansa bastante, e tem muito cuidado com a saúde.

Principalmente à noite, às horas de refeição, e à hora de vires do escritório, penso tanto em você, e com tantas saudades!

Muitissimo saudosa, abraça-te e beija carinhosamente tua mãe extremosa,

Lucilia.

Na última carta deste período, no dia 29 de janeiro, após dar notícias caseiras, Dona Lucilia se compraz em recordar:

Vou dar amanhã começo à fantasia de Maria Alice, me lembrando saudosa, de quando fazia para vocês dois.

Comenta ainda alguns fatos relacionados com a família, e encerra na esperança de receber aquilo que era sua única consolação durante a ausência do filho: as cartas dele.

Esperava hoje uma longa prosa tua,…. e nada!… Estás preguiçoso para escrever- me, meu filho? Estimarei que continuem a se divertir muito com as cavalgadas, bonitos passeios “a pé”, pela fazenda, outros á cidade, repouso na rede, leitura, gamão, muita prosa etc. Com tudo isso; estimo bem que esteja chegando a quarta-feira. Como você me faz ser egoísta! Abençôo-te, beijo-te, e abraço-te muitíssimo. De tua mamãe extremosa,

Lucilia

Escreve-me.

Dr. Plinio numa fazenda paulista; e fac-símiles da missiva que Da. Lucilia lhe enviou a 27 de janeiro de 32

Eclode em São Paulo a Revolução de 1932

Não transcorria tranqüilo o ano de 1932. A consolidação da ditadura Vargas levantava em todo o País descontentamentos, que caminhavam rapidamente para a confrontação armada.

Em São Paulo a reação estava mais acesa. Neste Estado, em 9 de julho, iniciou-se um levante militar com apoio quase unânime da população, a chamada Revolução Constitucionalista. O movimento eclodira oficialmente para exigir eleições livres, o fim da exceção ditatorial e a reconstitucionalização do País. No entanto, a amplitude que ia tomando fazia temer um enfrentamento geral em todo o Brasil.

Dr. Plinio guardava então o leito, pois adoecera de grave incômodo digestivo, complicado por forte gripe, quando se declarara a revolução. São Paulo chamara às armas toda a juventude, a qual acorrera em massa. Como é natural, o mesmo quis fazer ele também, mas seu médico, o famoso clínico Dr. Menotti Sainati, a isso se opôs formalmente em declaração escrita, a qual Dr. Plinio guardou até o fim da vida como lembrança daqueles trágicos e gloriosos dias. Sentença médica que de algum modo veio para gáudio de Dona Lucilia, pois assim pôde ter nesse período seu filho junto a si.

O conflito, embora com episódios sangrentos, não deixou de ter seus lados pitorescos, próprios ao ambiente brasileiro. Um exemplo disso era o que ocorria junto ao palacete Ribeiro dos Santos. Tendo sido aberta uma trincheira na rua em frente, Dona Gabriela costumava mandar as criadas irem servir salgadinhos aos soldados…

São Paulo, apesar de se ver sozinho na luta, conseguiu suportar o cerco das forças adversárias até setembro, dando mostras de uma tenacidade própria aos descendentes dos bandeirantes.

Vésperas de tempos difíceis

Por essa época, há muito Dona Lucilia cessara a ação estritamente formadora de seus filhos. Dona Rosée, com 26 anos, tem família constituída e há algum tempo não mora mais com sua mãe. Dr. Plinio, com quase 24 anos, advogado, líder inconteste do Movimento Católico em São Paulo, vai se candidatar em breve a deputado federal constituinte pela Liga Eleitoral Católica, na Chapa Única por São Paulo Unido.

Apesar de tudo, por suas virtudes, por sua bondade, por sua determinação de sempre procurar a perfeição, por sua abnegação pelos filhos e por lhes querer todo o bem, a meiga e afetuosa solicitude de Dona Lucilia continuaria a fluir sobre eles como as águas de um rio caudaloso e límpido. O que seria um excelente apoio, especialmente para Dr. Plinio, pois este haveria de se lançar numa série de renhidas batalhas em defesa dos interesses da Igreja Católica.

Porém, a Dona Lucilia ainda esperavam inúmeros sofrimentos.

De fato, pouco depois, com a morte de Dona Gabriela, sua tão querida mãe, ela passaria por difíceis e inesperados reveses financeiros, somando-se assim à tão dolorosa perda a incerteza quanto ao futuro. De outro lado, as pugnas de Dr. Plinio trariam não só alegrias e triunfos, mas também muitas dificuldades e provações, às quais ela sempre permaneceria vinculada por seu zelo materno.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

1) Importante diário parisiense.

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