Nossa Senhora é a imagem perfeita da Igreja Católica. Dr. Plinio escolhe esta afirmação de Santo Agostinho, quando se vê na contingência de optar por um tema que seja bem-assimilado por seu auditório de jovens.
A propósito da festa de Nossa Senhora das Mercês, gostaria de fazer alguns comentários sobre um trecho de Santo Agostinho. O grande Bispo de Hipona se dirige à Santíssima Virgem neste belíssimo louvor:
Ó Maria, cumpristes perfeitamente a vontade do Pai Celeste. Vossa maior honra, vossa maior felicidade não foi de ter sido a Mãe, mas a discípula de Cristo. Bem-aventurada sois por terdes ouvido o Verbo de Deus e conservado (suas palavras) em vosso coração. Vós guardastes a verdade de Cristo em vossa inteligência, mais ainda que sua carne em vosso seio. Não se saberia comparar-Vos às mulheres do Antigo Testamento, a Ana, a Suzana. A que alturas não Vos elevastes acima delas? Aqui ainda não falamos na santa virgindade, mas em vossas outras virtudes: ó Maria, há no mundo alguém que as ignore?
Para exemplo e ensinamento para todas as mulheres convém somente não esquecer vossa santa e admirável modéstia. Vós fostes julgada digna de conceber o filho do Altíssimo e, entretanto, permanecestes a mais humilde de todas as criaturas; porque fizestes sem cessar a vontade de Deus, sois segundo a carne e o espírito, a Mãe de Cristo, sua Mãe e sua irmã, mulher única, mãe e virgem, e Vós o sois corporalmente e espiritualmente.
Mãe de nosso Chefe, que é o Salvador, Vós sois também e perfeitamente mãe de todos os membros de Cristo, porque cooperastes, por vossa caridade, para o nascimento dos fiéis na Igreja.
Única entre todas as mulheres sois, ainda uma vez, mãe e virgem. Mãe de Cristo e virgem de Cristo. Foi por Vós, ó Mãe do Senhor, que a dignidade virginal começou (a florescer) sobre a terra. Por Vós, ó Maria, que merecestes ter um filho, mas que o merecestes sem deixar de ser virgem. Para honra do Salvador Jesus, o pecado não se aproximou de Vós. Sabemos que para vencer o pecado e o vencer inteiramente foi dada graça abundante Àquela que foi digna de conceber e de cuidar do Impecável.
A beleza e a dignidade da terra sois Vós, ó Virgem, que fostes sem cessar a imagem da Santa Igreja. Por uma mulher, a morte; por uma mulher, a vida. E esta última sois Vós, ó Mãe de Deus.
Assim como Maria, a Igreja é Virgem e Mãe
É um lindo trecho de Santo Agostinho, talvez num estilo não inteiramente acessível às novas gerações. Por outro lado, seria muito ingrato dessorarmos o santo Autor, tirando o pensamento dele de dentro das palavras majestosas que ele escreveu.
De maneira que me parece suficiente, para aproveitarmos bem esta passagem, compreendermos um pouco a frase final dele, quando fala que Nossa Senhora é a imagem perfeita da Igreja Católica. Procuremos, então, analisar em que sentido a Igreja é virgem e é mãe, e de que modo ela é, por sua vez, imagem de Nossa Senhora.
A Igreja é virgem nessa acepção da palavra de que ela é de uma santidade absoluta, sem nenhuma forma de condescendência com o erro nem com o mal. Nela não existe qualquer espécie de mácula. Ela é, portanto, intacta como uma virgem.
De outra parte, ela é mãe porque todos os homens nascem para a vida espiritual de dentro da Igreja, são engendrados por ela para a existência cristã. Se não fosse a Igreja, nenhum homem poderia salvar-se. E ela procede como mãe em relação aos filhos, os nutre com os Sacramentos, com a vida sobrenatural da graça; ela os ensina por meio do Magistério infalível; ela os guia através da autoridade da hierarquia eclesiástica, de maneira tal que ela exerce, em relação a cada homem, a cada um dos católicos, todos os ofícios e todos os misteres que a mãe exerce em relação ao filho.
Esse paralelo se torna ainda mais esplendoroso quando podemos dizer, a exemplo de Nossa Senhora, que ninguém é mais virgem do que a Igreja, e ninguém é mais mãe do que a Esposa Mística de Cristo.
Tomem-se todas as instituições e todas as mães da terra, e nenhuma teve nem terá uma maternidade mais copiosa do que a Santa Igreja. Desde o momento em que ela foi fundada, até o fim do mundo, todos os homens que se salvarem serão gerados nela e será ela que os conduzirá à vida eterna.
Aceitar ou recusar a Fé, salvar-se ou condenar-se
Naturalmente, haverá pessoas que se salvarão sem serem católicas. São aquelas que não tiveram oportunidade de conhecer a Igreja, porque viveram em regiões longínquas, porque nunca ouviram falar dela, etc., e não puderam adivinhar que a Igreja Católica existia.
Porém, Santo Tomás de Aquino ensina que, antes de essas pessoas morrerem, elas recebem de algum modo — quiçá por seus Anjos da Guarda — a revelação sobre os mistérios essenciais da Fé cristã, e são convidadas, no seu derradeiro momento de vida, a crer ou a recusar. Se crêem, elas se salvam; se recusam, condenam-se.
Assim como Nossa Senhora, também a Igreja é virgem, na sua santidade absoluta sem condescendência com o mal; e mãe, engendrando os homens para a vida cristã.
Assim, segundo a doutrina tomista, no último instante todas as pessoas que se salvam acabam pertencendo à Igreja Católica, se não pelo batismo da água, pelo batismo de desejo. E por esse ensinamento vemos como Santo Tomás de Aquino concebe o papel da Fé na salvação e o papel da Igreja para cada católico.
Imaginemos a situação: a alma está nos últimos transes, talvez o homem até sendo dado por morto por todos os circunstantes. Mas vem um Anjo e revela as verdades essenciais da Fé, aquelas sem as quais ninguém se pode salvar. E naquele momento a pessoa é levada a fazer um ato de amor àquilo e tem para isso as graças suficientes. Mas é possível que, por força de seus vícios, em vez de um ato de amor tenha um ato de ódio. Se ela amar, se salvará; se ela odiar, se perderá.
O amor à Igreja é uma fonte de virtudes
Compreende-se, então, como o amor a Deus, o amor à Igreja Católica é a fonte de todas as virtudes. Quem ama se salva, porque depois praticará os Mandamentos e cultivará as melhores qualidades morais. Quem não ama, se perde, porque cortou com a raiz de todos os valores da piedade.
Quantas e quantas vezes tenho ouvido lamentações de pessoas que apresentam dificuldades em tocar a vida espiritual, em perseverar na prática dos Mandamentos, ou pelo menos problemas para progredir na virtude.
A solução qual é?
Uma das muitas soluções — porque a Igreja é a cidade da salvação onde para tudo há diversas saídas— é exatamente aumentar nossa Fé, é aumentar o nosso amor à Igreja Católica. Aumentando esse amor, cresce igualmente a nossa determinação para praticar o bem e a nossa repulsa ao mal. E, cumpre notar, muitas vezes as pessoas não têm suficiente aversão ao mal, porque no fundo não têm suficiente amor à Igreja.
Infabilidade papal, Eucaristia e Confissão: três belezas da Igreja
Voltamos então ao pensamento que pretendíamos aprofundar: a Igreja é a figura de Nossa Senhora, e é resplandecente e bela na terra, e devemos procurar amá-la a fim de nos prepararmos para amar Nossa Senhora no Céu. É necessário que tenhamos os olhos sempre voltados para a Igreja eterna, a Igreja imutável, que não se identifica com as misérias presentes e transitórias, a Igreja que devemos amar acima de todas as coisas no mundo. A Igreja na sua hierarquia, nos seus mil aspectos verdadeiramente divinos.
Recordemos, por exemplo, tudo quanto há de belo na infalibilidade papal, na figura de um homem infalível, governando a todos e a todos ensinando o caminho da verdade, num governo que não é temporal, mas do espírito. Nunca se concebeu, em matéria de governo, algo de tão bonito, de tão nobre quanto isso.
Consideremos, de outro lado, a Eucaristia. Deus verdadeira e realmente presente entre nós, embora oculto de modo misterioso sob as espécies eucarísticas, conferindo ao homem a possibilidade de ter com Deus um convívio tão íntimo e até insondável. Deus entra nesse homem e como que se faz um com ele. Pode-se imaginar coisa mais esplêndida do que o Todo Poderoso condescender em ter tal familiaridade com cada um dos homens que Ele criou?
Depois, o sacramento da Penitência. Pode-se conceber que inferno seria o mundo sem o confessionário? Se nós não pudéssemos nos abrir sobre os nossos pecados, e não tivéssemos a certeza do perdão? Que horror seria a incerteza sobre se Deus nos perdoou ou não, se estamos ou não em estado de graça, etc., etc.
Que obra-prima de sabedoria existe no confessionário, e no fato de o segredo de confissão nunca ser traído!
E quanto mais o mundo afunda numa decadência moral, mais aparece os raios de luz que partem da Igreja, mais compreendemos o quanto ela é bela e digna de amor.
Quando nós pensarmos em tudo isso, encontraremos mais resolução para combater os nossos pecados e para praticar a virtude.
Que Nossa Senhora das Mercês nos ajude a isso. “Mercê” é uma graça, é um favor. Nossa Senhora das Mercês é Nossa Senhora dos favores, disposta a todo momento a nos conceder dons excelentes e a nos convidar a pedi-los. Tenhamos para com Ela esse tipo de relação muito filial e muito confiante, certos de que sobre nós descerão as misericórdias de nossa Mãe santíssima.