domingo, noviembre 24, 2024

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Esplendores de uma alma fiel

Continuando a acompanhar a vida de Dona Lucilia, através da excelente biografia escrita por João S. Clá Dias, encontramo-la agora no ano de 1939. Algumas cartas trocadas com seu filho nos dão um vislumbre da vida particular de Dr. Plinio, numa época em que ele era o líder inconteste do laicato paulista.

Muito se preocupava Dª Lucilia com a saúde de seu filho, em vista da intensa atividade por ele exercida: apostolado, direção do Legionário, escritório de advocacia, magistério, conferências, discursos, palestras. Embora Dr. Plinio fosse muito robusto, graças aos cuidados que sua mãe lhe dispensara na infância, estaria sempre exposto a algum mal súbito, pelo cansaço resultante de tal operosidade. Por isso ela lhe recomendava sair de São Paulo a fim de descansar durante algum tempo, apesar de serem para ela tão penosas as ausências dele.

Dr. Plinio diante do Grande Hotel de Guarujá

Atendendo às solicitações  maternas

Mas, para ter certeza de que esses períodos seriam bem aproveitados para um repouso regenerador, pedia-lhe com afeto que não deixasse de escrever, contando seu dia-a-dia. Assim, ao menos para contentá-la, ele se sentiria obrigado a fazer algum passeio e a se distrair. Para tranqüilizá-la, Dr. Plinio filialmente seguia as orientações maternas, sempre que alguma necessidade urgente da Causa Católica não exigisse o contrário. Estando no Grande Hotel de Guarujá, no verão de 1939, assim se exprimia em carta a Dª Lucilia, de 22 de fevereiro:

Mãezinha do coração!

Escrevo-lhe às dez e meia da noite, depois de ter passado um dia singular, mas delicioso: levantei-me às quatro e meia(!), fui esperar às seis da manhã em Santos um grande navio italiano de cujo nome não me lembro, mas que é o mais suntuoso que vi; lá assisti à Missa celebrada pelo famoso Jesuíta Pe. Laburu, basco, meu amigo, vindo de Roma de passagem para a Argentina, uma das maiores celebridades mundiais em telepatia, hipnotismo, etc.

Lá comunguei com o José, tomamos um delicioso café, e ficamos de prosa até nove e meia. Depois voltei de auto a Guarujá, li os jornais, tomei um banho de mais ou menos uma hora ou uma hora e quinze, almocei, e caí na cama a uma e meia e dormi com sono cerrado até seis e meia exatamente. Levantei-me, fiquei no terraço até oito e quinze, jantei muito bem, andei na praia, e agora estou matando as saudades, que são muitas. Encontrei aqui a Ilka com o Zito, que vieram um instante ao hotel, ver-me. Eles foram a S. Paulo e deverão estar de volta sexta-feira (…)

O hotel está quase vazio, e está delicioso!

E a Sra como vai? e Papai? E a Katuchinha¹ queridinha? Vou escrever a esta.

Se vierem cartas para mim no escritório, no Legionário ou aí, mande.

Com um afetuoso abraço a papai, 1000000…..0 de beijos à Sra, do seu filho respeitoso, que lhe pede a bênção e lhe quer mais do que é possível dizer

Plinio

A leitura destas linhas fazia Dª Lucilia sentir-se consolada, por saber que seu filho estava repousando bem, e recompensada pelas grandes saudades que a ausência dele lhe trazia.

Por vezes Dr. Plinio ia a uma estância hidromineral no interior paulista, Águas de São Pedro, a fim de espairecer. Dali escreveu em certa ocasião a sua mãe:

Luzinha de meu Coração

Aí vai a carta que a Sra esperava. Vai atrasada, curta e cheia de saudades.

Estou descansando muito, passeando e comendo bem: vegetando, enfim, que é o de que eu precisava. (…)

Como vai a Sra? E Papai? Adolphinho já está bom? Diga-lhe que é pena que não esteja aqui.

Mil beijos para a Sra, abraços para Papai. Do filho que a quer a mais não poder, e lhe pede a bênção.

Plinio

Outras vezes essas viagens eram destinadas por Dr. Plinio a uma atividade intensa, que a tranqüilidade de um confortável hotel à beira-mar tornava mais propícia. Pelo caráter “telegráfico” das missivas de seu filho, percebia Dª Lucilia que dessa vez o descanso havia ficado bem distante. Tal é o caso de um belo postal com uma vista marítima, enviado em maio de 1939 de Guarujá:

Na página anterior: o Grande Hotel de Guarujá no início do século XX e fac-símile de uma das cartas enviadas por Dr. Plinio a Dª Lucilia, daquela cidade litorânea; ao lado: o postal que, de lá, ele mandou para sua mãe

Mãezinha querida

Com mil saudades, beijo-a respeitosamente e peço sua bênção.

Estou gostando muitissimo.

Do filho que a quer imensissimamente.

Plinio

Eram poucas palavras, mas transbordantes de amor filial. Dª Lucilia, ao receber o cartão, tê-lo-á quiçá depositado, até a volta do filho, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, junto à qual passava horas mais longas, durante as ausências dele.

Dignidade cristã,  fidelidade inquebrantável

Ao longo de sua biografia, estampada nesta seção, pu-demos admirar as reações cheias de temperança de Dª Lucilia, e sua inabalável confiança na Providência, ante situações tão extremas e tão próprias a lhe dar as maiores alegrias, bem como as mais pungentes tristezas. Assim, a eleição de seu filho para deputado — quando jovem de apenas 24 anos, o mais votado do país — ou ainda a nomeação dele para cátedras em três faculdades, foram fatos que muito contentamento lhe trouxeram, sem que, no entanto, em nenhum momento, perdesse a calma ou deles se envaidecesse. De outro lado, o falecimento de sua tão querida e venerada mãe, ou o ver-se sujeita a restrições financeiras notáveis, foram dissabores por ela suportados com inteira dignidade e cristã resignação.

Com o correr dos anos, e o rolar dos acontecimentos nacionais e internacionais para um futuro cheio de incertezas e de riscos, a figura de Dª Lucilia aparecerá nimbada numa discreta mas intensa luz. Luz prateada que lhe virá não só da respeitabilidade acrescida pelo avançar da idade, mas também do esplendor da alma fiel que nunca se vergará ante os fatores mais adversos ao cumprimento da vocação.

É essa fidelidade inquebrantável, de proa de marfim que fende as águas e reluz ao sol em sua alvura, a nota que nos aparecerá mais nítida quando a existência dela passa a transcorrer quase toda em meio a acontecimentos terríveis e grandiosos.

O ano de 1939 caminhava para seu fim. Em breve os fatos na Europa se precipitarão, arrastando as nações para a mais pavorosa guerra da história. Na serenidade de suas reflexões, Dª Lucilia verá como tudo se irá distanciando daquele mundo ainda impregnado por algo do aroma da Civilização Cristã. Em outras palavras, como a humanidade se afastará cada vez mais de Deus.

E Dª Lucilia certamente tinha razões para pôr em dúvida que dos escombros da guerra, já iminente, se erguesse uma sociedade regenerada. Pelo contrário, a impiedade geral só fazia temer que as transformações provocadas pelo conflito afundassem ainda mais o mundo no pecado.

Em suas orações, entretanto, procurará ela reparar aquele Coração Sagrado “que tanto amava os homens e que deles só recebia ingratidões e ultrajes”, segundo queixa por Ele feita a Santa Margarida Maria Alacoque…

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

1) Maria Alice, a neta de Dª Lucilia.

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