Para muitas pessoas, a mera suspeita a respeito de alguém já constitui juízo temerário. Trata-se de um equívoco, que Dr. Plinio procura esclarecer.
Grande número de incompreensões a respeito do assunto “juízo temerário” provém de uma análise superficial da palavra “juízo”. Muitas são as pessoas que receiam fazer uma suspeita desfavorável a terceiros, porque, caso a suspeita não seja comprovada ulteriormente, terão cometido um juízo temerário. Mas uma suspeita poderá ser considerada juízo?
Para decidir a questão, basta recorrermos às noções correntes. O juízo, ou sentença, implica uma afirmação. Só fazemos um juízo acerca de alguém quando chegamos a uma certeza a respeito desse alguém. Uma suspeita não constitui um juízo, e, assim, quem suspeita de outrem não pode, propriamente, formar um juízo temerário, e isto pela simplicíssima razão de que não chegou a estabelecer juízo algum. Com efeito, a suspeita é uma hipótese que formulamos a respeito de uma pessoa. E a hipótese evidentemente não é uma certeza.
Assim, ainda que tenhamos feito sobre uma pessoa uma suspeita infundada, não teremos com isto cometido um juízo temerário. …
Modelos irretorquíveis para os demais homens, os santos sempre abriram os olhos para as misérias da terra, e o coração para o Céu
(imagem de São Bento, em Subiaco, Itália)
Virtude, e não fraqueza de princípios
Andam erradamente, e muito erradamente, os que dizem que não querem formar juízos ou suspeitas sobre os outros, porque a tal não têm direito. Distingo. É inconveniente que andemos a fiscalizar as pessoas cuja conduta não se encontra sob o raio de nossa autoridade. Mas que sejamos obrigados a não formar impressões sobre aquilo que naturalmente nos salta aos olhos, na vida de todo dia, quem ousará sustentá-lo? … Um homem de caráter firme e varonil sente uma dissonância interior cada vez que nota que, em torno de si, as coisas se passam de modo contrário à glória de Deus, à exaltação da Santa Igreja, e da doutrina católica. …
Assim, formar juízo e formar suspeitas, quando isto é dirigido pelas virtudes cardeais, e não se orienta pela ação de qualquer inclinação viciosa, é virtude e alta virtude. E deixar de formar juízo ou suspeita quando o caso se apresenta, pode ser defeito, e grave defeito.
O irretorquível exemplo dos Santos
Liricamente, muita gente costuma sustentar que “isto compete à autoridade, e que, como não tenho autoridade, posso dispensar-me dessa tarefa ingrata”. E muito tolo comentará de si para si: “Que coração generoso é esse, como lhe dói ver a maldade do próximo!” Certamente, há muita generosidade em doer-se alguém da perfídia do próximo. Mas haverá generosidade em fechar os olhos à evidência, para não sentir essa dor?
Ah, como os Santos abriram e até escancararam os olhos a essas dolorosas evidências! Como lhes cortava o coração ver a malícia, a ingratidão, a perfídia, a lascívia dos homens! Quantos juízos encontramos, nas obras dos Santos, juízos severíssimos e tremendos, não só a respeito de um ou outro indivíduo nominalmente considerado, mas ainda a respeito de cidades, povos e países inteiros!
Os Santos se doíam, mais do que ninguém, dessa realidade. Mas, em vez de lhe fechar estupidamente os olhos, abriam os olhos para as misérias da terra e o coração para o Céu, em magníficos atos de reparação e desagravo a Deus.
Como está longe da conduta dos Santos certo romantismo piegas com que, tantas vezes, nos defrontamos na vida! … Quando Nosso Senhor Jesus Cristo chamou os fariseus sepulcros caiados, o que fez senão juízo? E quando aconselhou que tomássemos cuidado com os falsos profetas e os lobos metidos em pele de ovelha, o que fez senão impor-nos a suspeita como importantíssimo meio para a nossa salvação?
Uma vítima da Revolução Francesa teve a exclamação famosa: “Ó liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!” Com quanto direito poderíamos dizer por nossa vez: “Ó caridade, quanta sandice e quanto crime em teu nome se tem praticado!”
Inocentes como pombas, mas astutos como serpentes
Mas, sobretudo, o que importa notar é que um observador sagaz não se improvisa. Que espécie de autoridade será quem esteve de tapa-olhos, ininterruptamente, durante todo o tempo em que foi súdito? Não é, porventura, quando se é súdito que se deve adquirir as qualidades de um chefe? A tal ponto é isso verdade, que todos os exércitos e todas as engrenagens das empresas comerciais, etc., têm sua linha fixa de promoções. Não valerá isso para nós? Ingênuos como crianças de berço até o dia em que não cai sobre os ombros uma função de responsabilidade, o que faremos quando depender de nós a defesa dos mais importantes interesses espirituais ou temporais, contra os lobos disfarçados na pele da ovelha? …
(Excertos de artigo do “Legionário”, nº 476, 26/10/1941. Título e subtítulos nossos.)