jueves, noviembre 21, 2024

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Longa e penosa separação

Corria o ano de 1950, e Dr. Plinio devia, pela primeira vez, viajar para longe de Dª Lucilia. Como fazer para tornar suave essa ausência à sua extremosa mãe, e poupar-lhe preocupações?

Apesar de os Estados Unidos estarem adquirindo crescente preeminência entre as nações do Ocidente, e por todo lado se impusesse a idolatria do progresso material, a Europa ainda se mantinha como pólo de todas as atenções, os padrões europeus continuavam a atrair a admiração e a servir de modelo universal, e para lá convergiam turistas do mundo inteiro.

O pináculo de grandeza que o Velho Continente representava nunca deixou de ser objeto do olhar analítico e enlevado de Dª Lucilia, e ela sabia interpretar a fundo o grande valor das obras e instituições nascidas do gênio europeu. Com seu espírito sobrenatural, compreendia não ter sido possível serem executadas sem o auxílio da graça. Segundo seu modo de ver, o Preciosíssimo Sangue derramado por Nosso Senhor Jesus Cristo no Gólgota, para redimir o gênero humano, era a causa primeira da cavalaria, das universidades, das corporações de ofício, dos hospitais, das catedrais, dos castelos, do gótico, da pulcritude dos vitrais e de tantas outras maravilhas.

Mas, depois de tantas convulsões, restaria no Velho Continente algo da antiga fidelidade? Haveria movimentos ou pessoas capazes de agir eficazmente para restaurar os tradicionais valores da Civilização Cristã? A esperança de uma resposta afirmativa levou Dr. Plinio a viajar, em abril de 1950, à Europa. Poderia, desse modo, ampliar seu leque de relações com pessoas e instituições afins com sua linha de pensamento e, por assim dizer, apalpar com as próprias mãos o que permanecia de pé.

Dona Lucilia só soube da viagem de seu filho quando este já havia cruzado o Atlântico. Após os primeiros instantes de tristeza na perspectiva da prolongada ausência dele, conformou-se com magnanimidade, em vista dos possíveis benefícios para a Causa Católica daí decorrentes.

Em abril de 1950 abriu-se para Dr. Plinio uma excelente oportunidade de estabelecer certos contatos na Europa que muito aproveitariam à sua obra apostólica. A viagem exigiria, porém, um longa hiato no convívio entre mãe e filho…

Planos para amenizar a separação

Pouco depois da Páscoa de 1950, apresentara-se uma ocasião propícia para a viagem de Dr. Plinio ao Velho Continente, corroborada por uma razão de índole doméstica: Maria Alice, sua sobrinha e afilhada, contrairia matrimônio em julho, e ele desejava estar presente à solenidade. A coincidência de tais circunstâncias obrigou-o a marcar a partida para meados de abril, poucos dias antes do aniversário de sua mãe. Bem sabia ele a apreensão e a dor que o anúncio da viagem causaria a Dª Lucilia, não só pela perspectiva de uma longa ausência, como também pelas preocupações várias às quais ela se entregaria.

Com efeito, nascida no século XIX, Dª Lucilia utilizava o prisma de seu tempo de mocinha para analisar as delongas e os perigos de uma travessia oceânica. A fortiori em se tratando de viagem de avião! Guardava viva lembrança do tempo em que a aeronáutica estava em seus primórdios, e eram comuns os acidentes fatais. E não lhe bastaria para tranqüilizar o fato de, em 1950, já se terem tornado rotineiros e seguros os percursos aéreos intercontinentais.

No intuito de poupar preocupações a ela e evitar a dor da despedida, Dr. Plinio arquitetou uma pia fraus. Combinou com Dr. João Paulo, Dª Rosée e os parentes mais próximos de dizer a Dª Lucilia que ele ia ao Rio de Janeiro, para onde tinha o costume de viajar com relativa assiduidade. Assim ela concluiria tratar-se de uma curta ausência. Na realidade, ele estaria no Rio de passagem, para tomar um dos aviões que partiam para a Europa.

Quando desembarcasse na Espanha — primeira etapa da viagem —, enviaria a Dª Zili, sua tia, um telegrama confirmando a chegada. Esta poderia então revelar toda a verdade a Dª Lucilia, a qual, ao mesmo tempo, receberia de Dr. João Paulo, acompanhada de uma cesta de flores, a primeira de duas cartas que Dr. Plinio deixaria redigidas.

Horas mais tarde, a campainha do apartamento soaria. Outro arranjo floral encomendado por Dr. Plinio representaria nova manifestação de filial carinho.

Em 22 de abril, dia do aniversário dela, a segunda carta de felicitações, em poder de Dr. João Paulo, ser-lhe-ia entregue, juntamente com um bouquet de flores. Ao menos essas pequenas atenções, transbordantes de afeto, a consolariam um pouco pela ausência do “filhão”. Por sua vez, as irmãs e outros parentes de Dª Lucilia se comprometeram a lhe fazer companhia mais assídua e levá-la a passear, para distraí-la.

Combinados nas minúcias todos os detalhes, na manhã de 15 de abril, sábado, Dr. Plinio foi despedir-se de Dª Lucilia, como fazia ao viajar.

A despedida

Era hábito de Dª Lucilia permanecer, acordada, no leito até mais tarde, pois sua frágil saúde exigia muito repouso, e ela aproveitava esse período para rezar longamente. Não raras vezes, ao se despedir de sua mãe, Dr. Plinio a encontrava absorta em piedosa oração. Conforme a hora, o quarto estava iluminado apenas por um abat-jour e com as venezianas fechadas. Passadas as 10 horas da manhã, ela mandava abri-las.

— Mãezinha — dizia-lhe ele —, já está na hora de eu ir embora.

— Filhão… então é o momento de nos separarmos?

O tom interrogativo e meigo daquelas poucas palavras como que brandamente dizia: “Meu filho, então você vai deixar sua mãe?” Não devia ser fácil resistir a tão suave apelo, mas o dever o obrigava a outra resposta:

— Meu bem, tenho de ir.

Nesses instantes, Dª Lucilia deixava transparecer sua benquerença ainda mais do que no dia-a-dia. Porém a despedida, sem perder seu caráter afável, se revestia sempre de certas formalidades, bem ao modo dos Ribeiro dos Santos. Dr. Plinio osculava primeiro a mão de sua mãe, depois a fronte e várias vezes a face. Dona Lucilia lhe fazia várias cruzinhas na testa, enquanto, com os olhos semicerrados, sussurrava algumas orações ou formulava em seu interior alguns pedidos, cujo teor ela nunca revelava; e, por discrição, seu filho nunca a inquiria sobre isso. Por fim, abençoava-o e o acompanhava com o olhar até a porta do quarto. Depois, retomando suas devotas preces, acrescentava, sem dúvida, o pedido de que, do alto dos Céus, Maria Santíssima o protegesse de modo especial, pois Ela é a mais excelsa das mães e a atenderia com solicitude.

A despedida para essa viagem não fora diferente das anteriores, ao menos na aparência. Não havia nenhum indício de que o maternal coração de Dª Lucilia estivesse sobressaltado, já naquela ocasião, pelo pressentimento de lhe estarem ocultando algo. Pelo contrário, nas primeiras horas após a partida, ela aparentava estar despreocupada e tranqüila.

Contudo, como nos revelará a seqüência dos acontecimentos, todas as filiais precauções de Dr. Plinio para amenizar a separação não a iludiram quanto ao verdadeiro destino dele.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias.)

Naquela manhã de 15 de abril, Dr. Plinio dirigiu-se ao quarto de Da. Lucilia (foto da pág. anterior) para dela se despedir, como fazia sempre que viajava. Desta vez, a separação seria mais longa. Para amenizar o choque, ele mandaria florir todo o apartamento (foto acima), e deixaria duas cartas com afetuosos dizeres para sua querida “mãezinha”

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