domingo, noviembre 24, 2024

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Recordações da viagem à França

Depois de visitar algumas cidades da Espanha e de Portugal, Dr. Plinio dirigiu-se à França. Em seu coração de filho, procurava amenizar as intensas saudades da mãe extremosa que deixara em São Paulo, enviando-lhe afetuosas linhas, nas quais descrevia seus dias no Velho Continente.

Fachada do Hotel Regina, onde Dr. Plinio ficou hospedado, e fac-simile da carta reproduzida ao lado

Notícias da capital francesa

A primeira carta recebida por Dª Lucilia de Paris trouxe-lhe à memória a temporada passada com seus filhos naquela incomparável cidade, tanto mais quanto Dr. Plinio citava alguns locais onde sua mãe o tinha levado em pequeno.

Paris, 6 de maio de 1950

Luzinha queridíssima

Querido Papai

Escrevo-lhes uma carta miserável, porque o teclado [da máquina de escrever] é diferente do nosso, especialmente no que diz respeito às letras a, m, q. Em todo o caso, é melhor do que nada, e posso andar mais depressa, aproveitando assim o tempo em Paris.

Eu lhes escrevi da Espanha. Estive posteriormente em Portugal, inclusive Fátima de onde lhes escrevi postais. Em Lisboa, recebi as cartas daí. Viajei em todo Portugal em dois dias fulminantes, e em seguida fui para Paris de avião.

Nosso hotel está a dois passos do Louvre. Já estive em Versailles. Visitei Notre Dame, St. Germain l’Auxerrois (…). É inútil e absolutamente impossível dizer a impressão que todos estes monumentos causam. Devemos ir amanhã a St. Cloud e a Fontainebleau.

Gostei muito das noticias que Papai deu sobre os negócios.

Quanto a receber meu ordenado, é simplicíssimo: é só ir à Secretaria da Fazenda no dia 13 e pedir que lhe paguem. Todas as formalidades estão preenchidas.

Gostei imensamente de ver com que bom senso minha Lady Perfection está tomando esta separação [Dr. Plinio chamava carinhosamente sua mãe por esse epíteto, pelo desejo dela de tudo fazer com perfeição]. Estou morrendo de saudades das nossas prosas. Há aqui um conjunto de relógios que marcam as diferentes horas do mundo inteiro. Quando passo por ele, penso sempre no que estará fazendo a minha Marquesa a esta hora. E tenho uma preocupação não pequena no que diz respeito aos horários de oração.

Estou absolutamente sem notícias de Rosée e dos dela. Eu lhe telegrafei quando cheguei a Madrid, e não obtive resposta. As cartas daí nada me dizem. Quero que esta carta seja lida ao pessoal do 6º andar, e enviada depois a Buenos Aires.

Também do pessoal do 6º andar não tenho notícia nenhuma. O que faz essa súcia de preguiçosos?

Só recebi uma carta de Tia Zili, carta muito carinhosa, que respondi há muitos dias. Escrevi a Tia Yayá, Dora e Telêmaco, (…) Antony, e aos do sexto andar. Nenhuma resposta: “Voilà qui est beau” [“Que beleza!”, expressão equivalente a uma queixa].

Penso que ainda ficarei em Paris uma semana, indo depois a Lourdes e Roma. Quando eu chegar a Roma, Mamãe pode começar a preparar a feijoada.

Mil milhões de beijos e abraços para minha Manguinha do coração. Mil abraços para Papai. A ambos peço a bênção.

Abraços também às Tias, Antônio, Dora e Telêmaco e toda a família.

Para o pessoal do 6º andar, nada, enquanto não me responderem.

Do filho que muitíssimo lhes quer,

Plinio

“É inútil e absolutamente impossível descrever a impressão que esses monumentos causam…” Dr. Plinio (no centro, à esquerda) em visita ao Museu do Louvre, durante a sua passagem pela capital francesa

Durante a ausência de Dr. Plinio, seu escritório de advocacia ficara a cargo de seu pai, Dr. João Paulo. Este escrevia-lhe regularmente para dar notícia do andamento dos negócios, aproveitando para contar brevemente o que se passava em casa. Sua carta de 11 de maio mostra quanto agradava a Dª Lucilia as novas recebidas de seu filho:

Aqui chegou ontem sua carta de 6; recebida com o maior prazer, especialmente por Lucilia que a leu pelo menos três vezes, (…) segue hoje para Buenos Aires, endereçada a Rosée. Por aqui nada de novo, no que nos toca mais de perto. Lucilia vai indo, uma vez ou outra sente que lhe apertam as saudades mas depois cai na normalidade, para o que concorrem as irmãs, quase sempre em visita para os habituais jantares. Não se preocupe com isso e vá aproveitando a Europa da melhor forma possível.

“Tanto peço a Deus que venhas já, quanto para que possas te demorar um pouco”

Pouco depois de chegar a primeira carta de Dr. Plinio vinda de Paris, Dª Lucilia enviou-lhe uma resposta. Grande admiradora da cultura francesa, não perdeu a ocasião de lhe recomendar que visitasse os lugares mais densos de significado.

Por seus conselhos nessa ocasião, percebe-se o prisma pelo qual encarava uma tournée pelo Velho Continente. Uma viagem à Europa, em seu entender, devia ter o caráter de peregrinação, num sentido lato, pois as maravilhas lá existentes são frutos da Civilização Cristã, e precisam ser admiradas com espírito religioso e, quase diríamos, meditadas. Desse modo, apesar de seu filho ser já homem feito, ela lhe recomenda correr menos e até visitar menor número de locais históricos, a fim de aproveitá-los melhor.

Daí pedir a Deus em suas orações que a permanência de Dr. Plinio na Europa se prolongasse o mais possível, ainda quando as saudades levassem-na a implorar seu pronto regresso.

S. Paulo, 12-V-50.

Meu filho querido!

Pelas cartas que te enviei, terás tido noticias nossas. (…) Estou ansiosa por ver o retratinho que Adolphinho mandou à mãe, que m’o trará amanhã. Não achas que “eu também” vou ganhar um do meu queridão?

Ao veres Versailles não recordaste um pouco do paço das “estuatas”? Não foram ao Trianon et Petit Trianon? Não me falas neles, e são tão lindos e próximos do primeiro! Lembro-te também, se houver tempo, o museu Grévin, por ser interessantíssimo! Se não te for possível ir ao [palácio] de Luxembourg, e passares próximo, chega apenas até lá, para que possas ver, da calçada, “Le penseur”, obra prima de Rodin, que está colocado no pequeno jardim de frente do prédio. (…)

Uma «estuata» do Parque de Versailles e o Petit Trianon, no mesmo castelo

Tuas tias estão queixosas por não terem recebido de tua parte, nem ao menos um postal. Mostrei-lhes tua última carta, em que me dizias que já lhes havias escrito. Depois de tua partida, têm elas redobrado seus carinhos para comigo. Zili e Nestor, levaram-nos domingo passado ao Automóvel Club, para que eu o conhecesse antes de ser demolido, e lá jantamos os quatro. Gostei muito de tudo, mas falando e me lembrando a todo propósito, do meu querido, que certamente e, “mil vezes graças ao bom Deus, e a Nossa Mãe Maria Santíssima”, deveria também estar vendo cousas muito bonitas e necessárias sob todos os pontos de vista.

Escreve-me sempre, falando um pouco mais de ti. Não estarás te cansando demais, nesta ânsia de aproveitar o tempo para ver o mais possível? Meu filho, pelo amor de Deus, mais cuidado com tua saúde! Nada vale ver tudo (ainda que em maior número) nesta correria, neste afã. É melhor ver menos, mas examinar, anotar tudo bem, com mais proveito, e sossego. Quando vão a Lourdes e Roma? Que Deus os acompanhe, e sejam muito felizes. Se Ele não fosse Deus, pensaria que estou maluca, pois tanto peço para que venhas já, quanto para que possas te demorar um pouco! São frutos de muitas saudades.

Envio um abraço ao Adolphinho. E para ti, filho querido? Todas as minhas bênçãos, meu afeto e carinho, abraços e beijos. De tua mamãe muito saudosa e extremosa,

Lucilia

Nessa ocasião, Dr. Plinio estava para fazer uma rápida viagem à Alemanha. Antes, porém, traçou ele breves linhas num cartão postal com uma vista de Paris. Seria a última correspondência recebida por Dª Lucilia, antes de duas semanas sem nenhuma notícia:

Lú, minha querida Manguinha.

Como dizer as saudades que senti lendo suas cartas? Tive vontade de voar até aí para uma prosinha cheia de beijos, e voltar, abrindo um parênteses nesta ausência tão longa.

Gostei imensamente de saber que a Senhora vai bem…. embora saudosa a mais não poder.

Isto aqui é o assombro dos assombros. Vim hoje de Versailles pela segunda vez.

Já está preparando a feijoada? Quando eu chegar a Roma pode comprar os temperos.

Milhões e milhões de abraços e beijos deste filhão que a quer e respeita indizivelmente e pede a sua bênção

Plinio

Em geral, o tempo age como elemento deteriorante das saudades, pois a recordação viva do bem que se perdeu vai sendo coberta pelo esquecimento e, por fim, nada mais resta a não ser uma tênue reminiscência. Tal não acontecia com Dª Lucilia. Sua grande dedicação e sobrenatural afeto por seu filho lhe fazia sentir mais saudades, à medida que os dias, por sua vez, pareciam transcorrer cada vez mais vagarosamente…

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

Paris do séc. XIX: acima, Saint-Germain L’Auxerrois; abaixo, Palácio e jardins de Luxembourg

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