Na concepção de Dr. Plinio a respeito da vida — particular ou pública, profissional ou social, na Igreja ou no Estado —, deve sempre haver lugar para o cerimonial, o protocolo, o aparato. E as multidões apreciam e se beneficiam dessas pompas. Nesta matéria, são pontos culminantes as solenidades pontifícias, nas quais ao brilho natural se acrescentam aspectos sobrenaturais. Em torno dessas idéias giram os presentes comentários de Dr. Plinio, feitos a propósito da coroação de um novo Papa.
No dia em que se desenrolam em Roma as cerimônias faustosas da coroação do novo Pontífice, deve ser grato aos corações católicos meditar atentamente as circunstâncias dentro das quais essa solenidade se realiza. […]
Evidentemente, durante toda a vida da Igreja, nunca faltou a esta o amor de filhos dedicados e entusiastas. Entretanto, é incontestável que, no século passado (XIX), os fulgores dessas belas provas de amor alternavam sombriamente com o rancor igualitário daqueles que, na faina de destruir toda a ordem religiosa, política e social, não suportavam o espetáculo grandioso das cerimônias do Vaticano.
Os argumentos não faltavam para servir de pretexto a tanto rancor. O primeiro deles, já antigo, era da autoria de Judas Iscariotes: por que gastar tanto dinheiro, em lugar de dar aos pobres? O outro, de sabor mais acentuadamente luterano: não haverá idolatria em se prestar a um homem tantas provas de sumo respeito? […]
Depois de eleito novo sucessor de Pedro, o Sumo Pontífice é coroado numa cerimônia de pompa e majestade insuperáveis
A Santa Sé nunca deu atenção a tais rancores. Com uma sublime e desassombrada energia, ela continuou a manter intato seu magnífico e suntuoso cerimonial, que outra coisa não é senão a afirmação, através de cerimônias perceptíveis pelos sentidos, do princípio da autoridade, de que o Papa é o mais alto e mais sagrado representante na Terra.
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Não é de seu feitio [da Igreja] transigir com o erro, ou procurar entabular com ele um duelo de subtilezas e astúcias. No momento em que o princípio de autoridade periclitava no mundo inteiro, pondo em risco a autoridade de todos os monarcas e chefes de Estado, não era o Vigário de Cristo, do Qual provém toda a autoridade, que tomaria ares de pactuar com a Revolução. A missão da Igreja não consiste em se adaptar aos séculos, mas de adaptá-los a si própria. Ela nunca baixará até os erros dos homens, mas elevará a humanidade até si. […]
Há pouco mais de um mês, morre para o mundo e nasce placidamente para o Céu o Papa Pio XI. Sua morte não é anunciada pelo troar dos canhões, mas pelo som paternal e suave dos sinos de São Pedro, que repercutem de campanário em campanário, até os extremos da China ou da Groenlândia. Nenhum Departamento de Propaganda engaiola as multidões para levá-las à força para Roma. Mas Roma se enche de uma multidão que faria babar de inveja o Ministério da Propaganda da Alemanha, e muitas repartições congêneres de outros países. Não há desfiles marciais de soldados, nem desenrolar de tropas agressivas. Apenas a “gendarmerie” pontifícia, que contém e policia paternalmente a multidão pacífica e enlutada.
Anuncia-se, depois, o novo Papa. Uma multidão aguarda seu nome. Outras multidões afluem de todas as ruas e de todos os becos de Roma, para saber quem foi o eleito. Todo o mundo aplaude. Mas, ainda aí, não há outro eco senão o das sonoras e musicais trombetas de prata dos arautos, as harmonias graves dos sinos da Cidade Eterna, e os vivas da multidão. Não, o Vaticano não é a caserna em que o gado humano é arregimentado para a carnificina, mas a casa suntuosa, porém acolhedora, do Pai comum, que é o lar espiritual de todos os povos da Terra, que ali ombreiam uns com os outros, numa alegria despreocupada e pacífica, de que só o Vaticano, hoje em dia, é teatro.
Finalmente, anuncia-se a coroação do Papa. Nenhuma cerimônia, no mundo inteiro, é mais majestosa. Nenhuma, porém, é ao mesmo tempo mais pacífica, mais serena, mais familiar. O povo não treme diante de um ídolo, mas delira de contentamento diante de um Pai. O povo não se ajoelha diante de um algoz, mas beija reverente os pés daquele que é uma branca e suave figura. E na majestade de seu porte, a Santidade e a Majestade suprema do Criador.
“Viva o Papa!” — é o brado que ecoa na Praça de São Pedro, onde a multidão de fiéis aclama o Vigário de Cristo
E, no menor Estado do mundo, que é o Vaticano, uma das maiores multidões que (se) tenha jamais contemplado, celebra, à sombra do Vigário de Cristo, ao mesmo tempo a mais pacífica e a mais jubilosa das cerimônias deste sinistro século de lutas e de guerras.
(Excertos de artigo publicado no “Legionário”, nº 339, de 12/3/1939)