Neste artigo, Dr. Plinio continua a relatar a tática empregada pelo “Legionário” para atrair o leitor e contribuir para formar assim as mentalidades de acordo com os superiores interesses da causa católica.
Estavamos falando do “Legionário”, e dissemos que ele visava um público especial, influente e não pequeno, para, através desse público, influenciar todo o conjunto dos católicos. Para fazer um relato completo, é preciso ver o que era o “Legionario”: uma folha paroquial da igreja de Santa Cecília que se vendia e circulava quase só na paróquia, e que — coisa muito explicável, dada a natureza da folha — dava as notícias da paróquia. Como fazer evoluir esta folha paroquial de maneira a se transformar numa folha nacional? Como fazer com que essa folha repercutisse nos ambientes católicos do Brasil inteiro e, a partir dessa repercussão, desse estocadas nos adversarios da Igreja?
Este era o problema.
Como atrair, como persuadir
Dei-me logo conta de que nesse jornal nós deveríamos tratar dos assuntos mais atuais, fazendo uma crítica rigorosamente católica e, portanto, ajudando o público a relacionar com o ponto de vista religioso temas dos quais nenhuma folha católica tratava nessa época, no Brasil. O “Legionário” devia entrar nesses temas e tratá-los com coragem, dando o tom!
Mas, também, uma vez atingido este objetivo, o que fazer para combater a Revolução¹? Para combatê-la, persuadir. Agora, como persuadir? Pelo raciocínio? Pela simpatia? Como atrair a boa vontade? Quais são os obstáculos que essa boa vontade encontra diante de si?
Deve-se estudar a psicologia do leitor para descobrir a forma de interessá-lo; deve-se, portanto, ser observador de mentalidades
E, por fim, se não se consegue atrair nem persuadir, fazer o quê?
Estas são perguntas que se faz uma pessoa que dispõe de um jornalzinho católico e quer tirar proveito dele para uma grande missão. Uma pessoa que compreendeu que com tão pouco pode-se fazer muito, e quer aproveitar tudo até o último ponto.
A primeira coisa necessária para persuadir um leitor é tratar de temas que lhe interessem. Se formos tratar de tema que não lhe interessa, não vamos fixar sua atenção para o que escrevemos. Alguém dirá: “Mas ele não se interessa pelos temas de que trato”. Minha resposta é: “Arranje então um modo de expor o tema de maneira a despertar-lhe o interesse”.
Quer dizer, deve-se estudar a psicologia do leitor para descobrir a forma de interessá-lo.
Para isso, é preciso ter uma idéia inteiramente articulada das mentalidades. Temos, pois, de ser observadores de mentalidades. Se não formos observadores de mentalidades, não seremos capazes de nada, nesta ordem de coisas.
A segunda questão era, tendo atraído a atenção do leitor, como persuadi-lo? É preciso apresentar muito bem o raciocínio, com clareza e simplicidade, sem pretensão, diretamente. O argumento deve penetrar na mentalidade do homem que errou como um desinfectante penetra no âmago da ferida de quem tem uma infecção. O ferido pode sentir a dor e espernear, mas o micróbio morre.
Argumentação bela e vocabulário abundante
A argumentação tem que ser o mais possível agradável. Para sê-lo, não adianta só usar palavras bonitas. De vez em quando, uma ou outra metáfora bonita serve. Mas, o mais apropriado é fazer sentir como o argumento, enquanto argumento, é belo. O pensamento sem enfeite, mostrado na sua simplicidade e na sua luz, tem uma beleza própria, que é, por exemplo, a do raio. É preciso fazê-lo sentir.
Para isso, é indispensável ter um vocabulário abundante. Com um vocabulário pequeno, uma palavra para exprimir cada idéia, não vai. Ou temos todo o teclado do vocabulário português — estou dizendo português porque é a nossa língua, mas podia referir-me a outros idiomas ilustres e magníficos — bem estudado e bem aproveitado, ou nada conseguiremos.
Os senhores estão vendo como desço ao concreto. O vocabulário, assim posto, deve saber explorar as qualidades da língua portuguesa, em vez de procurar imitar a linguagem magnífica de outros povos. Se é para escrever para leitores brasileiros, deve ser assim. Se fosse escrever para a França, a Alemanha, a Espanha ou a Suécia, ter-se-ia que arranjar outras maneiras de escrever.
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Cada um precisa saber explorar as belezas do vocabulário que tem.
Há um mundo de imponderáveis nisso, que faz com que, na língua portuguesa, haja palavras que estejam a um milímetro uma da outra, a segunda da terceira, esta da quarta, etc. Mas, em que se possa dizer com uma precisão magnífica o que se quer exprimir.
Então, era preciso habituar os redatores do “Legionário” a essa necessidade.
Frases longas ou frases curtas?
A dosagem e pesagem exata de todas essas coisas trazem até problemas interessantes. Por exemplo, deve-se usar frases longas ou curtas?
A frase curta é mais fácil de se entender. Mas isto é dizer muito pouco, porque equivaleria a dizer que, para o mundo dos burros, esta é a única forma de comunicação possível. Ora, isto não é verdade. A frase curta tem uma simplicidade, com uma utilidade e uma beleza próprias. E para dizer tudo de uma vez só, os senhores tomem o Evangelho: não se encontram nele frases compridas. Há todos os graus e formas de beleza possíveis, pois é ditado pelo Espírito Santo, mas nele não se encontram frases compridas. Ora, a frase comprida tem alguma beleza? Tem muita beleza.
Qual é a beleza dela? A construção da frase longa, permitindo o encaixe de várias idéias harmoniosamente, apresenta os conjuntos de pensamentos. Enquanto tal, habitua o espírito a considerar mais os conjuntos do que as coisas simples, e neste sentido desenvolve o espírito de síntese. Não no sentido de abreviar, mas de agrupar, de aglutinar, de classificar, que é uma qualidade eminente do espírito humano.
A arte de conversar confere uma vida extraordinária à arte de escrever; o leitor deve ter a impressão de que o escritor conversa com ele
Então, nós devemos olhar um pouco para a nossa própria tendência. Individualmente, tendemos para a frase longa ou para a breve? Considerando a nossa tendência, devemos saber tirar dela o méximo possível.
Não sei se dá para notar — talvez dê enormemente — mas eu sou muito tendente às frases longas.
A arte de conversar dá vida à arte de escrever
De onde vem isso? Eu peguei, quase expirante, a arte de conversar. Mas, conheci-a e admirei-a enormemente. Procurei desenvolvê-la um pouco em mim, tanto quanto as minhas qualidades naturais permitiam. Muito antes do “Legionário”, quando eu tinha dez ou onze anos… E procurei, tanto quanto possível, fazer-me a mim mesmo conversar de um modo que eu achasse interessante, porque eu compreendia que, a partir do momento que eu achasse interessante o que estava dizendo, eu daria vida ao que dizia, e assim passaria a interessar aos outros.
Essa arte de conversar dá à arte de escrever uma vida extraordinária. O leitor deve ter a impressão de que o escritor está conversando com ele. Talvez os senhores notem um pouco disso em algum artigo meu.
Era preciso, então, desenvolver a arte de conversar entre os redatores do “Legionário”. De onde havia à noite, no período em que os rapazes estavam trabalhando e escrevendo, uma interrupção em que era servido um cafezinho. Nessa hora, eu saía da minha sala e entrava na de redação. Puxava uma prosa com todos. Eu estava certo de que, indiretamente, estava ensinando-os a escrever.
O nexo entre o pensamento e a ação
Para que a ação dê resultado, é preciso pensar. Em segundo lugar, como é interessante pensar a propósito da ação!
Ler sobre o objeto imediato da ação, habituar-se a pensar, a analisar o que se faz, isto aprimora o intelecto humano
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Toda a vida, tive muito mais interesse em pensar sobre aquilo que era matéria de ação apostólica, do que em pegar num livro e ler uma coisa qualquer no ar. Acho que uma das coisas que mais faz falta à geração dos senhores é esse nexo entre a ação e o pensamento. Creio que poucos professores se deram ao trabalho de mostrar aos senhores como não convida ao pensamento o fato de simplesmente abrir um livro e começar a ler. Mas, ler sobre aquilo que é objeto imediato da ação, habituar-se a pensar, a analisar aquilo que se faz, isto sim, intelectualiza o homem, aprimora o intelecto.
A sala de redação do “Legionário”
Os colaboradores do “Légionário” iam todas as quartas-feiras à noite à redação do jornal. Era uma sala com umas mesinhas muito baratas que eu mesmo tinha mandado fabricar por algum carpinteiro, apenas um pouco envernizadas por cima, porque o dinheiro era escasso. E cadeiras dessas que se encontravam nas copas de residências particulares.
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O jornal rendia, mas pouco. A paróquia não contribuía com um tostão sequer. Era, aliás, um princípio até certo ponto compreensível: cada associação tinha que viver daquilo que produzia. Pode-se discutir um tanto o princípio, mas, em linhas gerais, tem um lado sensato.
Havia também luzes muito fortes na sala, para fazer o combate ao sono. Eu distribuía os recortes de jornal que tinha coletado durante a semana daqui, de lá e de acolá, os quais eram utilizados para redigir as notícias, que eram de quatro tipos: as nacionais, de caráter sócio-político e eclesiástico; notícias internacionais, mais ou menos a mesma coisa; assuntos doutrinários; e artigos históricos — História da Igreja, vidas de santos, História da Civilização, etc. Portanto, a matéria era variada.
Havia uma seção intitulada “Sete dias em revista”, que era escrita por mim. Foi inspirada pela idéia de que nosso povo gosta muito de novidades e aprecia as novidades com um pequeno comentário. O desastre, para nós, seria ter poucas notícias e comentários grandes.
Sobretudo, era preciso que cada comentário fosse de per si um acontecimento. Quer dizer, diante de tal coisa o pensamento católico faz tal crítica. E a crítica é uma seta que se crava no alvo, para criticar ou para elogiar. O público brasileiro é muito “torcedor”, e gosta muito de caso pessoal. Onde entra uma discussão pessoal, a disputa doutrinária pega fogo! Se a discussão é puramente doutrinária, ela está exposta ao risco de causar bocejos. Então, na seção “Sete dias em revista”, tomar tudo que tinha acontecido na semana e dardejar, mas no duro! Fosse quem fosse!
Já o artigo de fundo, que também era redigido por mim, se publicava na segunda página, que naquele tempo era considerada a página preferencial. Nesse artigo de fundo vinha uma exposição mais doutrinária da linha geral que inspirava o jornal.
Como disse há pouco, na hora do cafezinho eu aparecia e conversava com os redatores, formando com eles relações pessoais que era indispensável estabelecer. Desta forma, tudo corria muito bem, formando assim uma espécie de ala jovem que ia continuando o nosso grupo nas gerações mais moças.
1) Este termo deve ser entendido no sentido empregado por Dr. Plinio em “Revolução e Contra-Revolução”.