sábado, noviembre 23, 2024

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O espírito do mundo e a mentalidade das nações

Na introdução de uma série de palestras para jovens que se preparavam para fazer a consagração a Nossa Senhora, segundo o método de São Luís de Montfort, Dr. Plinio teceu interessantes considerações sobre o espírito do mundo, e a formação da psicologia dos povos e nações. Nas pá­ginas a seguir, o leitor poderá degustar alguns excertos des­ses comentários.

O que é o mundo?

Na primeira parte de sua pre­pa­ra­ção para a Consagração, São Luís Ma­ria Grignion de Montfort deseja que as pessoas façam uma operação de esvaziamento do espírito do mundo.

Para esvaziar-se do espírito do mun­do, devemos começar por saber como ele é.

O mundo é a sociedade temporal na qual o indivíduo vive. Em todo país católico, como o Brasil, existem duas sociedades: a espiritual e a temporal. Num certo sentido, a sociedade temporal vive na espiritual e, em certo ou­tro sentido, a espiritual vive na temporal.

Habitualmente, o mundo tem um determinado modo de pensar, de agir e de viver, que todos os seus ha­bi­tantes — ou pelo menos uma boa par­cela deles — reputa verdadeiro, exa­to, conforme a suas tradições, a seus costumes, a seu modo de ser, a sua cul­tura, etc., e querem conservá-lo.

O mundo considerado assim, ou é de­finidamente católico, e neste caso é um colaborador da Igreja, ou não é inteiramente católico mas, em parte ou no todo de sua mentalidade, é cons­truído de um modo oposto ao que a Igreja ensina e, neste segundo ca­so, é adversário da Igreja.

Isso supõe o princípio de que cada sociedade temporal tem uma mentalidade, ou seja, um conjunto de prin­cípios, de modos de viver e de sentir, uma cultura, uns costumes, uma tra­dição, esperanças, preferências, etc., e esse conjunto representa as aspira­ções de todos os seus integrantes.

O indivíduo que tem a mentalida­de do mundo vive muito bem nesse am­biente no qual ele tem o consenso geral, pois ele está de acordo com es­se consenso. Acontece que se esse con­senso não é inteiramente católico, o homem que vive nesse ambien­te so­fre uma solicitação contínua para deixar a mentalidade da Igreja e to­mar a do mundo. E, nesse sentido, o mun­do, então, é o grande inimigo da alma.

Nesse caso, a Igreja adverte seus filhos: “Não tomem a mentalidade do mundo, que é má!”

Ter uma idéia bem clara do espírito do mundo

Nossa defesa contra o espírito do mundo, então, tem de ser termos uma idéia bem clara do que é esse espírito, como ele se estrutura, qual é a sua força e como se pode produzir a sua derrota.

Alguém dirá: “Isso é impossível”.

Eu lhe perguntaria: “Você exami­nou? Você tem sequer idéia de qual é o adversário que estamos combatendo? Como é que você diz ser impossí­vel uma coisa que você não conhece?”

É claro que todas as coisas que não conhecemos podem nos parecer impossíveis. Mas, na realidade, são francamente possíveis se as conhecermos bem.

Derrotar o espírito do mundo é pos­­sível em duas dimensões: indivi­dual e coletiva. Individualmente, apon­tando a um indivíduo bem precisamente o que é o espírito do mundo, para ele o combater em si. Pois se ele não sabe o que é, não poderá com­ba­tê-lo; no máximo, fará uns combates esporádicos contra um aspecto ou ou­tro, mas não arrancará o mons­tro inteiro de dentro de si.

No início, a Igreja tinha diante de si “mundos” diferentes

Se tomarmos a História da Igreja nos primeiros séculos — em face dos povos do Mediterrâneo, onde ela se desenvolveu inicialmente, e do Oriente Próximo — veremos que ela encontrava mundos diferentes, porque as estradas eram muito pouco trans­i­táveis, as comunicações eram difíceis, e por isso cada país tinha sua men­talidade, sua cultura, e formava um “mundo” próprio. Ora podia um de­terminado “mundo” — neste sentido da palavra — estar mais próximo da Igreja, ora podia estar mais lon­gínquo dela.

Por exemplo, os romanos eram muito primitivos quando a Grécia es­tava no seu apogeu. Por sua vez, quan­do Roma chegou a seu apogeu, a Gré­cia era um conjunto de decadentes, mas a cultura grega tinha sido intei­ramente assimilada pelos romanos, os quais passaram a viver segundo a mentalidade dos gregos.

A cultura grega tinha-se espalhado por um “mundo” que abrangia, além da Grécia propriamente dita, par­te da Península Balcânica, Bizâncio, e parte da Península Itálica, inclusive Roma. Mas uma parte desse mundo era bárbara ainda.

Do outro lado do Mediterrâneo es­tava o Egito, com uma cultura sensi­velmente diferente da cultura grega.

Em cada país a Igreja tinha uma posição diferente perante o mundo.

Como a mentalidade gera o estilo

Antigamente, via-se como uma na­ção era diferente da outra consi­derando os monumentos, a literatura, e tudo o que havia sido legado pe­la tradição. Isso foi assim desde o antigo Egito até a Revolução Fran­cesa e as grandes invenções. Até o sé­culo XIX, as nações ainda eram mui­to diferenciadas umas das outras; cada uma com sua mentalidade, com seu mo­do de ser, com sua filosofia, cons­tituía um mundo à parte.

A simplicidade aliada à beleza tornou célebre o estilo clássico grego, reflexo da mentalidade de um grande povo

Por exemplo, o estilo arquitetônico clássico grego, superconhecido, su­­perlouvado, como é que se formou? Houve tempo em que os gregos vi­viam em choupanas. Em certo mo­men­to, eles começam a construir, e co­me­çam a aparecer obras monumen­tais, extraordinárias, não pelo tama­nho, mas pelo gosto, pela harmonia, pela si­metria.

Como se chegou da barraca de um povo de pescadores mais ou menos ignorantes, ao Parthenon de Atenas, por exemplo?

Alguém me dirá: “Dr. Plinio, é mui­to simples. Um belo dia, apareceu um homem com talento, e havia outro ho­mem que queria construir um tem­plo e lhe deu o dinheiro necessário. Aquele, então, o construiu. Pronto.”

Não é assim. O estilo clássico gre­go, quando apareceu, encontrou o apoio entusiástico de toda a população, por­que um estilo apresenta sempre a ima­gem de uma mentalidade. Era preci­so, pois, que essa mentalidade já estivesse meio incubada nos atenienses para que, quando aparecesse o estilo, eles exclamassem: “É isto!” Quer dizer, houve, em primeiro lugar, uma elaboração do estilo no subconscien­te dos atenienses.

Não é que eles estivessem o tempo inteiro à sua procura, pois há certas coisas que o homem só encontra quando não pensa muito nelas.

O conjunto dos habitantes de Ate­nas tinha uma espécie de avidez da­quele estilo. Quando apareceu um ho­mem especialmente capaz de sentir em si — por ser um ateniense muito típico — aquela avidez coletiva, e do­tado dos meios artísticos para dar ex­pressão arquitetônica a esses sentimentos, ele fez o Parthenon. Mas quan­do o fez, ele agiu como um porta-voz de todos os moradores da ci­dade, de tal maneira que houve uma aclamação geral por sua obra.

Estilo, aqui, não é só o estilo ar­qui­tetônico. No caso grego, é toda uma mentalidade ateniense, todo um espírito que, em alguma medida — sem exagerar nada — os filósofos de Atenas e seus grandes intelectuais expri­miram.

Duas mentalidades refletidas num pequeno episódio

Por exemplo. Conta uma lenda que houve um concurso de escultura em Atenas, para o qual se admitiu toda espécie de escultores que qui­ses­sem concorrer. E as duas estátuas mais avaliadas fo­ram uma deusa escul­pida por um gre­go e uma rainha es­cul­pida por um persa.

O escultor persa talhou sua estátua com um vestido riquíssimo, à ma­neira dos potentados persas. A Pérsia, sendo um rico império, tinha todo o luxo, todo o esplendor da cor­te imperial. Por isso, apa­re­cia neles a preocupação de apresentar nas escultu­ras o esplendor da corte, como um elemento integrante da mentalidade na­cional.

Por sua vez, os gregos em Atenas constituíam uma república que se tor­nou célebre. O fato concreto é que o grego esculpiu uma deusa muito bo­nita, mas vestida de uma túnica simplicísima.

O juri, constituído por gregos, fez uma apreciação entre as duas obras de arte e deu a vitória à estátua grega. O escultor persa, naturalmente, fi­cou indignado — é clássica a opo­si­ção entre os dois povos — e protes­tou:

— Por que é que a minha escultura não ganhou? Ela está tão ricamente adornada!

Os membros do juri lhe responderam:

— Tu a esculpiste rica porque não a soubeste esculpir bela.

Os senhores estão vendo que, num pequeno episódio, são duas filoso­fias e duas mentalidades que se dei­xam ver.

A consonância atrai, a dissonância repele

Numa cidade antiga havia bairros, havia estrangeiros, havia tudo o que há nas cidades de hoje. Nas cidades, hoje como antigamente, os vários bair­ros entram numa espécie de contato mudo uns com os outros, muito mais pelo olhar e pela convivência do que pela conversa. E o modo pelo qual um bairro influencia outro, cria nele uma mentalidade de conjunto que é propriamente a sua “filosofia”.

Desta maneira, cada bairro tem sua filosofiazinha própria e acaba tendo um certo contato — mais próximo ou mais remoto — com outro bairro. Forma-se, assim, uma espécie de “bol­sa de filosofias”. Essas filosofias são afins, por causa da vizinhança. E, pos­tas numa mesma bolsa, engendram uma “filosofia comum”, a qual é uma filosofia ampla, abrangendo todos os aspectos da vida, e constituem uma mentalidade total.

Em geral, quando um indivíduo é político e quer ser esperto, ele per­ce­be que quanto mais suas opiniões fo­rem características de um certo ambiente, mais ele atrairá esse ambien­te em torno de si. E que quanto mais, em vez de características, suas opi­niões forem dissonantes, mais ele repelirá o ambiente que o rodeia.

Qual é o resultado disso?

É que o ser humano, desde menino, vai instintivamente procurando ficar parecido com os outros e tomar a mentalidade dos outros, para ter um convívio agradável com eles. Per­cebe, às vezes, as dissonâncias de um modo muito vivo, e aceita algumas coisas, mas recusa outras. A maior parte das pessoas aceita tudo, e forma esse “bolo” que, no seu conjunto, se chama “opinião pública”.

Portanto, se alguém quiser ter um rumo na vida, precisa perceber que efeito está causando e julgá-lo: se for um efeito razoável, aceitar; se for de acordo com a fé, aceitar; se for bom, aceitar ainda muito mais. Se for contrário em algo ao espírito, sobretudo, à doutrina da Igreja, recusar. E fazê-lo a qualquer preço. Se a pessoa assim não proceder, se ela não exer­cer uma vigilância contínua sobre si mesma nesse ponto, acabará se tornando peteca nas mãos dos circuns­tantes.

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