Não muito tempo após a mudança de Dª Lucilia para o novo apartamento, enquanto ela ainda acompanhava os últimos retoques na sua decoração, foi surpreendida por outro hiato no convívio com Dr. Plinio. A consolá-la, restava-lhe o aconchego do lar tão carinhosamente preparado por seu filho. Assim, logo a princípio, aquelas abençoadas paredes seriam marcadas pela resignação de Dª Lucilia.
Outro sacrifício pela causa católica
Da anterior estadia de Dr. Plinio na Europa resultaram promissores contatos, que davam esperança de frutificação para a causa católica. Por isso julgou ele necessário estreitar os laços estabelecidos em 1950 e tentar ampliá-los ainda mais.
O esforço apostólico realizado nessas viagens e as confiantes orações de Dª Lucilia para que seu filho fosse bem sucedido desabrochariam anos mais tarde em valiosos e duradouros resultados. A Dª Lucilia seria difícil imaginar, naquela ocasião, que o sofrimento pedido a ela pela Providência alcançaria graças abundantes para um apostolado de êxito então inverossímil.
Tal como na viagem anterior, Dr. Plinio achou melhor nada contar a sua mãe. Dr. João Paulo, Dª Rosée e os parentes mais próximos só lhe dariam a notícia quando, de Paris, recebessem uma comunicação dele. O “destino” de Dr. Plinio seria desta vez São Lourenço, em Minas Gerais, onde faria uma temporada de repouso. Filho carinhoso, deixou prontas quatro afetuosas cartas a serem entregues a sua mãe, como se tivessem sido enviadas daquela estância.
Terá Dª Lucilia notado uma maior efusão nas manifestações de amor filial, quando Dr. Plinio dela se despediu naquela fria manhã de junho? Em qualquer caso, seu maternal coração o acompanhou passo a passo com suas bênçãos, desde o momento em que, indo com ele até a saída do apartamento, viu-o entrando no elevador. O ruído da porta que se fechava marcava uma nova separação.
A fim de amenizar o sofrimento de Dª Lucilia com mais uma separação, Dr. Plinio deixou a entender que iria para São Lourenço, de onde enviou quatro afetuosas cartas à sua mãe…
Com as vistas postas na imagem do Sagrado Coração de Jesus, ela entregou-se empenhadamente às orações pelo bom êxito da viagem, confiando ao Divino Redentor suas apreensões, pois… uma vez mais seu coração lhe dizia que talvez Dr. Plinio estivesse partindo para bem mais longe do que anunciara.
Cartas de “São Lourenço”
Dias depois, tendo Dª Rosée recebido um telegrama no qual Dr. Plinio comunicava ter chegado bem a Paris, apesar de um atraso em Dakar, quis logo dar a sua mãe a boa nova.
Em carta do dia 12 de junho, Dr. João Paulo conta a seu filho como Dª Lucilia recebeu a notícia. Logo que tomou conhecimento da verdade inteira, ela censurou atenciosamente seu esposo por não a ter colocado a par da viagem, e passou a derramar copiosas e entristecidas lágrimas. E assim prosseguia Dr. João Paulo:
Depois lhe passei as cartas que deveriam ter vindo de São Lourenço; leu-as todas imediatamente e as guardou. Segui-se a visita das irmãs, da Dora, etc. etc., e tudo entrou em fase de calma. Lembraram-lhe que a viagem te seria muito proveitosa ainda sob o ponto de vista da tua saúde; como disse Camões: depois de procelosas tempestades, noturnas sombras e sibilantes ventos, trouxe a manhã serena claridade, esperança de porto e salvamento. Em suma, voltou tudo ao normal. Hoje, dia do Corpus Christi, assistimos à missa de praxe e aguardamos a hora para ver a procissão na cidade.
A leitura das cartas do “filhão querido” aliviou-a um pouco do pesar intenso de seu coração, pois recordavam a felicidade que lhe pervadia a alma durante as prosinhas com ele:
Luzinha querida,
Tenho gostado bastante daqui, onde trato de repousar o mais possível, e tirar todo o proveito para minha saúde. Estou persuadido de que São Lourenço tem águas excelentes para mim. Dou-me muito bem com elas.
Sinto muita falta, é claro, da minha Lú querida, lamentando não poder trazê-la no bolso… como a trago no coração.
Mande dizer-me como estão as coisas: isto é, se a Lú tem tratado de deitar cedo, dormir bastante, levar uma vida bem tranqüila, e ir a alguns cinemas.
Mande contar-me também como vai nossa deliciosa casa, e como vão seus freqüentadores. Não preciso dizer-lhe que quero, especialmente, notícias de Papai, Rosée, Maria Alice.
Com mil beijos, pede-lhe a bênção o filho que a respeita e quer tanto quanto se pode querer alguém.
Plinio
As expressivas manifestações de afeto que Dr. Plinio empregava em suas cartas reconfortavam, em boa medida, Dª Lucilia da privação da presença dele, e se não podiam “estar juntos e olhar-se”, ficava por escrito o “quererse bem”.
Manguinha do fundo de meu coração
Como vai a Senhora? Estou com imensas saudades suas, e desejoso de voltar logo pra junto da “saia da Mãe”. E como vai Papai? E a vidinha da Lú, como vai? Juízo? Horários? Muito sono?
Por aqui, continuo aproveitando todas as ocasiões para me refazer dos cansaços de São Paulo. O clima é ótimo, a alimentação também, enfim, está tudo a meu contento, ou pelo menos estaria se a Lú estivesse a meu lado.
Mande-me sempre notícias suas. Quero saber de tudo, inclusive dos sonhos, dos pesadelos, dos incidentes na rua, etc. Enfim, tudo quanto se relaciona com minha marquesa me interessa.
Mil beijos, meu amor. Reze por mim. Do filho que lhe pede a benção, e que certamente quer MUITO MAIS à Senhora, do que a Senhora o quer.
Plinio
Duas cartas não bastariam para esgotar o que o amor filial teria a dizer a uma mãe? Quiçá, mas em se tratando de Dª Lucilia, sua benevolência inspirava palavras sempre novas de carinho e retribuição.
Mãezinha, meu amor,
Por aqui, vai tudo continuando normalmente, como não poderia deixar de ser.
Só o que não está normal é que tenho umas saudades enormes da minha Lú, com vontade de mandar um paraquedista confiscá-la à força, e trazê-la para cá.
Papai vai bem? E nosso “palácio”? Tudo em ordem? O elevador não tem enguiçado? Tem havido bastante água quente para os banhos da Marquesa?
Não estou familiarizado com esta pífia máquina de escrever e, por isto, cometo erros de toda a ordem. Entretanto, sempre dá para amparar minha preguiça de escrever à mão.
Mil beijos, minha querida. Juízo, juízo, muita água da Prata, muito sono, distrações, muita oração: é o meu programa para a Lú querida.
Não imagina quantas saudades tenho de minha Manguinha. Envia-lhe um milhão de beijos, e pede sua bênção, o filho que a quer e respeita imensissimamente.
Plinio.
E, por fim, a última das cartas supostamente de São Lourenço, vinha coroar com especial benquerença as atenções que Dr. Plinio, como extremoso filho, tivera antes de viajar:
Lú, minha flor do coração,
Vai passando o tempo, e eu sempre com mais saudades da Senhora. De minha parte, continuo indo muito bem. E a Senhora? E o que me conta de Papai, de Rosée, de Maria Alice?
Tenho o projeto de a trazer por aqui, quando vier de outra vez. Mande-me dizer detalhadamente como está, o que tem feito, pensado, sentido, sonhado: quero saber de tudo ponto por ponto. E se tiver saído um pesadelo complicado, em que entra um folhetim inteiro, mande dizê-lo também.
Mil abraços e beijos. Pede sua bênção o filho que a quer sempre mais e mais
Plinio
“O Divino Espírito Santo estará sempre em ti”
Enquanto não chegassem as primeiras cartas da Europa, Dª Lucilia por certo preencheria os intervalos dos seus longos períodos de oração com a leitura das que Dr. Plinio deixara antes de partir. Com isso, algo da presença dele se fazia sentir, e mais fácil se tornava suportar com resignação as saudades do convívio. Mas, para seu amor materno, isto não bastava. Queria logo travar contato epistolar com o estremecido filho.
São Paulo — 13-6-952
Filho querido de meu coração!
Que Deus te abençoe pelo bom êxito do “logro” que me pregaste!
Só no dia 10 Rosée trouxe os telegramas de Dakar e o de Paris , e na paz, apesar de tudo…
Dei em primeiro lugar, graças a Deus pela felicidade da apavorante travessia, e depois, emocionadíssima, não podia dar crédito a tudo o que seu pai, Rosée e Maria Alice me diziam, e me exasperava a idéia de passar três longos meses sem te ver! — Procuro enfim, consolar-me com a certeza de quão benéfica te será esta viagem para tua saúde, estudos e observações. — Seria tão bom se pudesses passar uns vinte dias em Monte Cattini¹! É essa a terceira vez que tento escrever-te; mas tenho tido a casa cheia, a seu pedido, vê-se, — e… um beijo por tudo! Rosée tem vindo duas vezes por dia, e até jantou duas vezes aqui, e tem também me trazido toda a sorte de doces, para que não me preocupe com as sobremesas, e para grande gáudio da cozinheira. Enquanto não estiveres de volta, não terei gosto para fazer cousa alguma, só procuro boas receitas.
Quanto ao money… faço como da outra vez: economizo tudo para você, tirando o estrito possível, se for necessário; de sorte que, se precisares, é só telegrafar.
Peço-te com insistência uma cousa: manda dizer uma missa, e acender uma boa vela por Rosée no altar de Nossa Senhora de Begoña na Espanha, para aumentar a sua fé, e pela sua saúde e felicidade. Ela está muito magra e pálida.
Fui ontem à missa, comunguei, e acompanhei parte da procissão do Santíssimo, até a Catedral, tudo por sua intenção…. ah, meu filho querido… as saudades são tantas!
Continuo firme nas minhas ladainhas e terços ao meu amantíssimo Sagrado Coração de Jesus, e à Virgem Santíssima aos quais te confiei ao nasceres, e tenho fé, o Divino Espirito Santo, estará sempre em ti, que bem o mereces, filho querido! Despeço-me enviando-te minhas bênçãos, muitos beijos e abraços afetuosos.
De tua mamãe,
Lucilia.
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)
1 ) Estação de águas na Itália.