De súbito o manto negro da abóbada celeste se vê coberto por uma feería de luzes, de corpos fulgurantes que, lançados do solo, abrem-se lá no alto em corolas policromadas, desfazem-se em miríades de gotas esplendentes, como se nuvem fabulosa destilasse sobre a terra uma cintilante chuva de topázios, esmeraldas, safiras e rubis…
Junto ao majestoso palácio ou sobre as plácidas águas do grande lago, envolvendo praças, silhuetas de imagens ou lindos chafarizes, a noite está em festa, regozija-se, enquanto magníficos fogos de artifício cruzam os ares, iluminando e engalanando o céu, conforme os mais audaciosos desejos do homem.
Será difícil negar que esse firmamento assim enfeitado pela esplendorosa ordenação artística e visual que o fogo de artifício nele traça efemeramente, representa para a nossa concepção algo mais belo do que o céu pontilhado de estrelas, arquitetado pela onipotência divina.
Haverá, então, um choque entre a obra de Deus e a do homem?
Claro que não. Quando o Criador espargiu a mancheias pelas vastidões do espaço os astros siderais como se fossem grãos de brilhantes, guardava em seus maravilhosos desígnios o proporcionar ao homem a delicada oportunidade de superar em alguma medida o que Ele próprio realizou.
Quando o Criador espargiu a mancheias as estrelas pelas vastidões do céu, reservava ao homem a oportunidade de superar em algo o que Ele próprio realizou…
Sem dúvida, Deus poderia ter feito fogos de artifício incomparáveis, perto dos quais os nossos mais belos seriam ofuscados. Porém, Ele agiu de maneira diversa. E ao criar as estrelas, provavelmente já tinha por intenção sugerir ao homem a idéia do fogo de artifício, dando-lhe assim a possibilidade de traçar nos céus uma ordem — sob o ponto de vista estético — superior em beleza àquela estabelecida por Ele.
No fundo dessa disposição divina há, na verdade, um requinte de delicadeza e de misericórdia paterna, por onde o Senhor, na autêntica infinitude de seu poder, infundiu no homem uma alma capaz de levar à perfeição o “esboço” que Ele delineou. Trata-se, portanto, da ternura do Pai que nos diz: “meu filho, complete o desenho”; e, ao mesmo tempo, da grandeza fabulosa do Onipotente que nos faz compreender tudo o que Ele nos concedeu:
“Meu filho, você é pensante e capaz de acrescentar uma nota de harmonia a tudo quanto Eu criei, porque foi feito à minha imagem e semelhança. Eu o amei superlativamente quando o criei, quando me encarnei na sua natureza humana e a elevei, unindo-a à minha natureza divina numa só Pessoa. Todas as coisas que você pode fazer mais belas do que as realizadas por mim, nada valem em confronto com as maravilhas intelectuais, espirituais, morais e sobrenaturais para as quais você foi criado. Quando, um dia, você passear por essas vastidões, mais pequenino que um micróbio, sentir-se-á entretanto um perfeito rei, porque entenderá que em ter existido, pensado e amado conforme Eu, seu Deus — você se tornou dono de tudo isso e incomparavelmente mais belo do que isso!”
E antes do que para qualquer homem, Ele poderia se voltar para Nossa Senhora e dizer: “Vós sois minha Mãe, o centro e o ápice dessas maravilhas. Em Vós há mais beleza do que em todo o resto, e quem contempla o vosso olhar, admira o universo inteiro, todas as estrelas do céu, todos os fogos de artifício da Terra, num grau de formosura e perfeição como não se é capaz de imaginar!”
E Maria Santíssima, por sua vez, no alto do Céu, adorando seu Divino Filho, agrada-se mais em considerar o movimento da graça nas almas dos homens pelos quais Ela intercede, do que em contemplar todas as outras grandezas da criação. Cada um de nós, porque católico, vale aos olhos d’Ela insondavelmente mais do que a imensidão do universo que nos deslumbra, do que os astros reluzindo no firmamento, do que a feería dos fogos multicoloridos que enfeitam e rejubilam as nossas noites de festa…