sábado, noviembre 23, 2024

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Na ancianidade, virtudes alcandoradas

Na derradeira etapa de sua viagem pela Europa em 1952, Dr. Plinio deixou a França em direção à Inglaterra, tão querida de Dª Lucilia, onde se encantou com a famosa Casa do Parlamento — vasto edifício em estilo neo-gótico, construído no século passado de acordo com o projeto de um arquiteto católico — cujas torres se refletem belamente no Tâmisa.

Partindo do Reino Unido em 29 de agosto, Dr. Plinio passou rapidamente por Paris, e no dia 30 desembarcava no avoengo Portugal, não menos amado de Dª Lucilia. Neste último país, ao visitar a histórica e célebre cidade de Coimbra, esteve com a Irmã Lúcia, a quem Nossa Senhora aparecera em Fátima.

Finalmente, uma fotografia dele, tirada no aeroporto de Madri, trazia no verso expressivas palavras, e prenunciava seu breve regresso a São Paulo, dando a Dª Lucilia um antegozo do reatamento do convívio com seu filho.

Lú, querida minha

Antes de descer no Pernambuco tão caro ao Dr. João Paulo, envio-lhe um milhão de beijos, e a ele muitos abraços. E, para consolar a Senhora destes dias de atraso em minha chegada, aí vai esta fotografia que tirei no aeroporto de Madrid, vindo de Lisboa. Beijos e beijos a Rosée e Maria Alice, e abraços para as tias, Antônio, Eduardo.

Espero que meu banquete de chegada esteja à altura da viagem que foi ótima, e a respeito da qual muito terei que lhe dizer. Pede sua bênção com o carinho e respeito de sempre,

Plinio

Dona Lucilia, nos anos 50

Visita aos parentes pernambucanos

Certa manhã, nos primeiros dias de setembro, Dª Lucilia, radiante, pôde abraçar e beijar seu “pigeon” querido, não só “espiritualmente”, mas de verdade. Agora sim, para ela a casa tomava vida, pois o “dono e senhor” chegara. Que alegria pensar na possibilidade de, talvez naquela mesma noite, ser restaurada a “prosinha”. Três meses de viagens de seu “filhão” pela Europa, em contato com pessoas de origem e mentalidade tão diferentes, prometiam temas para longas e entretidas conversas, se bem que ainda mais atraente fosse a presença dele.

Seguindo a sugestão de seu pai, Dr. Plinio de fato interrompera sua viagem, descendo em Pernambuco, a fim de estar com os Corrêa de Oliveira. Dª Lucilia se interessou desde logo por saber como estava a família de seu esposo, a qual conhecera após o casamento, havia mais de 40 anos. Teria conservado o Engenho Uruaé sua antiga aparência? Estaria tudo como antigamente, a capela, a casa, os móveis, e até mesmo os vestígios das construções de épocas passadas? Quiçá ruínas a recordar o tempo em que os ancestrais da família haviam desbravado aquelas vastidões?

O tio de Dr. Plinio, Antônio Corrêa de Oliveira — morgado da família — recebeu seu sobrinho com toda a solicitude. Era um homem imponente, que encarnava as melhores tradições do Brasil Imperial. Na fazenda, trajava-se da maneira mais despretensiosa possível, à moda do Nordeste: uma simples roupa de linho branco, que lhe realçava o ar senhorial.

Fiéis aos antigos costumes, serviram ao visitante um lauto e magnífico almoço, bem animado por agradável prosa. Terminada a refeição, todos passaram ao terraço onde o senhor-de-engenho se deitou na rede — só ele — enquanto os outros se sentavam por perto em cômodas cadeiras, prolongando a conversa. Contemplando seus domínios como um pequeno soberano, com uma vara ele fazia vagarosamente balançar a rede para lá e para cá.

Dr. Plinio guardou também grata lembrança do almoço que lhe ofereceram sua prima Luzia — filha do tio Antônio — e o esposo, Nelson Rabello, em sua residência de Recife. A prole do casal era simpática e numerosa. Porém, a atenção de Dr. Plinio voltou-se mais especialmente para sua tia e madrinha, Teresa, solteira, residente em Goiana e pessoa de uma piedade ardente e modelar.

À esquerda, vista de Coimbra, com sua célebre Universidade; ao centro, a  biblioteca deste estabelecimento, e acima, o seu pátio interno

Depois dessa breve escala na terra de seus ancestrais nordestinos, Dr. Plinio finalmente embarcou para o almejado reencontro com sua querida mãe, em São Paulo.

Requinte de qualidades

São inúmeras as recordações do abençoado convívio de Dª Lucilia com seu filho e com outras pessoas, nos últimos anos de vida dessa inesquecível dama paulista. Seria nesse período, durante o qual se entregaria de modo especial à oração e à reflexão, que ela mais requintaria suas virtudes, tal como uma rosa cuja fragrância é melhor sentida ao ser destacada da roseira e colocada numa bela jarra de cristal, para servir de adorno num salão.

Assim, no convívio com Dª Lucilia, a afabilidade não fez senão acrisolar-se no volver dos tempos. Sua elevação de espírito se foi tornando cada vez mais penetrada pelo sobrenatural, suas maneiras e sua presença passaram a ser, em grau ainda maior, atraentes fatores de bem-estar e de respeitabilidade.

Imbuída de profunda confiança na infinita bondade do Sagrado Coração de Jesus, Dª Lucilia continuará a dar alento a todos os que dela se aproximarem necessitados de consolação, aplicando com eficácia o lenitivo da caridade cristã.

Se a essa altura Dª Lucilia tivesse entregado a alma a Deus, bela já teria sido sua existência. Entretanto, ao longo do último período de sua vida, no recolhido ambiente de sua residência na Rua Alagoas, ela externará de forma mais alcandorada a plenitude de seu afeto e benquerença.

Frente e verso da fotografia que Dr. Plinio enviou de Madri para Dª Lucilia

O apartamento se conserva hoje tal qual era, primorosamente montado pelo bom gosto e pelo amor filial de Dª Rosée e de Dr. Plinio. Suas paredes e os objetos que ali estão muito teriam a narrar, se tivessem o dom da palavra. Sobremaneira interessante seria poder ouvir o que a imagem do Sagrado Coração de Jesus teria a contar sobre as inúmeras orações de Dª Lucilia. Nunca se soube o que ela tratava com Nosso Senhor naqueles silenciosos diálogos. Nem a seu filho chegou ela a confidenciar algo a tal respeito.

Entretanto, se essa piedosa intimidade permaneceu num inviolável sigilo, alguns pequenos fatos da vida serena e caseira de Dª Lucilia ultrapassaram as paredes desse abençoado lar.

Carinhos de mãe

Desde a mais tenra infância, Dr. Plinio foi dotado de um lúcido e invulgar discernimento dos espíritos — um dom do Espírito Santo — que, logo aos primeiros lampejos da razão, aplicou sobre sua própria mãe. Por esse meio pôde bem conhecer as elevadas qualidades com que a Providência havia adornado a alma dela. Os fatos concretos vieram, depois, comprovar a autenticidade do que ele discernira.

Ao sair de casa certo dia para seu escritório de advocacia, foi ele, como de costume, acompanhado por sua mãe até a porta do elevador. Depois de se despedirem, ela se dirigiu ao living, pensando já em lhe preparar um bom jantar. Para a elaboração do menu, não encontrou melhor interlocutor do que seu esposo.

Não suspeitava, porém, que seu filho teria ocasião de presenciar, com verdadeiro encanto, a curiosa cena que então se passou. Sem tê-la visto, jamais ele a conseguiria imaginar. Precisando retornar para apanhar um papel que havia esquecido, entrou ele silenciosamente no apartamento a fim de não incomodar seus pais. Ao passar perto do living, ouviu através da porta entreaberta a voz de Dª Lucilia:

— João Paulo, estive pensando em preparar tal prato assim para o Plinio. Você acha que estaria bem?

— Sim, está muito bom…

— Mas, você acha que Plinio teria vontade de comer mesmo tal prato e não tal outro?

Sentado comodamente numa poltrona, Dr. João Paulo respondeu:

— Certamente! Está com vontade de comer isso, sim!

Dona Lucilia, não inteiramente convencida, com sua natural afabilidade insistiu:

— Mas, João Paulo, não sei se isso será o melhor. Não preferirá ele outro prato?

Passando por Pernambuco, Dr. Plinio visitou o engenho de Uruaé (à esquerda), e conheceu seus tios paternos, Dª Teresa e Sr. Antônio (de terno branco)

Já um pouco perplexo, pois não via razão para tantos cuidados, ele respondeu:

— Bem se vê que mãe não é pai. Se dependesse de mim, eu diria a ele: “Rapaz, o que há para jantar é isto, aquilo e aquilo outro. Se não é o que você quer, vá a um restaurante”.

Ora, se havia algo que Dª Lucilia não desejava era renunciar ao convívio com seu filho durante a refeição. Assim, limitou-se a manifestar serenamente sua inconformidade com aquela resposta:

— Não, não!…

Enlevado com mais essa prova de solicitude materna, Dr. Plinio saiu de casa sem ser notado e, pela rua, ia pensando consigo mesmo: “Um pai, ainda que muito bom, não é capaz desta forma de carinho. É só do coração de uma extremosa mãe — com as delicadezas, as intuições finas e o desejo de agradar — que surgiriam essas perguntas. E por isso é tão saboroso o menu de casa…”

Apreciada por suas artes culinárias

O constante “querer-se bem” norteava até os menores atos dessa inigualável mãe, inclusive sua culinária.

Procurava ela — ao elaborar os menus — que os manjares fossem “temperados” muito mais com afeto e bondade do que, propriamente, com simples condimentos naturais. Supérfluo é dizer o quanto esta “receita” agradava a Dr. Plinio, sempre bom gastrônomo e ainda melhor filho.

Os que se aproximavam de Dª Lucilia podiam, assim, não apenas experimentar sua benevolência, mas também apreciar as iguarias executadas segundo suas instruções. Foi o caso, por exemplo, do esposo de Dª Zili, o Sr. Nestor. Este, anos após o falecimento de sua cunhada, ainda se comprazia em recordar os jantares por ela oferecidos aos domingos.

Dizia não conhecer quem fosse capaz de orientar a preparação de tão bons pratos como Dª Lucilia, especialmente os apetitosos doces caseiros, entre os quais ocupava lugar de destaque o bolo de aniversário de Dr. Plinio, o único que ela fazia pessoalmente, pondo nisso particular esmero.

Com efeito, Dª Lucilia, mesmo quando em avançada idade já não podia locomover-se a não ser em cadeira de rodas, ainda se empenhava em preparar esse bolo — um excelente pavê de chocolate, artisticamente enfeitado — no aniversário de seu filho. O cuidado dela era tal, que o desenhava antes em todos os seus detalhes, imaginando as dimensões, o colorido, os enfeites, e depois seguia minuciosamente o plano…

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)

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