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Respeito e elevação na arte da conversa

Imbuído dos valores hauridos no ambiente católico em que se formou, Dr. Plinio destaca a importância do trato respeitoso e elevado nas relações humanas, como mais uma forma de proporcionar benéfica influência à alma do próximo. Com essas considerações, concluirá ele seus preciosos ensinamentos sobre a arte da conversa.

Dentro desse tema que vimos abordando, convém tocar num ponto importante: o bom trato.

Em si, é agradável ser bem tratado, como, noutra ordem de coisas, tem-se prazer em tomar um saboroso sorvete. São causas de contentamento para nós. Porém, o trato atencioso não deve ser visto apenas como algo deleitável, mas como manifestação de uma virtude da qual todas as pessoas — sobretudo neste mundo agressivo de hoje — sentem carência: a bondade.

Respeito mútuo

É um erro freqüente em nossa época achar que bom trato é sinônimo de amabilidade e agrado. Tais qualidades fazem parte do tratamento cortês, mas nele também se inclui, de modo primordial, o respeito. Numa relação entre homens, mais do que o afeto, importa que cada um seja respeitado, séria e sinceramente, pelos outros. Sobre este ponto depois se insere a amabilidade, a gentileza, etc.

Quando o respeito mútuo se mostra num relacionamento, Deus está presente. Pelo contrário, havendo agrados, mas faltando o respeito, aqueles são como as cortesias de um vendedor ambulante procurando atrair o público, a fim de vender sua mercadoria.

Portanto, ao tratarmos com alguém, a qualquer pretexto, devemos manifestar-lhe nosso ideal, nosso espírito religioso, e oferecer-lhe uma verdadeira amizade, tudo isso envolto em respeito.

Relação entre pessoas da mesma idade

No tempo da minha infância, as regras de educação eram muitas vezes apresentadas ou recomendadas pelos mais velhos a um menino com o seguinte comentário:

“Faça isto, porque lhe fica bem. Por exemplo, quando estiver recebendo visitas em sua casa, ao transpor uma porta, faça com que elas passem antes. Ainda que sejam mais moças, merecem respeito da parte do anfitrião. Essa atitude lhe convém, e prova que teve uma boa educação.”

É verdade, convém, mas não é somente isso.

“Ao tratarmos com alguém, devemos lhe manifestar nosso ideal e lhe oferecer nossa verdadeira amizade, tudo envolto em respeito.”

Se os meus jovens ouvintes, no relacionamento com alguém, empregarem todas as regras de cortesia — compreensíveis mesmo nos dias ­atuais — , seu conviva se sentirá tratado com consideração. Perceberá que os senhores situam a amizade numa clave superior à do simples companheirismo. Sabem introduzir nessa relação o princípio de que todo homem é um ser dotado de inteligência, vontade e sensibilidade, e, portanto, de algum modo rei da natureza, merecendo enquanto tal o respeito de seus iguais.

De fato, não se deve acatar apenas os superiores, mas também os iguais. Um rei conversando com outro monarca não o trata como se fosse um camarada de sua igualha, e sim como um súdito. Assim se estabelece o trato perfeito.

Naturalmente cerimonioso

A esse propósito, recordo-me de um ilustrativo episódio. Quando adolescente, convidei um colega para jantar em minha casa. Esse rapaz me parecia ter vocação para pertencer ao grupo de jovens católicos que eu pretendia formar, e por isso fazia apostolado com ele. Certo dia, comentávamos uma coisa e outra, e em determinado momento me disse, sem rodeios:

— Você tem algo de muito diferente. Não sei explicar, mas trata os outros como eles não o fazem entre si.

“Aos que se julgam sem jeito para agir de modo respeitoso com seus iguais, ofereço o conselho de o aprenderem; é um benefício que lhes faço, e me dá muita alegria.”

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues

Pedi-lhe que desse um exemplo concreto. Ele então se referiu ao fato que ocorrera naquele jantar. As pessoas mais velhas sentavam-se à cabeceira da mesa, enquanto os outros comensais se acomodavam por ordem decrescente de idade. Nós, os mais moços, ficávamos à rabeira da mesa. Havia nisso alguma vantagem, porque podíamos conversar entre nós, sem atrair a atenção dos nossos maiores.

Ora, durante a refeição, estando a cesta de pão perto dele, solicitei-a:

— Fulano, poderia fazer o favor de me passar o pão?

Então ele me disse:

— Está vendo? Ninguém diria ao colega: “faça o favor de me passar o pão”, mas simplesmente: “passe-me o pão!”

Justifiquei minha atitude:

— De fato, hoje as pessoas se tratam desse modo, mas deve-se proceder como eu fiz, não por distração, hábito ou rotina, e sim por convicção. “Passe-me o pão”, posso dizê-lo ao meu empregado. Ele vem e obedece. Mas não posso tratar um amigo como um servidor da casa. Sobretudo sendo ele meu convidado, devo ter para com ele uma atenção especial.

E aos que se julgam sem jeito para agir de modo semelhante, ofereço o conselho de o aprenderem. É um benefício que lhe faço, e me dá muita alegria.

Em situações análogas, acabei percebendo que a Fräulein — minha boa e saudosa Fräulein Mathilde — e Dona Lucilia me tinham educado cerimoniosamente.

Anos e anos depois, já homem feito, ao entrar para a Congregação Mariana conheci um rapaz de quem me tornei amigo. A família dele se dava com a minha, e o seu pai, muito boa pessoa, tornou-se meu cliente de advocacia.

“A discussão bem conduzida faz parte da arte da conversa, assim como o compreender a psicologia do nosso interlocutor, para dispô-lo a aceitar o que lhe dizemos.”

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues

Naquele tempo, o escritório do advogado fazia um pouco as vezes de clube social, onde se encontravam para um cafezinho, uma prosa, etc. E no meu estabelecimento, enquanto um companheiro tocava os assuntos profissionais, minha tarefa era principalmente atrair os clientes, conversar com eles, dar movimentação ao clube, a fim de fixá-los.

Ora, esse senhor costumava aparecer no escritório para uma prosinha, e eu o recebia da melhor maneira possível. Certo dia, disse-me ele:

— Plinio, nós nos damos muito bem e somos tão amigos, apesar da diferença de gerações. Mas, noto que você não é natural comigo, e eu gostaria que o fosse inteiramente.

Com amabilidade, perguntei-lhe:

— Mas, o que o senhor entende por “natural”?

— Assim, mais sem cerimônia…

Sempre com muita cortesia, atalhei:

— Sr. Fulano, vamos cortar a prosa já. Pois sou naturalmente cerimonioso. O senhor quer me conhecer na minha naturalidade? Ela é cerimoniosa. E se eu tiver com o senhor um trato sem cerimônia, estarei sendo artificial.

Ele riu, e nosso relacionamento continuou bastante cordial até ele falecer. Estou certo de que essa cerimônia no trato aumentou a confiança dele em mim, como advogado.

Respeito até na discussão

Esse trato respeitoso deve estar presente, inclusive, quando as pessoas discutem por divergências de opinião. Assim como se admira na esgrima a beleza dos movimentos, a categoria e destreza dos contendores, assim se pode compreender essa verdadeira esgrima do espírito que é a discussão bem conduzida, na qual uma das partes opõe argumentos de peso contra a outra, e esta responde à altura. Afinal, aquele que sustenta o conceito legítimo, tem ganho de causa.

Sem dúvida, é interessante observar o confronto entre dois indivíduos com mentalidade, inteligência, feitio de alma, modos de ser diferentes, ouvir argumento contra argumento e notar o triunfo de um deles. Faz parte da arte da conversa, assim como este outro ponto muito importante que é o compreender a psicologia daquele com quem tratamos, a fim de se conhecer sua personalidade e preparar seu espírito para aceitar o que lhe dizemos.

Cor ou desenho: definição de mentalidade

O seguinte exemplo me fará explicar com maior clareza.

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues
Fotos: S. Hollmann / V. Domingues

Antes de 1870 a Itália era uma península dividida em diversos reinos, principados, repúblicas aristocráticas, etc., cada um deles com seu feitio próprio, suas grandes riquezas culturais, intelectuais e artísticas, etc. Para se ter idéia dessa variedade, tomemos duas cidades bastante próximas: Veneza e Florença.

A primeira, construída sobre as águas, é um local de sonho. A segunda, embora traçada em terra firme, foi igualmente edificada para ser uma urbe ideal. Ambas com obras de arte de excelente quilate, mas diferenciadas num ponto: enquanto os venezianos pintavam seus quadros conferindo especial ênfase às cores, à luminosidade dos panoramas e horizontes, os florentinos aplicavam o suficiente colorido para que uma figura se destacasse da outra. Era o próprio desta escola a pureza do desenho, a precisão com que reproduziam a realidade, bem como a psicologia e o estado de espírito dos personagens retratados. Essas características representam mentalidades diferentes — uns gostam mais da cor, e outros, do desenho — e tais preferências podem constituir o ponto em que se define uma personalidade, um modo de ser, etc.

Ora, conhecendo-se por aí o feitio da alma com quem tratamos, se ela aprecia mais a cor ou o desenho, nossa comunicação se tornará mais fácil. Os temas fluirão com maior desenvoltura, acarretarão uma série de assuntos correlatos, atraindo e fixando o interesse de nossos interlocutores.

Uma libertação da banalidade

Então, como falamos de Veneza e Florença, poderemos lembrar de Fra Angélico, o famoso pintor florentino, monge dominicano e bem-aventurado, que povoou o convento dele com seus célebres afrescos, nos quais, ­aliás, não se sabe bem o que tem mais valor: a cor ou o desenho…

E se nos voltamos para Veneza, recordaremos a famosa cerimônia do casamento do Doge com o mar: o Bucentauro, majestoso navio que avança pelo Adriático, acompanhado de inúmeras embarcações, todas engalanadas e ataviadas para celebrar a eterna união da Sereníssima República com as águas que lhe banham.

Conhecer o feitio da alma com a qual tratamos e saber despertar nela o interesse por temas elevados, constitui um dos ricos fundamentos da arte da conversa

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues
Acima, “Partida do Bucentauro no dia da Ascensão”; ao lado, a Imperatriz Sissi

Fotos: S. Hollmann / V. Domingues

Quem aprecia temas assim, sabe conversar; quem não cogita em assuntos elevados, é incapaz de manter uma conversa.

Para concluir, evoco um trecho das memórias do Imperador da Alemanha, Guilherme II. Narra ele que, quando moço e ainda príncipe herdeiro, passeava por um parque e viu a sua irmã tomando lanche com a Imperatriz da Áustria, a famosíssima Sissi1, célebre por sua grande beleza e distinção. Ele descreve muito bem o choque que teve ao perceber a categoria da Sissi e o modo de esta se mover. Ficou literalmente extasiado… Encantou-o aquelas maneiras tradicionais, a manifestação de todas as excelências da antiga corte austríaca, às quais estava obrigada a soberana desse povo.

É mais um exemplo de assunto sobre o qual vale a pena conversar.

Muitos dirão que a juventude moderna não se interessa por temas análogos.

Não é verdade. Desde que sejam bem apresentados e comentados, são antes uma libertação da banalidade. Diante de matérias como essas, a alma de um moço se assemelha a um pássaro que escapa da gaiola apertada e, afinal, alça seu vôo na amplidão dos ares.

1 ) Apelativo de Elisabeth de Wittelsbach (1837-1898), esposa do Imperador Francisco José.

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