Um dos célebres quadros de Velásquez, pintor espanhol, representa a rendição de Breda, nos Países Baixos. Quando menino, ao entrar numa loja de estampas, deparei-me com uma gravura desta cena histórica, e logo me senti cativado. Depois de a contemplar por longo tempo, pensei: “Como gostaria de ter esse quadro, a fim de passar horas olhando-o e o admirando!”
É, de fato, uma tela magnífica, não apenas por sua riqueza pictórica a qual demonstra de sobejo o talento do mestre, como também pela bela expressão de valores morais que ela retrata.
Episódio superiormente imortalizado: o Marquês de Spinola, comandante das tropas de Felipe II, recebe das mãos de Justino de Nassau, defensor de Breda, as chaves da cidade, que capitula depois de uma resistência intrépida.
O general do Rei Católico está revestido de uma imponente armadura sobre a qual uma gola com rendas dá uma nota de amenidade, realçada ainda pela grande faixa própria ao comandante-chefe. Em sua mão esquerda nota-se o bastão do marechalato. Justino de Nassau se apresenta em um rico traje, e também usa gola e punhos de renda.
A cena se passa no campo, e num ambiente estritamente bélico, no qual figuram tropas de armas na mão. Tudo não obstante, o encontro tem uma nota de distinção e afabilidade que lembra uma cena de salão. Justino de Nassau, tendo sido derrotado, apresenta-se de chapéu na mão, e entrega as chaves curvando-se ligeiramente. Spinola, por respeito para com o valoroso vencido, está também com a cabeça descoberta. Atrás dele, os hidalgos de seu séquito o imitam.
Vê-se que o chefe vencedor, ao mesmo tempo que se inclina levemente, contém com o braço a reverência do gentil-homem flamengo, e o seu semblante é impregnado de simpatia e consideração. Percebe-se que ele felicita o adversário pelo brilho da resistência, amenizando assim cavalheirescamente o que o ato de rendição tem de amargo para o vencido.
Toda uma doutrina de cortesia, toda uma tradição de nobreza de alma se exprime nos pormenores discretos mas eloqüentes deste quadro admirável. Elevação de alma, decorrente da fé, cortesia nascida da caridade, que faziam rutilar valores espirituais inestimáveis, num ato que em si mesmo é inevitavelmente rude e humilhante, como toda rendição1.
E não será sem interesse considerar, ainda, que a faixa meio cor-de-rosa, meio lilás, ornando a couraça do general espanhol era uma lembrança da mortalha, pois os chefes militares daquela época partiam para o combate tendo em vista a possibilidade de morrerem, sacrificando a própria vida pela causa de sua pátria.
Então, esse homem que se apresenta para o momento no qual sua coragem e sua vitória serão reconhecidas, conserva cingido o símbolo de sua mortalha. Ele não estremece nem hesita, e se mantém numa posição ao mesmo tempo de triunfo e bondade que, a meu ver, não alcançaria sem uma particular ação da graça. Pois atitudes como essa só são possíveis dentro do âmbito sobrenatural que confere luz e esplendor à Civilização Cristã.
Toda uma doutrina de cortesia, toda uma tradição de nobreza de alma se exprime nos pormenores eloqüentes desta admirável pintura
1 ) Cf. Catolicismo, novembro de 1956.