jueves, noviembre 21, 2024

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Senso de observação e prudência

Dotada de um vivo amor materno, além de sensibilidade e intuição muito finas para perceber as situações ou relacionamentos que trariam algum prejuízo a Dr. Plinio, Dona Lucilia costumava aconselhá-lo, com sua característica suavidade: “Filhão, tome cuidado…”

Mamãe foi uma dona-de-casa como as havia no seu tempo, com o âmbito de cogitações e percepções próprias àquelas que passavam a maior parte de sua existência consagradas aos afazeres domésticos. De nenhum modo sub-inteligente, mas também de nenhum modo super-inteligente ou inclinada a pensamentos e elucubrações extraordinariamente profundas, etc.

Observadora, com delicado senso moral

Era, contudo, muito observadora. Não no sentido de espionar o que se passava à sua volta, por exemplo escutando alguma conversa atrás da porta, ou tentando obter informações por meio de perguntas jeitosas, capciosas, ou qualquer manobra do gênero. Nunca a vi tomar semelhantes atitudes, nem se percebia nela o tipo de esperteza peculiares a tais procedimentos.

Na verdade, a perspicácia de Dona Lucilia provinha de seu delicado senso moral. Sentia ela, portanto, muito bem os matizes de tudo quanto em torno dela se desenrolava, e isto redundava num invulgar senso psicológico, manifestado sobretudo a propósito de pontos que a interessavam de forma especial. Por exemplo, se alguém demonstrava simpatia ou antipatia por mim. Isto era natural: a mãe, por instinto, tende a proteger o filho, e protesta diante de qualquer coisa que a este seja contrária. E ela, por ser muito boa mãe, tinha essa sensibilidade bastante desenvolvida a meu respeito.

A partir dessa acuidade de observação, mamãe refletia e relacionava acerca do que via, de modo a formar quadros: “Tal coisa coincide com tal outra e tal outra que notei anteriormente. Preste atenção nisso e naquilo…”

“A partir de sua penetrante observação, mamãe refletia e relacionava acerca do que via, de modo a formar quadros: tal coisa coincide com tal outra; preste atenção nisso e naquilo…”

Conselheira de prudência

Mesma ou maior finura de percepção e delicadeza de senso moral também no que dizia respeito aos mandamentos da Lei de Deus. Donde um particular desvelo em tudo que envolvia correção e dignidade, fazendo dela uma boa conselheira de prudência. Quer dizer, em qualquer situação, ao notar algo que inspirasse cautela, a expressão habitual dela era: “Tome cuidado com isso e aquilo”; ou então: “Meu filho, você precisa prestar bastante atenção em tal ponto”, etc. “Preste atenção”, ou seja, acautele-se, previna-se. Mesmo porquê, Dona Lucilia não era uma pessoa de entrelaçar expedientes e recursos, mas antes conciliadora, e sabia recomendar o que ela mesma faria em circunstâncias análogas: esquivar-se.

“Quando eu tratava pelo telefone de algum lance político mais dramático, Dona Lucilia se interessava e, por desvelo materno, vinha para perto do aparelho a fim de ouvir a conversa”

Fotos: Arquivo revista
Dona Lucilia e Dr. Plinio (em pé, à esquerda) na sede do “Legionário”, em 1935

Porém, mamãe logo percebeu que eu aceitava respeitosamente o que ela dizia sobre os outros, mas não me subtraía a adotar a postura de confronto quando os superiores interesses da causa católica o exigissem. Ela me via, então, tomar nos diversos ambientes — doméstico, escolar ou profissional — posições as mais audaciosas e atitudes bastante opostas ao seu costumeiro “tome cuidado”. Entretanto, cumpre notar, em momento algum me admoestou por ter sido imprudente nesta ou naquela situação. Nunca.

De fato, apesar de as circunstâncias nas quais eu conduzia minha existência encerrassem aspectos desconhecidos por ela, mamãe acompanhava os meus passos e, muito boa observadora, compreendia estarem bem dados. Portanto, não intervinha em nada, embora conservasse sempre a solicitude materna a meu respeito. Por exemplo, nos meus anos de deputado da Assembléia Constituinte, quando eu devia tratar pelo telefone de algum lance político mais dramático, ela se interessava tanto que se levantava da sua cadeira de balanço e se dirigia para perto do aparelho, a fim de ouvir a conversa. Não para me controlar nem para dar palpite. Era por desvelo para comigo. E estou certo de que esse cuidado resultava depois em longas orações aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, pedindo luzes e amparo para o filho dela.

Zelosa das hierarquias e bons procedimentos

Com iguais solicitude e senso de observação acompanhava ela minhas discussões na família, sobre assuntos relativos à religião e à Igreja Católica. Lembro-me especialmente das contendas com um dos meus tios, em geral muito acaloradas. Terminada a polêmica, mamãe não dizia uma só palavra, e me tratava com toda a afabilidade, como se eu tivesse agido do modo mais normal possível. Sendo que a menor falta de respeito de minha parte para com o meu tio seria imediatamente censurada por ela: “Filhão, sua mãe hoje está entristecida com você. Não tem propósito agir assim”, etc., etc. Porque Dª Lucilia era eminentemente zelosa das hierarquias, das boas maneiras e bons procedimentos. Qualidade que ela manifestou, aliás, num episódio concernindo esse mesmo tio com o qual eu travava aquelas discussões.

“Mamãe me aconselhou a que tomasse cuidado com a inveja daquelas pessoas para comigo; e mais uma vez pude comprovar o acerto de seu senso de observação”

Fotos: Arquivo revista
Dr. Plinio na época de seu mandato na Assembléia Constituinte de 1934

Certa vez, indo ele almoçar em nossa casa, avisou-nos que em breve realizaria uma conferência de caráter científico. O tema pareceu-me muito enfadonho. Na hora eu olhei para mamãe e vi como ela se mantinha calma. Pensei: “Aí vem caceteação.”

Poucos dias depois ela me diz:

— Filhão, você se lembra de que seu tio fará a conferência?

— Sim, me lembro.

— Você sabe que deve comparecer, não é?

Eu já estava resolvido a ir, se ela quisesse. Ela quis. Eu fui.

A palestra teve lugar num conhecido edifício da capital paulista, numa sala pequena, bem escolhida para um tema maçante. Contudo, surpreendeu-me a grata revelação de um conferencista tão animado, tão vivo, tão interessante, que parecia outro homem, bem diverso daquele da conversa comum e dos debates travados em casa. Quando voltei, disse a mamãe: “Meu bem, a conferência do tio fulano foi muito agradável!”. A princípio ela julgou tratar-se de uma ironia, mas ficou satisfeita quando lhe afirmei ser inteiramente sincera a minha impressão.

Alertando sobre a inveja alheia

Noutro sentido, pude ainda comprovar o acerto das advertências de mamãe, oriundas do seu fino senso de observação.

Por razões de apostolado, tive em torno de mim três pessoas com as quais mantinha estreita colaboração e, a esse título, me eram muito próximas. Certa ocasião, Dª Lucilia me aconselhou a “tomar cuidado” com a inveja que essas pessoas pudessem nutrir a meu respeito. E aduziu fatos concretos que justificavam seu juízo. Ora, no correr dos anos essas três pessoas tiveram atitudes as mais deploráveis para comigo, sendo que duas delas acabaram rompendo nossa amizade, por causa da inveja…

(Extraído de Conferência em 10/06/1982)

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