Há setenta anos, quando então completava uma década de militância católica, Dr. Plinio deitou analítico olhar sobre aquele período em que teve “a honra e a felicidade” de servir a Igreja. E através das páginas do “Legionário”, reafirmou seu ideal de continuar a servi-la com disposição inteira, empregando nesse esforço a argúcia pedida por Nosso Senhor a todos os filhos da luz.
Quando comparo as modernas condições em que se deve desenvolver o apostolado, com as que encontrei quando, há cerca de dez anos, tive a honra e a felicidade imerecidas de começar a servir a causa católica, verifico a enorme evolução que sofremos, e a crescente complexidade que o ambiente moderno vai criando para nossos trabalhos.
Há dez anos atrás, o panorama era triste, mas claro. A grande maioria da população ainda vivia naquele ambiente de catolicidade comodista e caseira (por isto mesmo de pseudo-catolicidade) que fazia da Religião uma preocupação meramente piedosa. Os mais perfeitos julgavam ter cumprido convenientemente seus deveres quando rezavam pela manhã e à noite, e, de quando em vez, comungavam. O resto de sua vida não pertencia à Igreja, que dela estava tão afastada quanto da vida de qualquer cético ou indiferente. Por isto mesmo, qualquer atitude pública que traduzisse convicções religiosas era cuidadosamente evitada: quem se tornasse réu de uma ação dessa natureza seria prontamente qualificado de carola, de beato, e de outras quejandas coisas que, em última análise, apontavam o pobre “santarrão” — era outro termo corrente — a uma execração geral mais inexorável do que se em lugar de freqüentar a Igreja, consagrasse longas horas à freqüentação dos lugares mais indignos da cidade. (…)
De lá para cá, quanto mudaram as coisas! Como se alterou o panorama! E como estão atrasados os católicos ingênuos que ainda agem em função do quadro antiquado que acabo de pintar acima!
Para compreender a formidável evolução por que passamos, é preciso olhar para além das fronteiras brasileiras. Até há 10 anos atrás, o mundo vivia sob o peso do ambiente criado pelas grandes ofensivas de ateísmo, de ceticismo, e de positivismo contra a Igreja. (…)
De dez anos para cá, a tática dos inimigos da Igreja passou por uma transformação radical.
No século passado, os católicos foram mais uma vez culpados por sua falta de fortaleza. No século presente, os católicos serão especialmente culpados se, além da fortaleza, não tiverem uma invencível perspicácia.
No século XX, mais do que nunca, a Providência nos pede que, conservando a inocência da pomba, não negligenciemos por isto a aquisição da astúcia da serpente, expressamente recomendada pelos Santos Evangelhos. (…)
Se perguntarmos aos inimigos da Igreja na França, na Inglaterra, na Alemanha, etc., o que pensam da Igreja, não responderão mais, como outrora, com uma injuriosa blasfêmia. Pelo contrário, um sorriso lhes ficará nos lábios macios e, gentis, eles oferecerão ao seu interlocutor católico o morno e úmido beijo de Judas. (…)
Compreenderam agora nossos leitores a razão pela qual o “Legionário” passa muitas vezes por pessimista, por intransigente, por agressivo? Porque ele não intenta fazer para a Igreja certas “conquistas” que introduziriam o cavalo de Tróia na cidadela católica! Com a graça de Deus, o “Legionário” nunca se acumpliciou com os beijos de Judas. Que Deus o ajude para perseverar sempre neste caminho.
A argúcia é o grande dever do momento. A ela, o “Legionário” espera, com a graça de Deus, não faltar.
(Extraído do “Legionário” de 22/5/1938)