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“Revolução e Contra-Revolução”

Após o lançamento de Revolução e Contra-Revolução, Dr. Plinio proferiu diversas conferências nas quais analisou e desenvolveu os pensamentos fundamentais de sua obra mestra. Nas passagens aqui selecionadas, considera ele o aspecto gradual do processo revolucionário no Ocidente, impulsionado pelo desregramento das paixões, com o conseqüente esmorecimento e declínio da Cristandade medieval.

Para os que se empenham na luta da Contra-Revolução, é de extrema importância possuir um conhecimento muito especial e nítido do caráter processivo da Revolução, a fim de comunicá-lo aos outros que se dedicarem ao mesmo apostolado. É este o único meio de que dispõem para estancar a marcha gradual do mecanismo revolucionário. Isto feito, poder-se-á então pensar em Contra-Revolução.

Conhecer e denunciar o modo de agir do processo revolucionário é o meio de que dispõem, para detê-lo, aqueles que se empenham na luta da Contra-Revolução

Fotos: Arquivo revista/N. Bueno/M. Shinoda
Fotos: Arquivo revista/N. Bueno/M. Shinoda

Fotos: Arquivo revista/N. Bueno/M. Shinoda
À esquerda, as primeiras edições de “Revolução e Contra-Revolução”, em livro e jornal; acima, Dr. Plinio em 1959

O princípio da gradatividade

Se nos aprofundarmos na consideração da psicologia do homem, notaremos que há nas apetências humanas uma espécie de correspondência com a ordem natural criada por Deus. Os predicados de todas as criaturas são susceptíveis de graus: há intensidades de alvura, de escuridão, de maciez, de rigidez, de sabor. Ou seja, na natureza, tudo apresenta predicados sujeitos a determinados graus.

Concomitantemente, o modo de apetecer do homem é também gradativo. Podemos, por exemplo, olhar uma luz e depois, gradualmente, ir-nos habituando a ela. De início, tivemos um choque; em seguida, nos acostumamos. Assim como podemos nos habituar a algo macio. Após algum tempo, no entanto, ficaríamos satisfeitos se nos oferecessem coisa ainda mais macia. Não só porque existem graus diversos de maciez, mas também porque vamos progredindo, por etapas, na apetência do mais macio. E esse desejo somente se verá saciado e plenamente atendido quando se alcançar o supremo grau do macio.

Quer dizer, à medida que atingimos um grau, começamos a apetecer o seguinte. Por esse processo, pode-se passar, digamos, da aceitação ascética de uma cama de tábua para o cúmulo do alcochoado, por vários graus sucessivos.

Trata-se, portanto, de uma gradatividade dos predicados dos diversos elementos da criação, de um lado; de outro, uma capacidade do homem de caminhar gradualmente para atingir o extremo de suas apetências.

Esse princípio da gradatividade é tão forte que, naturalmente falando, será difícil a um homem chegar a determinados extremos de apetência, sem ter passado antes pelos escalões intermediários.

O princípio da totalidade

Consideremos um segundo princípio, que se desprende do anterior, e que chamaríamos da totalidade.

Com a mudança de mentalidade, veio a necessidade de diversões que tendiam a se tornar mais complicadas, mais suntuosas, mais freqüentes, com reflexos nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura…

Fotos: Arquivo revista/S. Hollmann
Dr. Plinio em 1960; Festa na corte de Borgonha- Museu de Dijon, França

Fotos: Arquivo revista/S. Hollmann

Com efeito, em cada deleite que tenhamos, em virtude de nossa natural tendência à felicidade, somos levados até o extremo daquele deleite. Via de regra, e salvo os contravapores que existam em nosso organismo, a tendência normal de um prazer é sempre a de chegar ao seu último requinte.

As tendências existentes dentro do homem rumam, pois, para a totalidade. Há uma espécie de paroxismo para o qual tudo caminha. Por esse motivo, para os homens e as civilizações voluptuosos não há limites: desenvolvem suas tendências em todas as direções.

Ora, o que acontece em relação aos sentidos, dá-se também em relação às paixões da alma. Uma pessoa que seja vaidosa do seu físico, não se contenta enquanto não for aclamada como um Adonis, o deus da beleza. Em seguida, quererá ser proclamada o Adonis dos Adonis e, por fim, desejará que o situem muito acima dos Adonis. Outro tanto se diga de uma pessoa orgulhosa. Primeiramente, espera ser tido como soberano de seu povo; logo depois, como soberano absoluto. E não se deterá nessa ambição, enquanto não for divinizado e posto sobre um altar.

Em resumo, cada movimento, cada grau, cada tendência nas apetências humanas, tende ao seu paroxismo.

As exceções confirmam a regra

Poder-se-ia, porém, fazer objeções a esses princípios.

Por exemplo, no que diz respeito à luminosidade. Nossos olhos apetecem a luz, e quanto mais a recebam, maior agrado experimentam. Existem, entretanto, pessoas que têm repulsa à luz, e isto se explica de modo natural: no caso delas, os contravapores seriam disposições do globo ocular que se sentem incomodadas com a luminosidade. Mas, tratam-se de situações excepcionais. A regra normal é que os homens estejam sempre à procura da luz.

De forma análoga, há no interior do homem contravapores que funcionam à maneira de freios para determinadas paixões, e que estabelecem, assim, um limite ao princípio da totalidade. Esse limite é também de bom senso: sabe-se que o princípio existe, mas que nem todos os homens estão, a cada momento, à procura de todas as volúpias.

Contudo, essa totalidade tem a seu favor uma característica. Em determinados pontos o homem deseja, sem nenhum contravapor, uma totalidade absoluta, até a última exacerbação, e não se contenta a não ser com esse extremo.

Paroxismos do orgulho e da sensualidade

Para a grande parte dos homens, além da propensão — que se diria insondável — aos excessos de orgulho, existe uma tendência para a sensualidade que praticamente não conhece barreiras.

Do píncaro de virtude em que se encontrava, a civilização medieval se deixou rolar numa incoercível decadência

S. Hollmann
Igreja de São Benigno, Dijon, França

Essas propensões se transformam em paixões que são as duas principais molas da Revolução. Todos os homens têm graus nestas paixões, e em muitos, elas tendem para a exacerbação e plenitude. É um paroxismo de prazeres quase comparável a um êxtase: invade o indivíduo por completo, satura-o, ingorgita-o. Muitas vezes esses vícios não se manifestam claramente, mas, se não forem combatidos com vigor no íntimo da alma, estarão corroendo e destruindo todas as suas fibras.

Sensualidade desregrada, mudança nas mentalidades

Tomemos, por exemplo, os efeitos da sensualidade desregrada. Estes aparecem já no século XIV, quando começa a se observar na Europa cristã uma profunda transformação de mentalidade. Mudança esta que, ao longo do século XV, cresce de modo acentuado no Ocidente. A palavra “mentalidade” foi escrita na R-CR (parte I, capítulo III, 5 A) de propósito. Ou seja, não se trata de doutrina, pois doutrina e mentalidade podem diferir. Referimo-nos mais propriamente a um estado de espírito — portanto, uma mentalidade — e não à doutrina.

Essa mentalidade nasce de um modo confuso, mas à medida que cresce, vai se tornando mais nítida. São, pois, transformações de mentalidade que passam por um processo de nitidez, no decorrer da marcha da Revolução.

Os elementos dessa mentalidade são, primeiramente, um apetite de prazeres terrenos que tende a se transformar em ânsia. Desejo consentido que, ao se tornar ânsia, revela manifestações mais nítidas do que as do simples apetite.

Em segundo lugar, vem a necessidade das diversões que tendem a se tornar mais complicadas, mais suntuosas, mais freqüentes, com reflexos nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura, na arte e em uma vida cheia de deleites e fantasias dos sentidos, provocando a sensualidade e a moleza, o perecimento da austeridade e da seriedade, a mania de tornar tudo risonho, gracioso e festivo. Os corações se desprendem gradualmente do amor ao sacrifício. A cavalaria se torna amorosa, a literatura tende ao romance, e, como consequência, aparece o excesso de luxo e a avidez de lucro.

Todas essas mudanças são características, não de uma doutrina, mas de uma mentalidade. A doutrina se lhe segue.

O “clima moral”

Donde, depois de empregarmos a palavra “mentalidade”, falamos em “clima moral”.

Clima moral e mentalidade são conceitos afins que se completam. Então, não mais apenas a sensualidade impera, como também a vaidade, o orgulho, os quais penetram mais diretamente no campo dos princípios e da doutrina. São disputas aparatosas e vazias, exibições fátuas de erudição e velhas tendências filosóficas que renascem. E isto que se passa no campo das doutrinas de caráter filosófico e religioso, penetra igualmente no campo político, através de uma nova doutrina: o absolutismo. Não há mais só a vaidade dos legistas em conhecer o Direito Romano, em estar a par da cultura de Roma e querer imitá-la: agora há também o orgulho dos reis, que querem tudo dominar pelo absolutismo.

Quanto maior a altura, maior a queda…

Essa exacerbação de paixões redundou num funesto resultado. Na Idade Média, sob o influxo das grandes Ordens religiosas, que irradiavam todas elas uma mentalidade cristã, floresceram extensas famílias de almas. Deu-se então a apostasia de uma ou de algumas dessas famílias de almas, determinando a hecatombe da civilização medieval.

Perguntar-se-á: por que essa tremenda explosão, essa carga brutal de revolta, com tal força desagregadora?

Porque, quanto maior a altura da qual se cai, tanto maior a queda. E quanto maior a virtude, tanto mais rugem as feras do vício, quando soltas.

Ora, o mundo medieval encontrava-se num pináculo de virtude. Abandonar esse píncaro significava decair inexoravelmente. Daí decorreram tremendas paixões que invadiram a civilização contemporânea. Daí, também, o declínio da Europa cristã, que continua até nossos dias.

(Extraído de conferências em 1959)

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