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A grandeza do dom da Sagrada Eucaristia

Admirador da lógica de Santo Inácio de Loyola, Dr. Plinio fez uma série de reuniões, em 1973, sobre os exercícios espirituais inacianos, comentados pelo célebre jesuíta, Pe. João Pedro Pinamonti. Nestas linhas, Dr. Plinio comenta a grandeza do Sacramento da Eucaristia.

“Considera que três coisas podem concorrer para fazer um dom grandemente estimável: a grandeza do mesmo dom; o afeto de quem o dá; a utilidade de quem o recebe; as quais três coisas todas se acham maravilhosamente na diviníssima Eucaristia”.1

Gostaria que analisassem o raciocínio para perceberem como é lógico.

Ele faz aqui consideração sobre o Santíssimo Sacramento enquanto dom, ou presente. Como preliminar do assunto, explicita uma teoria a respeito do valor de um presente, aplicável a todos os dons, em todas as épocas e sobre toda a face da Terra.

E indica os três pontos que tornam um presente muito apreciado:

a) a grandeza do dom;

b) o afeto de quem o dá;

c) a utilidade de quem o recebe.

É uma ordem perfeita e reduzida à sua expressão mais simples!

Para compreender o valor de um dom, devo analisar o objeto, a pessoa que o dá e quem o recebe. Creio ser bem perceptível a limpidez de espírito que há nesta operação mental. Desta maneira como é apresentada não há nada que escape.

O espírito inaciano é profundamente ordenado, nele tudo tem conta, peso e medida

S. Hollmnam
Imagem de Santo Inácio que se venera no santuário de Loyola – Guipúzcoa, Espanha. Na página da direita, acima: São Luís Rei de França; abaixo: Exposição do Monumento com o Santíssimo Sacramento na Sexta-Feira Santa – Basílica do Santíssimo Sacramento, Buenos Aires.

Esta é uma ordem hierárquica de valores muito diversa da usada em nossos dias.

Hoje, quando se dá um presente, grande parte dos indivíduos o recebe marcusianamente2: fazem relambórios, não sabem analisá-lo, nem dizer qual o seu valor; afirmam que gostaram etc. É uma massaroca de impressões confusas. A pessoa de espírito católico analisa seus próprios sentimentos para verificar, no que são bons ou ruins, qual a razão deles, etc. Este é o verdadeiro espírito da Igreja.

Conhece-se o caso de Santo Inácio de Loyola em que ele afirmava ser capaz de escrever as dezesseis razões — pró e contra — pelas quais cumprimentou de certa maneira algum noviço da Companhia, quando este passou perto dele em determinado momento. Quer dizer, nele tudo era bem pensado, bem calculado.

Caso dois de meus ouvintes, por exemplo, se cumprimentassem, eu gostaria de vê-los escrever três razões pelas quais o cumprimento foi daquele jeito. Creio que haveria muita dificuldade em redigir alguma coisa…

A Escritura diz que todas as obras de Deus têm conta, peso e medida. Neste comentário — que muito reflete a mente de Santo Inácio — vê-se que tudo tinha conta, peso e medida.

Tendo penetrado no firmamento do espírito inaciano, entendamos que é um firmamento ordenado, no qual tudo tem conta, peso e medida.

A primeira coisa, pois, que ele considera é o valor do dom (hoje considerar-se-ia a utilidade de quem o recebe); a segunda, quem o deu; e a terceira, a utilidade de quem o recebe. Esta é a verdadeira hierarquia.

Se alguém, recebe, por exemplo, um brilhante, numa linda caixa, primeiramente indaga qual seu valor. Depois, quem o deu. Suponhamos que lhe informem: “Foi a Rainha da Inglaterra… Ouviu falar de suas singulares virtudes e resolveu mandar-lhe este presente. Sua reação imediata: “Que psicóloga essa rainha! Ela, de longe, percebeu minhas qualidades!” E manda logo colocar na caixa um cartãozinho: “Brilhante que a rainha da Inglaterra enviou-me.”

A terceira pergunta: “O que vou fazer com este brilhante?”.

Está tudo, portanto, magnificamente pensado. Assim eu quizera que fosse cada um de nós. É um convite para um firmamento que se abre.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Considera, pois, em primeiro lugar a grandeza do dom. Grandes coisas tinha o Senhor já dado aos homens: tinha-nos dado a nós mesmos, e juntamente nos tinha dado inumeráveis criaturas para o benefício da nossa criação e conservação: estas coisas, ainda que muito estimáveis, eram limitadas. Deu, pois, o Senhor aos homens na Encarnação um dom infinito; porém este dom foi imediatamente dado à humanidade de Jesus Cristo, e a nós por ela só mediatamente; e por isso podia ainda o Senhor dar-se a si mesmo a cada um dos fiéis em particular, estendendo desta forma o benefício da mesma Encarnação”.3

O pensamento dele aqui é o seguinte: para cada homem, Deus deu uma série de coisas.

Em primeiro lugar o ser, pois de nada adiantaria dar-lhe todo o resto se o homem não existisse.

Além disso, criou o Céu para a Humanidade no seu conjunto e para cada homem individualmente. Porque, se um só homem se salvasse, o Céu brilharia para ele da mesma forma.

Ademais deu-nos saúde, inteligência; em síntese deu-nos todas as coisas que existem.

Sobretudo, deu a Encarnação do Verbo: Ele se fez carne para nos salvar. É um dom enorme!

S. Hollmnam

Imaginemos que uma pessoa empreendesse uma viagem a outro planeta para, chegando lá, fazer a doação de um olho a alguém necessitado; consideraríamos tal gesto de uma extrema generosidade. Se fizéssemos tal coisa, acharíamos que o beneficiado deveria a vida inteira cantar louvores a nossa bondade.

Ora, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade percorreu um espaço muito mais que planetário para vir a nós. Deus verdadeiro, abaixou-se, condescendeu em fazer-se, não anjo, mas homem, para nos salvar.

São Luís, Rei da França, introduziu o costume de inclinar-se quando, no Credo, se diz: “et Homo factus est”. Porque é um dom tão extraordinário, que temos de fazer vênia para agradecê-lo a Deus.

Mais ainda: fazendo-se Homem, passou trinta anos em vida oculta com Nossa Senhora, para glorificar a Deus e rezar pelo gênero humano. Durante todo esse tempo passou orando pela missão que posteriormente haveria de exercer.

Depois, durante três anos operou tais maravilhas, que São João chega a dizer que se as fosse narrar, encheria a Terra com os escritos de Seus feitos. Os Evangelhos contam-nos apenas parte deles, e já são tão magníficos que nem se sabe o que dizer.

Na Sagrada Eucaristia, Nosso Senhor dá-se a nós de um modo tão esplêndido, que ultrapassa a imaginação do mais perfeito dos anjos

São Miguel Arcanjo – Paróquia São Miguel, Mont Saint-Michel, França; na página da direita Imagem de Nossa Senhora da Anunciação – Museu Unterlinden, Colmar, Alsacia.

E Jesus além de todos os ensinamentos, o exemplo, de toda a manifestação de paciência, de carinho, e de perdão, ainda fez mais: como coroa de todos os dons anteriores, Ele deu a Sagrada Eucaristia.

Fazendo eco ao espírito de Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, o Pe. Pinamonti irá mostrar adiante que, dar a Sagrada Eucaristia é de algum modo mais do que ter-Se feito Homem: através dela Ele adquiriu uma união mais íntima conosco do que pelo fato de ter-Se encarnado. A Sagrada Eucaristia é um dom, fruto da própria Encarnação; compreende-se portanto quão prodigioso ele é.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Isto, pois, é o que Ele faz na Eucaristia, comunicando-nos quanto tem de riquezas e de bens: o seu corpo, o seu sangue, os seus merecimentos, as suas virtudes, a sua alma,e a sua divindade, com uma invenção tão admirável, que por toda a eternidade não viria jamais ao pensamento dos serafins. Não se pode, pois, pedir outra coisa maior ao nosso Salvador nesta vida; e, se lha pedíssemos, poderia ele responder que, mesmo sendo Senhor de todos os bens, agora não tem mais que nos dar, tendo-nos dado tudo no pão dos escolhidos, e no vinho que gera virgens”. 4

É um pensamento admirável! Nosso Senhor, na Eucaristia, dá-Se a nós de um modo tão esplêndido como ninguém poderia inventar. Os mais altos anjos — os serafins —, se pensassem sobre o assunto por toda a eternidade, não poderiam excogitar a idéia de um Deus que Se dá ao homem sob as espécies de pão e de vinho, de modo a penetrar nesse homem e assumí-lo.

Não há na Terra, por exemplo, nas relações de pessoa a pessoa, nenhuma forma de união tão íntima como a existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo, na Eucaristia, e nós.

E Pe. Pinamonti enumera os dons que isto representa: Seu corpo, Seu sangue e todos os Seus méritos.

Os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são tais que, por cada gota de Seu sangue, Ele resgataria o mundo inteiro. Ora, Ele derramou todo o sangue no alto da Cruz. Como, pois, haveríamos de calcular esse mérito? Ele é infinito!

Na Eucaristia recebemos o precioso dom: todo seu sangue derramado! Também todas as Suas virtudes. Quer dizer, toda a Sua santidade, por assim dizer toca-nos, contagia-nos santamente.

A santidade de Nossa Senhora é incomensurável, mas ela não é infinita. A de Nosso Senhor é estritamente infinita. Ele é “a” santidade.

Pois bem, Aquele que é “a” santidade condescende em vir a mim na Sagrada Eucaristia.

Que dom fomidável Ele ficar no sacrário, trancado, até a hora em que chego para comungar! Nesse momento por mim escolhido, Ele vem e me visita, mais intimamente do que à casa de Lázaro e de Maria, enquanto estava vivo na terra. Porque, naquela ocasião, Ele não entrava em Lázaro nem em Maria. Aqui, Ele entra em mim.

É um dom verdadeiramente inestimável! Glória, saúde, todas as riquezas do mundo, nada são comparadas a uma comunhão. E nós que recebemos o chamado para comungar diariamente!

Alguns de nosso movimento, há dez, vinte anos comungam todos os dias; eu, há quarenta anos. Quantas comunhões isto representa! Quantos dons foram se acumulando ao longo desses anos em tais comunhões diárias! É verdadeiramente inimaginável! Esta é a amplitude do dom que Deus nos dá.

Como aproveitarmos esta meditação?

Podemos aproveitá-la, por exemplo, lendo ao menos um destes pontos, a fim de prepararmo-nos para a comunhão.

Suponhamos que uma pessoa esteja, com problemas de inveja. Deve ela considerar que vai receber Aquele que é a suma generosidade, a suma bondade, que nunca invejou ninguém; pelo contrário, alegrou-Se com o bem que fez a todos os outros.

E então dizer: “Senhor, vinde, e dai-me Vossa bondade. Lavai-me do defeito de inveja que noto em mim”.

E se a dificuldade for praticar a castidade, pensar: Nosso Senhor Jesus Cristo é a própria pureza. O sangue d’Ele é chamado vinho que gera virgens. Quem não tiver parte com Ele não consegue a pureza.

E pedir: “Senhor, vinde à minha alma para comunicar-me a Vossa pureza. Por meio de Maria Vos peço que me torneis puro, de uma pureza que lembre a d’Ela, o melhor espelho de Vossa própria pureza”.

Estes pensamentos são tão profundos que não há possibilidade de deter-se em todos antes da comunhão; basta um tomado a sério, para fazer uma comunhão bem feita.

Prossegue o Pe. Pinamonti:

“Em comparação pois duma liberalidade tão excessiva de teu Deus com a tua alma, quão enorme será a tua avareza para com Ele, se não lhe ofereces, pelo menos, aquela liberdade que te resta? Tens até agora feito resistências aos outros dons; mas poderás ainda resistir a um Deus que te dá a si mesmo?” 5

Imaginem que entrasse na casa de um de nós uma pessoa de suma importância e dissesse: “Fulano, vim aqui porque quero ser seu amigo e dar-lhe tudo o que possuo”.

Normalmente a reação seria perguntar-se a si mesmo: “O que tenho para retribuir-lhe? É um presente tão grande que ele me concede: sua fortuna, dinheiro, automóveis, aviões, tudo ele está me dando nesse momento! Alguma coisa deverei fazer por ele”.

Dr. Plinio durante a elevação da Hóstia antes da comunhão; ao lado, imagem de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento – Quebec, Canadá.

Toma então um objeto fino que tenha em sua residência e diz: “Não está de modo algum na proporção do seu dom. Mas, para lhe manifestar o quanto estou grato, leve isto”.

Ou, uma bebida excelente que possua: “Sei que isto não paga em nada, mas peço-lhe aceitar esta bebida. É uma magra expressão daquilo que eu gostaria de fazer”.

A mais elementar das gratidões levaria a tais atitudes.

O Pe. Pinamonti, a respeito da Eucaristia, faz dessas perguntas sumamente lógicas, próprias a levar a alma quase que de elevador para o caminho da virtude.

“Estás recebendo tal dom: o que pretendes fazer? Tens resistido a outras graças: resistirás também a esta? Deus Se dá a ti, e tu não te darás a Ele? Que propósito tem não te ofereceres a Ele por inteiro nesta comunhão?”

Porque na verdade Nosso Senhor dá muito e pede pouco. O que sou para Deus Nosso Senhor? Nada! E eu não me ofereço a Ele?

Portanto, o corolário normal de uma comunhão é fazer um oferecimento: “Senhor, não sou digno de Vos receber, mas suplico que entreis em minha alma. Concedei-me a graça do desejo de dar-me a Vós, e de que um dia, o mais breve possível, eu efetivamente me dê a Vós inteiramente, isto é, abandone o pecado, deixe de Vos ofender, pratique a virtude inteiramente, seja um perfeito soldado de Vossa Causa; por meio de Maria, Vo-lo suplico”.

Esta é a retribuição forçosa. Quem recebe tanto, deve ao menos pagar um pouco pelo que recebeu. E, se Deus Se dá inteiramente a nós, tal será que não nos entreguemos completamente a Ele!

São reflexões que penetram até o fundo! Se a pessoa as tomar um pouco a sério, não pode deixar de persuadir-se. Porque, se em última análise eu acredito na Eucaristia, que é o corpo e o sangue de Cristo, como posso negar a validade de tal raciocínio? É o mais evidente que há!

Coisa muito boa é ter em mente durante o dia determinado pensamento. Por exemplo: de que, hoje, Nosso Senhor Se deu a mim. Pedir-Lhe-ei, portanto, a graça de me entregar a Ele em tal ponto. E farei nessa intenção algum sacrifício, entregarei algo que me custa, oferecerei a Ele tal tarefa difícil, etc.

Ou, então, se percebo que terei uma grande aflição certa coisa muito difícil diante de mim devo refletir: se Deus deu-Se a mim hoje, e novamente Se dará amanhã, não vou confiar n’Ele? Não irá ajudar-me nessa ocasião, sorrir para mim em tal oportunidade? É evidente que sim! Viverei esse dia com confiança, porque Deus Nosso Senhor me auxiliará.

Essas são atitudes normais de alma, de quem vive em função da comunhão que fez hoje e fará amanhã. É assim que se prepara uma alma verdadeiramente eucarística.

Os raciocínios do Pe. Pinamonti para os que praticam os exercícios de Santo Inácio pedem muita seriedade.

Porém, estas são meditações profundamente lógicas.

Imaginemos uma pessoa que resida num país aonde haja um rei, o qual lhe deu um principado. Em certa circunstância, ela precisa de um pequeno favor do monarca, por exemplo, que mande a outrem fornecer-lhe um certificado de vacina.

Não é razoável que ela tenha medo de fazer esse pedido ao rei, pois quem deu-lhe o muito mais dar-lhe-á o menos. Deve, entretanto, pedir muito não só coisas pequenas, mas grandes.

Assim precisamos ser com Nosso Senhor; preparar nossa vida em função d’Ele na Eucaristia.

Tudo isso é profundamente sério e estas conferências são um convite à seriedade. Se não formos sérios nessa vida, ao morrer teremos o maior choque que se possa imaginar: defrontar-nos-emos com a infinita seriedade de Deus.

Ele então nos dirá:

“Diariamente durante tantos anos dei-te a graça de desejardes a minha visita; e correspondeste a ela. Mas, em todas essas visitas não foste sério. Recebeste-me não refletindo no que o ato significava, nem tirando as consequência dele”.

O que iremos dizer-Lhe? Compreende-se a importância de meditar sobre isto?

O ideal seria fazer um recolhimento com base nesse texto. Se tivéssemos um local onde pudessem revê-lo, com alguém encarregado de dar um desenvolvimento mais amplo à matéria… E meditar aos poucos, tomando notas para prepararem um “manual do comungante” a fim de ajudar a terem estas considerações no espírito, na hora de receberem a Eucaristia. Esta é a verdadeira seiva da vida espiritual.

Continua no próximo número.

(Extraído de conferência em 15 de setembro de 1973).

1) Exercícios de Santo Inácio e Leituras Espirituais. 3ª ed. corr. Edições A.J. Porto, 1934, p. 170

2) Conforme Marcuse. Herbert Marcuse (1898-1979), filósofo de origem alemã, que se radicou nos EEUU, propugnador de uma filosofia baseada em Freud e Marx. Exerceu forte influência nos movimentos revolucionários estudantis que eclodiram a partir da Sorbonne, em 1968.

3) Pinamonti, op. cit. p. 170.

4) Ídem. p. 171

5) Ídem. p. 171

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