Dona Lucilia, a quem não faltavam as qualidades de uma dona de casa, encontrava deleite, porém, em discernir o que havia de mais elevado até nos fatos corriqueiros que observava da janela de seu apartamento.
Mamãe tinha constantemente o espírito posto numa certa “transesfera” e num certo sobrenatural que luziam nela, porque possuía a mentalidade voltada para assuntos mais elevados. De maneira que mesmo tratando de algo insignificante, ela possuía um modo de se referir àquilo por onde se percebia que via luzes, considerava reflexos e aspectos, que outras pessoas, em sua postura comum, não vêem.
Por exemplo, desde uns dez anos antes de ela morrer, — portanto a partir dos oitenta e dois anos de idade —, e como seu organismo ia se tornando cada vez mais sensível ao frio, ela com freqüência mandava por sua cadeira na sala de jantar, e ali ficava durante horas tomando sol, transformando este local numa espécie de living.
E às vezes permanecia junto à janela, deleitando-se em ver o arvoredo da Praça Buenos Aires e um pôr-do-sol que se notava na direção do Pacaembu, fazendo com que seus raios penetrassem de um modo realmente agradável e muito bonito. Ele ia descendo através daquele arvoredo que forma uma espécie de alameda nessa praça, na calçada e um pouco no leito da rua Alagoas.
Vendo aquilo ela me chamava a atenção: “Olha que lindo! Que bonito!”
“Quando Dona Lucilia rezava diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus, percebia-se que ela não tinha nenhuma revelação; entretanto, ela a olhava com uma veneração realmente extraordinária.”
E eu achava bonito sua capacidade de achar bonito, quer dizer, uma potencialidade de espírito por onde ela relacionava aquilo com outras coisas que considerava “transesfera” ou auxílio sobrenatural. A verdadeira beleza não era apenas cromática — quer dizer de cores. Acima desta havia toda uma coluna de evaporações coloridas que se levantavam, e valia muito mais do que a mera beleza material a qual qualquer um pode ver.
E quando ela falava, com voz nobremente aveludada, me dava a impressão de uma sonoridade ligeiramente abafada como costumam ser os sons da voz humana no interior das igrejas, os quais, expiram dentro de um aveludado de trevas doces que lá existem. A voz humana se faz sentir menos. O timbre dela era habitualmente esse. E ela então dizia: “Olha que bonito! Que bonito!”
Ela não tinha nem o vocabulário nem o aparelhamento intelectual para descrever essas coisas, mas possuía muito mais do que isso: a alma para ver.
Eu notava muito isso e a fortiori, o modo dela se referir às coisas sobrenaturais, às suas devoções.
Por exemplo: as imagens do Sagrado Coração de Jesus, que ela possuía. Quando rezava diante delas, percebia-se que ela não tinha nenhuma visão nem revelação, mas olhava paras as imagens com uma veneração, um recolhimento, um respeito, uma confiança afetuosa, realmente extraordinárias.
E quando ela dizia: “Jesus” — o nome indiscutivelmente mais bonito que há na Terra — notava-se que para ela havia ressonâncias, e seria um erro pronunciar esse nome ligeiramente, às tontas, sem saborear a relação de cada sílaba com a divina figura da Pessoa designada por ele. E assim se poderia falar de mil outras coisas em sua vida que indicam esta característica dela e fazia com que eu sentisse em sua alma a própria pessoa dela embelezada pelas luzes, nas quais mamãe via as belezas dessas coisas. E assim como mamãe via as árvores da Rua Alagoas, eu via a ela com verdadeiro encanto.
(Extraído de conferência em 30/11/1981).