O verdadeiro apostolado não é feito em meio à aparente prosperidade de uma vida sem cruzes; pelo contrário, o sofrimento bem aceito promove o crescimento das obras de Deus. Estas são as considerações feitas por Dr. Plinio ao narrar um maravilhoso fato da Ordem Trapista.
Os trapistas constituem um ramo da ordem de Cister, que segue a regra de São Bento, o qual se dedica inteiramente à vida de recolhimento. Eles vivem enclausurados em mosteiros sem nem sequer receber visitas. Alternam a oração litúrgica — na qual aplicam a maior parte do seu tempo, sete horas por dia — com trabalhos manuais e estudos de caráter ascético e místico.
Os monges da Trapa têm por objetivo levar uma vida de muita penitência: jamais falam — a não ser em ocasiões da mais estrita e imperiosa necessidade —; praticam estritamente o jejum, jamais comendo carne, peixe ou ovos, a não ser por recomendação médica. Com um detalhe: nesses casos, os ovos podem ser comidos no refeitório, porém, a carne e o peixe só na enfermaria.
Essa Ordem admirável passou — como todas as coisas admiráveis passam — por muitas peripécias.
O verdadeiro conceito de admirável
O conceito que, hoje em dia, as pessoas têm de admirável é um tanto diferente daquele que se tinha antigamente.
Para os homens de hoje, alguém é admirável quando triunfa com facilidade sem jamais passar por provações sérias e duras. Quando, na realidade, é verdadeiramente admirável — no sentido cristão da palavra — quem passa por reveses e derrotas, por perigos e angústias, mas, com a graça de Deus, as acaba vencendo.
Percebe-se isto na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele operou inúmeros milagres, foi aclamado Rei em Jerusalém no Domingo de Ramos, e passou por aquilo que, para os espíritos superficiais da época, pareceu súbita e inesperada derrocada: sua Paixão e Crucifixão.
Uma obra de apostolado só é autêntica quando as pessoas que nela trabalham compreendem o valor das cruzes. As luzes são fáceis de compreender. Todo labor apostólico passa, necessariamente, por altos e baixos, por luzes e por cruzes.
Narro-lhes um fato curioso que se deu numa Trapa durante a Revolução Francesa.
O exílio da Trapa
Com a Revolução Francesa foram extintas todas as Ordens Religiosas que havia na França.
Houve, entretanto, um Abade da Trapa, que, no dia 26 de abril de 1791, resolveu não permitir que sua Ordem se extinguisse e deliberou então sair da França: era Dom Augustin de Lestrange (1754-1827), homem muito empreendedor e corajoso. Com outros vinte e quatro monges empreendeu uma viagem em direção à Suíça, pois este era o ponto mais adequando para obter o êxito da iniciativa.
Num dos cantões suíços — espécie de província —, o cantão de Friburgo, havia um convento abandonado, antes propriedade dos Cartuxos, e, por uma graça da Providência, as autoridades locais o puseram à disposição de Dom Augustin e de seus monges.
Como fizeram eles tal viagem?
Empreenderam todo o percurso, da França até a Suíça, num grande carro fechado onde cabiam os vinte e cinco religiosos. O veículo era todo cercado por uma tela, a fim de que não rompessem o recolhimento religioso olhando para o exterior. Iam, durante todo o dia, cantando o Ofício e cumprindo o programa regular do mosteiro, dentro da carruagem.
À noite, dormiam ao relento — sobre um monte de feno ou sobre o chão diretamente — e nunca em hospedarias. Antes de dormir, se reuniam para cantar a Salve Regina, como faziam no Mosteiro da Trapa.
Depois de chegarem à Suíça e se instalarem, quando ainda agradeciam a Deus, que de um modo tão maravilhoso os tinha levado a esse remanso de paz onde podiam continuar sua vida religiosa, outro tufão: as tropas revolucionárias francesas invadiram a Suíça, e eles foram obrigados a fugir novamente, passando para a Rússia. Tudo isto com o mesmo estilo de vida, dentro do famoso carro. Resolveram, depois dirigir-se para a Inglaterra, e como lá não puderam ficar, viajaram para os Estados Unidos!
Fixaram-se nos Estados Unidos, lá permanecendo por algum tempo, até que a notícia da queda de Napoleão e da ascensão de Luís XVIII ao trono os fez voltar para a França e instalarem-se na mesma Trapa que tinham abandonado anos antes.
Derrocada ou triunfo?
Qual o resultado de tantas viagens? Durante o tempo das fugas, em todos os lugares por onde passavam, formavam novas Trapas, de maneira a constituir um número considerável de mosteiros fora da França, com um total de seiscentos religiosos. Quando eles partiram da França eram apenas vinte e cinco!
Admiremos os desígnios de Deus: a Providência quis espalhar essa Ordem, voltada ao sofrimento, pelo mundo inteiro.
Construíram, congregaram e venceram
Tarefa dificílima foi, sem dúvida, a de obter que tantas pessoas amassem a dura vida de contemplação e isolamento de um trapista. Para tal, era preciso possuir um senso apostólico extraordinário.
Esses homens, no auge da destruição, construíram; no auge da dispersão, congregaram; no auge da derrocada, venceram, transformando a derrota numa verdadeira apoteose. Vê-se com isto do que é capaz a Fé e o devotamento sem limite a um ideal.
Para humilhar os revolucionários, a Providência fez que tal perseguição fosse a ocasião da disseminação da Trapa. Sem essa perseguição, a Trapa jamais teria se expandido tanto.
Isto é uma verdadeira maravilha! Vinte e cinco homens que possuíam um ideal e, apesar de todos os reveses, dele não desistiram: não há mais convento, porém vive-se o cerimonial dentro de um carro; não há cama, dorme-se no chão; é-se expulso para um lugar, aproveita-se para lá fazer apostolado; e de lá enxotado, deixa-se uma semente plantada. Apesar de tudo pelo que passaram, o ideal trapista se manteve e, em vinte e cinco anos, sua Ordem atingira um assombroso desenvolvimento.
A árdua vida de um trapista
A vida de um trapista é, sem dúvida, árdua. Em certos dias, eles acordam à 1:00 hora da manhã, em outros à 1:30 ou 2:00. Quando no silêncio da noite toca o sino, todos se levantam.
O monge trapista dorme vestido com o hábito religioso e, ao levanta-se, vai com rapidez para a igreja — segundo a recomendação de São Bernardo — a fim de cantar as Matinas.
Alguém poderia objetar: “Apesar de tudo isto, a vida de um trapista não é tão difícil, pois ele não tem mais o choque que o comum dos homens tem com o mundo. O monge da Trapa rompeu com o mundo, de modo que as atrações deste já não o atraem mais.”
É verdade que o trapista cortou com o mundo, e o mundo não existe mais para ele. Entretanto, dou um exemplo que é o seguinte: quando, estando fora de um trem, alguém o vê passar, com aquelas cortininhas nas janelas dos vagons e a chaminé da locomotiva — no tempo que se usavam locomotivas com chaminé — deitando uma fumaça poética, e as pessoas que estão dentro serem levadas vertiginosamente para destinos complicados e épicos, tem a impressão de que o trem é uma coisa sedutora! É preciso entrar nele para se compreender que tal viagem é um verdadeiro horror, e que basta ele parar nas estações para todos saírem a fim de passear, porque não se aguenta estar ali dentro por muito tempo.
No auge da destruição, construíram; no auge da dispersão, congregaram; no auge da derrocada, venceram transformando a derrota numa verdadeira apoteose.
Pois bem, “tranca-se” o monge no convento e o que acontece? Ele perde a noção do que era o mundo e começa a ver o trem do lado de fora. É fatal! Começam então as ilusões, as tentações.
Poderia então alguém perguntar: “Ora, o que é mais fácil: viver no mosteiro ou fora dele?”
Quem não tem uma graça especial para a vida de clausura, não a aguenta; quem a tem, trate de não imaginar que o outro estado de vida é muito mais leve e compreenda que Deus põe a cruz no caminho de todos aqueles a quem Ele ama.
(Extraído de conferência de 27/6/1970)