Servindo-se de um particular estilo literário, ao assumir a direção de “O Legionário”, Dr. Plinio procurou fazer desse jornal um instrumento de formação das mentalidades católicas.
Havia na França e na Bélgica um jornal, organizado de modo muito vivo, com paginação atraente, e que tratava de temas atuais, chamado Sept [Sete]. Por causa disso, apesar de ser um simples jornalzinho com poucas páginas — não era uma revista —, possuía muita penetração: intervinha nos acontecimentos, influenciando-os. Numa palavra, tratava de tudo quanto havia de mais candente e delicado.
Analisando esse jornal, tive muitos esclarecimentos a respeito da influência e maneira de ação que deveria ter O Legionário.
Diretor de “O Legionário”
O Legionário era um jornal mensal da Paróquia de Santa Cecília, que tinha certa tendência para se dirigir também ao grande público, com o interesse de conquistá-lo. Era escrito, em parte, para converter à Religião Católica os não-católicos e, em parte, para afervorar e orientar os que já o eram.
Convidaram-me, enquanto deputado1, para ser seu diretor, porque ficaria bem para o mensário. Aceitei e disse: “Podem pôr o meu nome, desde já. Só exercerei o cargo quando deixar de ser deputado, porque não é possível fazer tudo ao mesmo tempo”.
Tendo terminado meu mandato, apresentei-me:
— Olhe, eu vim exercer…
— Ah, pois não! Esteja à vontade.
Instalei-me.
Lendo o jornal Sept, compreendi que o modo de O Legionário agir estava errado, pois, sendo uma pequena folha, deveria dirigir-se para um público especial, e através desse público, influenciar todo o conjunto; do contrário, não adiantaria nada.
A partir de então, houve uma mudança n’O Legionário, pela qual ele deixou de ser uma publicação feita para converter os não-católicos, e tornou-se um jornal destinado a orientar os que eram católicos. E não os católicos em geral, mas os integrantes do movimento católico.
O movimento católico
O movimento católico era constituído pelos fiéis mais fervorosos, os quais, em geral, pertenciam às associações religiosas. Ele aglutinava um grande número de pessoas, dirigidas por um clero bastante coeso e um Arcebispo — Dom Duarte Leopoldo e Silva — enérgico, cujo brasão tinha este lema: “Ipsum firmitas et autoritas mea” — É o próprio Cristo a minha firmeza e a minha autoridade.
Como atrair a atenção de alguém de modo a persuadi-lo? É preciso raciocinar muito bem, clara e simplesmente, sem pretensão.
Dom Duarte mantinha todo o movimento católico muito unido. E eu, entendendo bem que agindo sobre esse público, e orientando-o, teríamos uma possibilidade de influenciar o conjunto dos acontecimentos no Brasil, transformei O Legionário num órgão especializado para o movimento católico. Não para ajudar os católicos a converter os não-católicos, mas formar a sua mentalidade. Esse era um dos princípios que orientava o jornal.
Interessar pela doutrina através dos fatos
Como seu diretor, eu poderia optar por um dos dois modos de nos dirigir ao público: redigir artigos abstratos e teóricos; noticiar os fatos, analisá-los e, a propósito deles, apresentar a doutrina.
Interessar pela doutrina através dos fatos, foi o sistema adotado pel’O Legionário.
Quando se quer persuadir uma pessoa, a primeira coisa necessária é tratar de temas que lhe interessem. Do contrário, não fixaremos a atenção dela para o que escrevemos nem para o que dizemos.
Alguém me dirá: “Mas tal pessoa não se interessa pelos assuntos que trato.” Minha resposta é: “Estude a psicologia dela a fim de compreender por que forma se pode chegar a interessá-la. Saiba como atraí-la. Para isso, é preciso ter uma idéia inteiramente articulada das mentalidades. Se você não for um observador de mentalidades, não será capaz de nada, nesta ordem de coisas. Observe mentalidades.”
Como atrair a atenção de alguém, de modo a persuadi-lo? É preciso raciocinar muito bem, clara e simplesmente, sem pretensão. O argumento deve penetrar na mentalidade da pessoa que errou, como um desinfetante se introduz no âmago de uma ferida. Em razão da dor, o indivíduo pode espernear, mas o micróbio morre.
Argumentação agradável, vocabulário abundante
Era necessário, então, habituar os redatores d’O Legionário a empregar certos recursos.
A argumentação precisa ser a mais agradável possível. Para isso, não adianta usar palavras bonitas. De vez em quando, utilizar uma ou outra bela metáfora, ajuda. Porém, o mais importante é fazer sentir a pulcritude do argumento, enquanto argumento. O pensamento sem enfeite, mostrado na sua simplicidade e sua luz, tem uma beleza própria, como a do raio.
Deve-se ter um vocabulário abundante. Usar uma mesma palavra para exprimir várias idéias, não é possível. Ou possuímos todo o teclado do vocabulário português — digo português porque é a nossa língua, mas poderia referir-me a outros idiomas ilustres e magníficos — bem estudado e aproveitado, ou não temos nada.
E o vocabulário deve saber explorar as qualidades da língua portuguesa, em vez de procurar imitar a de outros povos. Há um jeito de escrever para o Brasil, e outros diferentes para a França, Alemanha, Espanha…
Há sinônimos e sinônimos…
Quanto ao modo de usar os sinônimos, é preciso cuidado. Os dicionários apresentam como sinônimas, por exemplo, as palavras lábio e beiço. Entretanto, lábio é o beiço enquanto concebido por uma pessoa de boa educação; e beiço é o lábio enquanto vivido e utilizado por um indivíduo de pouca educação.
Há um mundo de imponderáveis os quais fazem com que, na língua portuguesa, haja palavras situadas a um milímetro uma da outra, a fim de que se possa exprimir com precisão e de modo conciso.
Frase longa ou frase curta
A dosagem e pesagem exata de tudo isso levanta problemas interessantes: deve-se utilizar frase longa ou curta?
Esta é mais fácil de ser entendida. Mas, isto significa muito pouco, porque equivaleria a dizer que é a forma de comunicação para o mundo dos burros. Ora, isso não é verdade. A frase curta tem uma simplicidade, uma utilidade e uma beleza próprias. Basta afirmar que no Evangelho não se encontram frases compridas. E nele há todos os graus e formas de pulcritude possíveis, pois é ditado pelo Espírito Santo.
Nós fazíamos aquilo que, hoje, se chama uma contra revolução cultural. Pois ela não é apenas política, mas envolve a transformação das mentalidades, dos modos de ser, e dos ambientes que cercam o homem.
E a frase longa também possui muita beleza. Sua construção, permitindo o encaixe de várias idéias harmoniosamente, apresenta os conjuntos de pensamentos. Enquanto tal, ela habitua a inteligência a considerar mais os conjuntos do que as coisas simples, e desenvolve o espírito de síntese. Não no sentido de abreviar, mas de aglutinar, agrupar, de classificar, que é uma qualidade eminente da alma humana.
Cada um de nós deve procurar conhecer se tende para a frase longa ou para a breve, e saber tirar dessa tendência o melhor possível. Não sei se notam, mas eu sou muito tendente às frases longas.
Em síntese, apesar d’O Legionário ser — em comparação com os maiores jornais de São Paulo — insignificante, nós fazíamos aquilo que, hoje, se chama uma contra-revolução cultural. Pois a revolução cultural não é apenas política, mas envolve a transformação das mentalidades, dos modos de ser e dos ambientes que cercam o homem.
(Extraído de conferências de 18/2/1989 e 4/3/1989)
1) Dr. Plinio foi deputado federal, durante a Assembléia Constituinte de 1934.