Raciocínio, lógica, vontade bem empregada… verdadeiras armas para um contra-revolucionário.
Em última análise o homem deveria ter o sentido de sua vida voltado mais para as coisas do espírito do que as da carne, como sucedia no Paraíso terrestre. Ainda que ele ali estivesse completamente cercado de toda espécie de deleites e fosse o rei do Éden, o preponderante no homem era considerar as coisas do espírito.
O verdadeiro equilíbrio da alma humana
Há descrições do Paraíso, feitas em revelações particulares, que falam da beleza material ali existente. Era de fato magnífico! E todas aquelas pulcritudes orientavam a alma do homem para as coisas do espírito — em última análise, para Deus.
Como todas as coisas simbolizavam a Deus, a ordenação delas falava do poder, da sabedoria e bondade d’Ele. Olhando as coisas do Paraíso, ou simplesmente sentindo-as, o homem sabia voltar a sua alma sobretudo para o Criador.
Na coisa mais simples, por exemplo, uma brisa que ele sentisse bater sobre si numa hora em que o calor pedia para ser temperado, o homem saberia ver a Providência de Deus.
Naquele lugar onde a dor não entrava, para aquele homem que era o seu predileto em toda a Criação, Deus sabia fazer a temperatura subir até ao ponto necessário para ele se alegrar com a vitalidade propiciada pelo calor; e depois fazia soprar uma brisa para refrescar, de modo que o homem dissesse: “Oh, deleite agradável!”
Mas ele não ficava apenas no deleite, como acontece num balneário de hoje; o homem pensava: “Como o calor do dia me lembra o poder de Deus! E a brisa fresca, a sabedoria com que Ele limita o seu próprio poder, para não se tornar excessiva a sua presença junto ao homem que Ele ama.” E recebia cada coisa como um dom e um carinho do Criador. O espírito dele voava para uma região da realidade em que a alma fazia considerações mais altas. E quando chegava a tarde, Deus enviava uma brisa e conversava com o homem.
Esta é a impostação natural da alma humana! Quer dizer, o homem, de si, pela sua natureza deveria ser assim. Nós, pelo auxílio da graça, nos encantamos com uma descrição como essa e pomos — às vezes fugazmente — a nossa alma nesta ordem, nos regalando com coisas assim, que não são da carne, mas do espírito, porque esta é a boa ordenação do homem.
No Reino de Maria, quando a abundância das graças do Espírito Santo tiver regenerado a humanidade trazendo uma atmosfera que lembrará — mais ou menos longinquamente — Pentecostes, os homens com muito mais facilidade se voltarão para isso.
Cometeremos um erro muito grande se imaginarmos que a impostação de alma do homem da rua é a normal, enquanto que a nossa seria forçada.
Suponhamos um gato que, para receber um pão molhado no leite, se põe de pé. O próprio do gato é estar de quatro; e às vezes fica em pé, num equilíbrio fugaz.
Muitas pessoas pensam que se encantar com as coisas da cultura, embebidas pela Fé, é uma posição forçada para o homem, como a do gato em pé. E isto não é real.
As alegrias do espírito
É próprio do homem, quando está ordenado, ter a mentalidade contrária à do indivíduo com a lancha em cima de seu automóvel1; pelo seu élan, pelo seu movimento de espírito, ele procura sobretudo as coisas do espírito, as quais são naturalmente contíguas ao sobrenatural e caminham para as coisas de Deus. Esta é a orientação que deve ter o homem.
Por mais modesta que seja sua classe social e cultura, o homem deve conservar do período de sua inocência, quando a sua alma estava toda iluminada pelas graças do Batismo, em que ele não pecava, do tempo de sua primeira Comunhão, uma série de movimentos, de recordações, de impulsos.
E, aumentando sua vida de piedade, ele vai discernindo muita coisa que lhe faz ver mais de perto o sobrenatural, o maravilhoso, o magnífico, e muitas vezes o preternatural. E também como ele pode cair, pois a cilada, a tentação, pode estar perto dele. Assim, deve compreender que viver nesta Terra é um tesouro enorme, um dom de Deus, enquanto preparação para a outra vida. E precisa voltar-se para as alegrias do espírito, as quais são, por excelência, aquelas que ele vai encontrar no Céu.
Uma conversa contra-revolucionária
Os antigos contos para criança começavam: “Era uma vez…”, modo muito mais poético do que “Agora aconteceu tal coisa”.
Quando, aos vinte anos de idade, li os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, comentados pelo Padre Pinamonti, entusiasmei-me com os raciocínios irretorquíveis.
Nesta semana eu conversava com três membros de nosso Movimento, inicialmente sobre qualquer bagatela. De repente, a conversa enveredou por um tema relacionado com a Religião, a Igreja, nossa vocação, etc., tomando certo gosto da alma, certa alegria da virtude, da verdade e degustação do belo. A interlocução poderia ter durado uma hora, mas tive que encerrá-la porque precisava continuar a trabalhar. Comentamos entre nós que aquela consolação, uma graça passageira, propiciava à alma um prazer ao qual nada nesse mundo se pode comparar.
Não se deve imaginar que fosse algo parecido com o colóquio de Óstia2. Pobre de nós! Mas foi um eco longínquo, algo passageiro e insignificante e, assim como o vaga-lume pode lembrar o sol, isso evocaria o colóquio de Óstia.
O prazer da vida consiste nisso, e engana-se miseravelmente quem pensa que ele se encontra nas outras coisas. Não entendeu nada!
Esses gostos elevados, na alma bem disposta e orientada, nunca se extinguem. E ficam à maneira de impressões, por mim descritas apenas em parte e que se repetem de quando em quando. Muitas outras impressões de diferentes naturezas há, que a alma incorpora a si — não gosto muito de empregar aqui a palavra valor, porque lembra a filosofia valorista —, digamos, como um valor que fica fazendo parte dela. Com isto vai se formando a mentalidade do homem; as coisas que ele procura a vida inteira são bens de alma.
O pulchrum do raciocínio
Infelizmente, nessas matérias a pessoa é obrigada a falar de si mesma, porque se conhece melhor do que aos outros. Não se trata apenas de emoções; mas também dos prazeres castos, fortes, arejados, varonis, robustos, do raciocínio.
Quando o adolescente, pela primeira vez, nota que alguém desenvolveu um raciocínio particularmente bem feito, tem um reluzimento no espírito e diz para si mesmo: “Mas como está bem pensado! Como esta pessoa sabe raciocinar!”
Lembro-me de pensar assim:
“Olhe que este homem, no meio de um mundo de bobagens que fala, de repente disse uma coisa que vale a pena ouvir. Ele afivelou tudo muito bem. Não pensei que isso saísse de dentro da cabeça dele.”
E logo depois eu me perguntava:
“Sairia da minha? Serei capaz de fazer uma coisa assim? Isto aqui se chama raciocínio. Sei fazer um raciocínio como esse? Não.”
Eu não percebia que estava raciocinando…
“Não sei, porque sou ainda muito verde. De futuro saberei raciocinar? Esperemos… Porque não vejo possibilidade em mim de fazer um raciocínio assim. Mas vamos admirando os outros raciocinarem.”
Recordo-me de que mais ou menos nessa época entrei para o Colégio São Luís. E depois de um ano ou dois, foi meu professor um mestre — naquele tempo se chamava mestre o seminarista, noviço jesuíta, que dava aulas — que raciocinava primorosamente bem. Quando ele começava a raciocinar, eu prestava muita atenção. O pulchrum do raciocínio! Que coisa extraordinária!
Esgrimindo contra o erro
Aos vinte anos de idade, mais ou menos, comprei no Liceu Coração de Jesus o livro dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, comentados pelo Padre Pinamonti. Gosto muito desses comentários.
Eu havia estudado com os jesuítas e tinha muita admiração por Santo Inácio. Levei o livro para casa, sentei-me junto a uma mesa e comecei a ler.
Quando me deparei com os raciocínios bem feitos, comecei a, sem pensar, movimentar os dedos de minha mão para manifestar meu entusiasmo. Os raciocínios eram irretorquíveis, irrespondíveis!
Lembro-me de ter cogitado: “Se eu algum dia tiver substância intelectual para fazer alguma coisa que preste, vou procurar ser um homem de raciocínio irretorquível. Quero elaborar raciocínios bem feitos para servir a Igreja!”
Eu tinha muito entusiasmo pela esgrima, embora nunca a tenha praticado. Quando comecei a me interessar pelo raciocínio, pensei: “Esgrima é uma coisa bonita, mas apenas uma introdução para se compreender o raciocínio, porque elevado mesmo é saber esgrimir contra o erro. O raciocínio é um veículo para se chegar às grandes verdades que São Tomás e Santo Inácio, por exemplo, desvendam.”
Importância da vontade
Nos “Exercícios”, Santo Inácio trata da vontade, dizendo que esta precisa se dobrar. Pela primeira vez prestei atenção na minha própria vontade e a comparei com uma bengala de ouro concedida por alguém.
Sinto a minha liberdade — posso fazer isso, aquilo, conforme deseje. Mas a razão iluminada pela Fé me diz que devo querer tal coisa: “Vontade, ajoelha-te!” Ou, então, talvez dizendo melhor: “Ponha-te de pé e voa! Cumpre o teu dever!” Compreendi que a vontade era uma espécie de águia na qual se monta para nos conduzir às coisas elevadas.
Comecei também a compreender e amar mais o sacrifício!
Que adianta ter vontade, se é só para atender às minhas vontades? Ela é necessária para fazer sacrifício, lutar, impor-me coisas difíceis que eu não queira realizar, e saber impor aos outros que cumpram o dever! Para batalhar pela Causa da Igreja, da Civilização Cristã! Isto é vontade!
Como isso é bonito; porém, a vontade nos escapa como se fosse água que escorre das mãos. Às vezes, a vontade está firme e digo: Resolvi! Dez minutos depois, estou pensando em outra coisa e, quando chega a ocasião, minha vontade está mole como água.
A graça…
Custei muito para compreender a graça. Em parte, pela formação dada por minha Fräulein que, muito saudavelmente teutônica, falava-me da força de vontade. Eu achava uma beleza ter uma força de vontade capaz de tudo. Mas ela nunca se referia à graça.
A oração era uma polidez que se tinha para com Deus. Assim como se cumprimentava as pessoas mais velhas da família, saudava-se Deus eterno, Pai de todos e que nos criou. Uma espécie de arquiavô, perfeitíssimo. Eu não compreendia qual era o papel da graça, mas sim o de minha fraqueza. “Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve!”
Pela bondade d’Ela, obtenho o que não mereço. Nossa Senhora é quem merece, porque Ela é perfeita, imaculada, Mãe de Deus. É Rainha dos que não prestam, e eu estou nesse cortejo. Ela tem pena de mim e vai me ajudar. Aí terei força de vontade.
O homem que, colocado diante da Revolução tendencial, fareja as coisas revolucionárias e as rejeita, participa da gloriosa coorte dos homens que fazem História.
Mas quão bela é a vontade fortificada pela graça! Ambas são lindas, que podemos apreciar em nós mesmos, estão ao nosso alcance. Mas como são diferentes das coisas desejadas por esses homens amolecidos!
Há um abismo entre as duas mentalidades.
Vigilância contra-revolucionária
Fiz uma longa introdução, mas tudo o que eu disse se relaciona com a Revolução e a Contra-Revolução.
Quando a alma se forma assim e está povoada de cogitações dessa natureza, ela compreende muito bem como é fácil cair e perder tudo isso. A noção de sua própria precariedade e debilidade a invade completamente; e percebe que as outras pessoas também têm fragilidades.
Prestando atenção nas fisionomias dos outros e notando os defeitos deles, ela aplica o provérbio espanhol: “Piensa mal y acertarás!3”
Todo homem, quando não conta com a graça nem se beneficia dos sacramentos, está cheio de misérias. E, mesmo recebendo a graça, se ele não vigiar o tempo inteiro, cai; esta vida deve ser de vigilância contínua, pois não amamos o bem que temos em nossa alma se não temos continuamente o medo de perdê-lo.
E esse medo de perdê-lo nos põe num combate incessante, de todos os momentos, que começa pelo discernimento e pela vigilância: tal coisa é má, tal outra é boa; essa é verdadeira, aquela é falsa.
As coisas boas, verdadeiras, belas, formam entre si grandes cortejos excelentes, coerentes e bonitos. E as más constituem vastas confederações do mal, prontas a cercar o homem e a perdê-lo a todo momento. Constantemente tenho que estar com os olhos abertos para o meu inimigo; e meu principal inimigo sou eu mesmo. Esta é a posição normal e verdadeira do homem.
Como perceber a Revolução tendencial?
Sendo a pessoa assim, quando se lhe apresenta uma coisa revolucionária, ela tem faro para perceber e a recusa. Por exemplo, a dona de casa rejeita a cesta extravagante para colocar o frango e os legumes, porque sente que tal objeto é revolucionário.
Em sentido oposto, por pouco de bem, de verdade, de beleza que note numa coisa, ela se deixa atrair, abre intencionalmente sua alma, para haurir aquilo, porque quer.
De maneira que em todos os instantes de sua vida o homem está rejeitando o mal e diminuindo as áreas do mal em torno de si, bem como haurindo o bem e aumentando as áreas do bem em seu entorno.
Vivendo desse modo, o homem não é um boneco da Revolução ou da Contra-Revolução tendenciais. Ele se guia por sua inteligência iluminada pela Fé, por sua vontade robustecida pela Fé, pelo seu desejo do pulchrum, que decorre da reta ordenação da inteligência e da vontade; é um homem no sentido pleno da palavra.
Os homens deveriam ser assim. No Reino de Maria, o comum dos homens será de bons católicos; enquanto isso não se der, não haverá Reino de Maria. Devemos, portanto, compreender que a impostação normal do homem é essa.
Gloriosa coorte dos homens que fazem História
Esse é o perfil verdadeiro do homem que, colocado diante da Revolução tendencial, fareja as coisas revolucionárias e as rejeita. E, posto diante da Contra-Revolução tendencial, fareja as coisas contra-revolucionárias e por elas se entusiasma. Tal homem não é joguete da História. Pelo contrário, ele participa da gloriosa coorte dos homens que fazem a História!
O tema que desenvolvi é indispensável para não fazermos uma ideia falsa a respeito do alcance de todas as subtilezas da Revolução e da Contra-Revolução tendenciais.
(Extraído de conferência de 9/11/1984)
1) Ver primeira parte do artigo na edição anterior.
2) Ver “Dr. Plinio”, n. 146, maio de 2010, p. 20
3) Pensa mal e acertarás.