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Dona Lucilia e a questão R-CR

Se a Revolução influencia as tendências de modo a gerar posteriormente sofismas, em sentido contrário, Dona Lucilia agia nas tendências de seu filho de maneira que, mais tarde, este pudesse explicitar a verdade e desvendar, assim, toda a trama revolucionária.

Para se entender como Mamãe via a problemática ­R-CR é necessário ter como pressuposto natural que ela não foi senão uma dona de casa.

Qual a posição de Dona Lucilia ante o problema R-CR?

Pelas conversas e pelos comentários dela a respeito dos fatos, notava-se que ela não possuía propriamente uma visão definida e clara da Revolução e da Contra-Revolução.

Ela sempre teve uma posição de recusa à Revolução, mas ela não via a Revolução em seu conjunto de fatos armados, lógicos e claros. O problema se lhe punha ao comparar a ordem do mundo em seu tempo de mocinha, ou dos pais e parentes que lhe pareciam ser modelos de virtude, com o mundo hollywodiano que chegava.

Porém, não se pode disso deduzir que ela tivesse uma visão concatenada e profunda da Revolução e da Contra-Revolução como eu tenho hoje. Se fosse possível dar-lhe essa visão a esse respeito eu o teria feito. Mas, o horizonte de uma mãe de família daquele tempo não comportava isso, nem era próprio ao espírito feminino andar desembaraçadamente por essas temáticas.

Profundo sentir da transcendência das coisas

Ela possuía, de fato, um feeling1 profundo da transcendência das coisas, que não sei bem se não era um sentir do sobrenatural, o qual chamava a atenção dela cotidianamente e dentro do qual ela vivia imersa. A respeito disso ela falava pouco, mas sempre que me aproximava dela eu sentia intensamente que seu espírito estava posto nessa zona transesférica ou sobrenatural.

O modo pelo qual ela via o mundo, as relações humanas e todos os fatos que se passavam em torno dela, ajudaram enormemente a formar meu espírito, nem tanto por um conselho formal, mas sobretudo pela influência de seu modo de ser. Este estado de espírito serviu-me de padrão para discernir nas coisas que sentia o que era a realidade mais alta, mítica e transesférica, e, portanto, conforme as cogitações dela. Ela foi, em larga medida, a chama que acendeu minha alma nesse ponto.

A seriedade e o valor moral dela provinham desta sua alta visão das coisas, pela qual ela via em qualquer ação boa um grande mérito. Mas também, em qualquer ação má, uma enorme vergonha. Por isso, durante toda a vida, ela foi muito atenta em analisar o que as coisas tinham de bem ou mal, verdade ou erro, belo ou feio.

Por isso, ela possuía uma atitude de alma que causava um irremediável desentendimento entre ela e algumas tendências que o mundo moderno ia tornando cada vez mais acentuadas em muitas pessoas da família.

Incomparável intérprete da Santa Igreja

Quando meus olhos começaram a se abrir para a Igreja Católica, pelo favor de Nossa Senhora, vi desde logo que ela era divina e infalível, e aceitei-a como tal.

Nessa compreensão Dona Lucilia teve um importante papel, pois percebendo inúmeras afinidades entre a alma dela e o espírito da Igreja eu compreendi muita coisa da Igreja por aquilo que eu conhecia de Mamãe.

Também logo se tornou claro em meu espírito que o padrão da verdade não era Mamãe, mas sim a Igreja. Porém, muitas das explicações sobre a Doutrina da Igreja eu entendia porque interpretava à luz do que eu via em Dona Lucilia e aprendia dela. Quer dizer, ela foi uma intérprete incomparável da Igreja para mim.

Cumprido o maior dever de mãe

Minha seriedade de alma se deve em larga medida a ela. Caso eu não tivesse conhecido a Igreja, eu teria jogado isso tudo pelo caminho. Pois foi a Fé que me robusteceu nisso, espero em Nossa Senhora que definitivamente.

S. Hollmann
Santo Agostinho e Santa Mônica – Real Colegiata de Nossa Senhora de Roncesvalles (Navarra).

Mas, se a Fé teve tanta eficácia foi porque — como uma mãe ideal — Dona Lucilia preparou-me de modo incomparável para recebê-la. Este é, segundo a Doutrina Católica, um dos mais importantes deveres das mães, o qual ela cumpriu eximiamente.

Modelo de verdadeira amizade

Dentre as inúmeras coisas que aprendi dela, estão as seguintes:

A prestatividade é um dos sinais da amizade, mas não é sua substância. A substância da amizade é a atração cheia de benevolência, produzida pela semelhança. Semelhança que deve ser segundo Deus, do contrário é inútil. Esta semelhança produz uma afinidade e uma benevolência que se explicam pelo princípio: “omnes ens apetit sum esse” — cada ser ama seu próprio ser — e, portanto, ama aquilo que é semelhança dele. Esta benevolência comporta uma ternura e um afago que levados a fundo, como era levado entre ela e eu, podem chegar a um grau supereminente que desabrocha em compaixão e paciência.

A compaixão, por sua vez, leva à contemporização e ao perdão. Foi por ela que Santa Mônica, apesar dos maiores desatinos do filho, não deixou de querê-lo bem e esperar seu retorno como o do filho pródigo. Essa benevolência, não basta descrever teoricamente para compreendê-la; é preciso tê-la sentido.

Não pude deixar de lembrar-me de Mamãe quando li a afirmação de que Santa Teresinha considerava a amizade uma coisa tão séria que uma vez que ela a tinha dado a uma pessoa ela não rompia nunca. Ainda quando o outro lado rompesse, ela conservava suas disposições benévolas intactas, para o caso de o outro lado abrir-se de novo.

Essa longanimidade e paciência existiam em Dona Lucilia num grau inimaginável. Nela eu nunca vi cólera, ressentimento, desejo de vingança, alegria pelo mal ocorrido a alguém que a tivesse feito algum mal individualmente. Pelo contrário, o que sempre notei nela era uma completa equanimidade, não só para com as pessoas que tivessem feito mal a ela, mas também — o que para ela era mais grave — para os que tivessem feito mal a mim.

Se alguém tivesse relações muito respeitosas e cordiais com ela, mas cometesse contra mim as maiores injustiças, e depois a procurasse, ela o trataria como tratava na véspera: com tristeza, manifestando-se triste com ele, mas com o mesmo espírito afável, bondoso e acolhedor.

Este seu estado de espírito era tal que creio que se hoje, por absurdo, essa pessoa passando diante da sepultura dela encontrasse alguém rezando lá e lançasse contra ele toda espécie de injúria, eu não tenho a menor dúvida de que ela pediria a Nossa Senhora que desse uma graça e tocasse a alma dele. Chegando até este extremo de, com muita tristeza, mas com meiguice, ainda querer advogar a causa dele.

Dona Lucilia aos 16 anos.

Intransigente quanto aos princípios

Dela também aprendi a intransigência, pois ela a tinha muito. Sua irmã mais nova, chamada Zili, costumava dizer que ela era uma “teimosa mansa”. Nunca ela era teimosa com coisas pessoais, pois quando era algo de interesse próprio ela cedia com toda facilidade. Porém, quando se tratava de defender um princípio, ela era implacável!

Mestra da admiração ao próximo

Também ela me ensinou o modo de admirar as pessoas. Era muito raro ela fazer um comentário malévolo em relação a alguém. Criticar alguém por ter adotado uma posição revolucionária era muito incomum; via-se que ela tomava atitude de descontentamento, mas só a vi criticar alguém quando era para abrir meus olhos ao mal que essa pessoa poderia me fazer.

Nobilitada pelos sofrimentos

Dentre todos esses exemplos que via nela, o que mais estava acentuado era sua atitude diante da dor.

Sua vida foi muito cheia de sofrimentos. Já moça, tardou muito em se casar; o normal era que toda moça se casasse, e cedo.

A substância da amizade é a atração cheia de benevolência, produzida pela semelhança.

Ela temia que, morrendo o pai dela, a vida da família toda mudasse e ela ficasse como uma solteirona, o que naquele tempo era uma coisa inconcebível. Ela chegou a pensar em ficar freira, mas ela não tinha verdadeira vocação religiosa. Meu avô disse isso a ela, mas deixou-a livre para escolher. Mas a confiança que ela possuía no pai fazia com que sua opinião fosse decisiva.

Após ter se casado, durante muito tempo viveu entre a vida e morte, a tal ponto que teve que ir à Alemanha para submeter-se a uma dolorosa e arriscadíssima operação. Diante de todos os sofrimentos, ela aceitava a dor como sendo um fator que enobrece a vida. Para ela, quem não sofreu não viveu, pois o normal da vida é sofrer, e fazê-lo com paz, suavidade e ânimo. Ser derrotado nos acontecimentos da vida não é nada se, dentro desses acontecimentos, se toma as atitudes que devia, enfrentando-os sem se incomodar. A aceitação desses sofrimentos, de fato, trouxe para ela uma extraordinária nobilitação, dando-lhe, no fim da vida, o aspecto de uma matriarca sumamente venerável, respeitável e doce, que encantava todos que a conheciam.

Perfeita contrarrevolucionária tendencial

Outro aspecto da formação que recebi de Dona Lucilia é o seguinte: por causa dessa elevação de alma dela, eu me dei conta de que se eu aceitasse qualquer dos postulados da Revolução, que iam surgindo, eu tomaria, pela lógica que há nas coisas, uma posição de alma contraria à elevação de espírito dela. Ainda quando se tratasse de matérias, princípios e problemas que ela nem sequer conhecia. Mas a alma dela era tal que, como que, vivia por cima de toda esta temática, e embora não a conhecesse inteiramente, por eminência continha a Contra-Revolução.

Desta forma era incompatível com aquela elevação que havia na alma dela quem aderisse à Revolução; e mesmo quando se aceitasse somente algumas de suas teses, isso pressupunha uma fratura com o estado de espírito de Dona Lucilia. Vista por esse ângulo, a Contra-Revolução estava presente nela.

Esta elevação de espírito que havia em Mamãe teve grande papel no fato de eu rejeitar as tendências revolucionárias que surgiam.

No campo das ideias nunca vi Mamãe aceitar uma posição revolucionária, mas ela não as compreendia com toda a profundidade, mas tendencialmente Dona Lucilia foi profundamente contrarrevolucionária.

(Extraído de conferência de 29/11/1981)

1) Sensibilidade.

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