Comentando a imponente e aconchegante catedral de York, Dr. Plinio procura ensinar a arte de saborear belezas subtis que, à primeira vista, podem causar certo choque; mas por isso mesmo, quando bem compreendidas, são motivo de ainda maior admiração.
Gostaria de comentar uma catedral bastante conhecida, porém não célebre. Ao menos não me parece que o seja. Esta catedral é de York, na Inglaterra, cidade conhecida no mundo inteiro, sobretudo pelo fato de seus habitantes terem fundado a Nova York, nos Estados Unidos; mas também por ser uma cidade muito importante na vida cultural, política e econômica da Inglaterra.
É preciso saber saborear
A catedral apresenta algumas características que, à primeira vista, impressionam pouco, e cuja beleza é preciso saber saborear.
Por exemplo, a torre sem ponta. O gosto pelo princípio de unidade e transcendência nos levaria a desejar que a torre central terminasse bem mais alta, devendo ser constituída por uma série de lances menores, terminando com uma ponta altiva e elegante.
Belíssima catedral, construída por almas católicas, a fim de abrigar as orações do fiéis feitas junto ao Santíssimo Sacramento, aos pés das imagens de Nossa Senhora e dos santos.
Se analisarmos a construção que está ao lado — provavelmente deve ser a sala capitular —, com uma ponta cônica, veremos como a ponta a torna bonita. Mas, na torre central não há ponta.
Considerando ainda as duas torres do fundo, as quais não têm ponta, vemos que nos ângulos delas estão flanqueados florões que causam à primeira vista a impressão de torreões.
Onde está a beleza dessa torre assim? Não se diria tratar-se de uma torre inacabada, portanto, não tendo toda a beleza sonhada pelo arquiteto?
A poesia do cone inexistente
A resposta, a meu ver, é a seguinte:
Assim como o Fujiama tem sua beleza própria por não ter cone, há qualquer coisa nessas torres que faz sonhar vagamente numa ponta que não existe. Assim como na ordem da natureza as sombras têm sua beleza, e, às vezes, são mais belas do que a realidade, assim também os cumes e as pontas que não existem, quando o que está embaixo é feito com talento, ficam insinuados. E, por essa insinuação, qualquer um pode formar uma ideia, ainda que vaga e subconsciente, daquilo que não existe.
Então, nas duas torres do fundo, há algo que ajuda a imaginação a se elevar até o cone. Na torre do meio não: é rasa mesmo! Mas, de fato, prestando atenção, desprende-se dela uma certa poesia: é a poesia do cone inexistente!
Aconchego do convívio íntimo entre as pedras
Eu queria chamar a atenção para outro aspecto da questão.
Observando a catedral, vê-se ser toda ela, por assim dizer, imbricada dentro de um casario, o que se nota, sobretudo, no tocante à peça mais avançada, octogonal, a qual está quase imersa no meio de um emaranhado de dependências da catedral e de casas que estão ao seu redor. Próximo desta está um arvoredo; este também está um pouco entrelaçado com as construções.
Aí se nota o contrário do urbanismo moderno, no qual nada é entrelaçado. Segundo esta concepção, se deveria derrubar todo este casario, para com isso a catedral ficar à vista de todos os lados; naquela área se faria uma praça vazia com gramado, e esse casario, se existisse, deveria existir para longe.
O resultado é que se perderia algo da sensação do aconchego do convívio íntimo entre pedras diferentes.
Note-se também que tais casas são um tanto ligadas umas às outras, sem nada de muito ordenado. Porém, formam um todo agradável e interessante, diferente do perpétuo quadrilátero, ou então do sinuoso, artificialmente poético, das ruas das cidades modernas. Este conjunto formado em torno da catedral causa a impressão de um urbanismo vivo.
Fruto de almas católicas
Hoje a catedral não é católica, mas foi construída por almas católicas, para orações católicas se erguerem daí de dentro, junto ao Santíssimo Sacramento, e aos pés das imagens de Nossa Senhora e dos santos.
A beleza da ogiva e da harmoniosa galeria lateral dá-nos uma ideia de dignidade, de majestade, de recolhimento. Tem-se impressão que a forma da ogiva ajuda as orações a se levantarem ao Céu, até o trono de Deus.
Acho de uma harmonia, de uma distinção e de uma beleza admirável essa catedral, e de um equilibro extraordinário.
Chama a atenção a beleza da pedra, de um colorido que dá a impressão de ser feita de uma espécie de mel claro, de um tom parecido com o da madeira.
Na entrada do coro vê-se uma sucessão de nichos, e entre cada duas colunas um santo; essa parede separa a nave central do coro. Nas asas laterais é muito bonito ver aqueles maços de colunas que se entreveem, e em cima, a construção que não chega até o teto, mas termina com uma balaustrada de colunetas góticas. Todo esse conjunto é uma verdadeira obra-prima de bom gosto e arte.
(Extraído de conferência de 22/5/1985)