Há pessoas ruins que adquirem uma espécie de agudeza de vistas com a qual conseguem reconhecer seus congêneres à distância. Esta união entre os maus acentua suas características, e tal acentuação, por sua vez, engendra o ódio aos bons. Este ódio concita à luta, ao proselitismo e à combinação de esforços que, articulados, resultam numa organização. Estas são observações feitas por Dr. Plinio com base em alguns escritos de São João Bosco.
“Cruzado Español” honra-me reproduzindo em suas colunas boa parte de meu estudo sobre Revolução e Contra-Revolução. Tal publicação fez-me ver que o assunto interessa aos leitores da citada revista. Assim é que me proponho, na presente colaboração, tratar — embora ligeiramente — duma questão intimamente relacionada com o tema de meu estudo, mas que, pelo amor à brevidade, não desenvolvi tanto quanto seria meu desejo.
Entrarei na matéria de um modo talvez um tanto inesperado.
Folheando escritos de São João Bosco1, encontrei a seguinte curiosa observação:
Primeiramente, no que se refere aos maus, direi apenas uma coisa, que talvez pareça inverossímil, mas que é verdade certa, tal qual a digo: suponhamos que entre 500 alunos de um colégio haja um de vida depravada; chega depois um novo aluno, também pervertido; são de regiões e lugares diferentes, até de nacionalidades diversas, estão em cursos e lugares diferentes, nunca se viram nem se conheceram; apesar de tudo isto, no segundo dia de estadia no colégio, e talvez após algumas horas, vê-los-eis juntos durante o recreio. Parece que um espírito mau os faz adivinhar quem está manchado de seu mesmo negrume, ou então é como se um ímã demoníaco os atraísse para travar íntima amizade. O “dize-me com quem andas e te direi quem és” é um meio facílimo de dar com as ovelhas sarnentas, antes que se transformem em lobos rapaces.
Testemunho de observador tão veraz, experimentado e competente em assuntos pedagógicos, não pode ser posto em dúvida.
No entanto este testemunho põe-nos em presença de um fato que não é difícil observar mesmo entre adultos, tanto nos episódios rotineiros da vida quotidiana, quanto nos grandes acontecimentos históricos. Quando o mal chega a certo nível de profundidade nas almas, estas ficam dotadas de uma agudeza de vistas que lhes permite, através de indícios que a outros poderiam parecer insignificantes, chegar a reconhecer de longe a seus congêneres. A tal agudeza de vistas junta-se uma outra peculiaridade: uma recíproca atração que os une rapidamente, em íntima convivência, apesar das muitas circunstâncias que os possam separar: diferença de origem, de idade, etc. É fácil verificar como da conjunção de elementos de tal índole origina-se, naturalmente, um grupo e até uma corrente que funciona como um tumor que destila veneno.
Revolução: fruto da união entre os maus
Na intimidade do grupo forma-se, pela recíproca emulação, um ambiente diametralmente oposto ao ambiente geral em que se encontram.
Tal diversidade engendra, necessariamente, antipatias, fricções, ódio contra a maioria. Tal ódio poderá conservar-se encoberto, por motivos de convivência, mas, em alguns casos a própria necessidade de calar aumentará sua virulência.
Quem se sente mal num ambiente, pugna por modificá-lo. E, ao defrontar-se com obstáculos, pugna para eliminá-los — é uma consequência forçosa. Se estes obstáculos não se deixam eliminar passivamente, dão lugar à luta.
É natural que um núcleo de maus não somente atraia a seus congêneres pela força de imantação tão acertadamente descrita por São João Bosco, senão que, também, pela tendência à expansão, inerente a tudo quanto é intensamente vivo, assim como pela necessidade de recrutar soldados para a luta, procure aumentar o número de seus adeptos.
A conjugação de esforços resulta de um imperativo natural, que não requer nenhuma exemplificação.
Elementos ligados entre si permanentemente, por afinidade profunda de mentalidades, identidade de objetivos e íntima conexão de esforços, não tardarão em elaborar um sistema ideológico, um programa e uma técnica de ação comuns, e a constituir um órgão diretivo. Neste momento estará traçado o itinerário que vai do simples fato da existência de alguns “maus” que se intuem reciprocamente e se põem em contato, até à formação de uma associação. Oculta, semioculta ou declarada, esta associação se propõe ao combate em todos os terrenos — ideológico, artístico, político, social, econômico, etc. — para a conquista de seus objetivos. Numa palavra, faz Revolução.
União que poderá ocasionar o fim de uma era histórica
A causa motriz de toda esta sucessão de fenômenos é o ódio ao bem, engendrado pela perversão, quando esta atinge certo nível de profundidade.
Entre 500 alunos de um colégio, dois que sejam de vida depravada, embora oriundos de regiões e lugares diferentes, vê-los-eis juntos durante o recreio. É como se um ímã demoníaco os atraísse para travar íntima amizade.
Insisto em tal asserção. E sei que, quando a perversão alcança tal nível de profundidade desperta essa misteriosa capacidade de detecção e atração mútuas que São João Bosco descreve e que constituem o ponto de partida inicial de toda Revolução organizada. Um grande número de pessoas simpatiza com os bons e, se cometem algum pecado, fazem-no com vergonha e tristeza. De gente assim, enquanto não caia muito moralmente, não há de se recear uma conjuração. Noutros a perversão chega a atacar profundamente a humildade, até o ponto de ocasionar uma cínica indiferença ante o pecado e até uma rebelião contra os bons e o bem. E não se diga que o ser racional é incapaz de odiar o bem.
Convém recordar aqui os “distingos” que o assunto comporta. Recordemos, de passagem, que, se isto fosse pura e simplesmente assim, os anjos maus não teriam odiado a Deus, que é o Sumo Bem. Além disso, tal aversão pode consistir simplesmente numa antipatia. Pode esta, pois, engendrar incompreensões, fricções, incidentes, sem por isso dar origem a uma conjuração ou a uma luta, mas casos há que demonstram um estado de espírito muito mais agressivo.
Em tal sentido, o ódio de Caim contra Abel parece-me característico, mais ainda o do Sinédrio contra Nosso Senhor.
Passando deste fato excelso para um fato contemporâneo, lembro-me de uma notícia que li recentemente. Nos Estados Unidos um grupo de moças agrediu uma jovem colega, reduzindo-a a um estado físico deplorável. Interrogadas pela polícia, as delinquentes declararam que não tinham nenhuma queixa pessoal contra a vítima. A única razão de sua atitude agressiva foi que aquela colega era tão exemplar em seus estudos, em seu comportamento e em sua indumentária, que o mero fato de sua existência tornava-se insuportável às agressoras.
Se imaginamos tal estado de ânimo, observado não em fúrias sem inteligência nem serenidade, mas em pessoas equilibradas, ponderadas e tenazes, teremos chegado à descoberta daquilo que origina uma pujante e perigosa associação, que poderá ocasionar o fim de uma era histórica.
O mal mais sutil fica atraído, hipnotizado e dominado pelo mais intenso
Quase todas estas considerações são bastante conhecidas, pelo menos quando consideradas individualmente. Mas, em geral, elas se apresentam ao espírito confusas e isoladas. Postas a nu e reunidas dentro de um corpo de doutrinas e observações, sob a forma de rasgos correntes e unidos, entrevemos algo de novo. Demonstrarei, em poucas palavras, no que consiste este algo.
Pelo que vimos até agora, dois aspectos do mal foram postos em evidência. Um engendra a Revolução. E o outro, diante da presença do fenômeno Revolução, a que atitude induz?
Pelo mesmo princípio de atração do mal pelo mal — similis simili gaudet —, que é a explicação profunda do fenômeno tão agudamente observado por São João Bosco, se depreende que o mal mais sutil fica atraído, hipnotizado e dominado pelo mais intenso. Assim se explica que as correntes moderadas da Revolução nunca lutam séria e duradouramente contra as correntes extremas. Os girondinos, no século XVIII, os partidários da monarquia parlamentar inglesa no século XIX, os partidários de Kerensky no século XX, situados frente à Revolução, acabaram cedendo sempre, ainda quando lutaram com as armas na mão contra ela e a venceram temporariamente.
Assim, a burguesia francesa venceu a Comuna de Paris, e segundo as aparências opôs um dique à Revolução. Mas, assumindo o poder, essa mesma burguesia favoreceu o desenvolvimento do processo revolucionário. Mais ainda: postos entre a Revolução e a Contra-Revolução, os revolucionários moderados flutuam, em geral, tratando de pleitear conciliações absurdas. Mas, por fim, favorecem sistematicamente a primeira contra a segunda.
As elites decadentes adoecem deste mal…
No entanto, como se explica isto, quando tantas vezes os mais altos e mais patentes interesses econômicos, as distinções mais honrosas, a formação tradicional mais profunda, os motivos de parentesco e amizade mais imediatos e ternos, deveriam induzir os “moderados” a aliar-se com a Contra-Revolução? Quantos foram, nas fileiras dos “moderados”, os homens de talento que dispuseram de todos os recursos intelectuais para ver que suas perpétuas capitulações os iam arrastando ao abismo, e com eles toda a sua descendência e, não obstante, foram cedendo, sistematicamente, como se esse mesmo abismo fatalmente os fascinasse?
Responder a esta pergunta é explicar a causa mais essencial das vitórias sistemáticas dos extremistas nos processos revolucionários, pois estes foram sempre, ou quase sempre, pouco numerosos, pouco brilhantes ou de parcos recursos financeiros. Suas vitórias, na maior parte dos casos, foram devidas à timidez, à cegueira, à resignação dos “moderados”, geralmente ricos, influentes, numerosos e, invariavelmente, à disposição deles, preferindo tudo a apoiar seriamente as hostes da Contra-Revolução, em geral também pouco numerosas, pobres, etc.
Sem dúvida alguma, a inércia e o medo são características das classes ricas e explicam, em parte, este fenômeno. Para nós, porém, não explicam tudo. Pois, de um lado, nem todas as classes ricas são vacilantes e medrosas. Por exemplo, não adoeceu deste defeito a nobreza europeia na época das Cruzadas e da Reconquista. São, pois, as elites decadentes que adoecem deste mal.
Mas, o medo das elites decadentes não explica tudo. É notório que, se de um lado revelam ter medo do extremismo revolucionário, de outro é também de modo manifesto que emitem ideias passageiras e involuntárias de simpatia em relação ao citado extremismo. Por outro lado, em relação ao radicalismo contrarrevolucionário não manifestam medo, mas sim uma antipatia sistemática e mal velada.
Além disso, esta simpatia e antipatia, tão estáveis e impulsivas, têm de desempenhar forçosamente um papel que seria um erro subestimar, ao se levar em conta a atitude dos revolucionários “moderados”. Isto posto, como se explica essa simpatia? A que obedece? Os “moderados”, aparentemente tão apegados ao dinheiro, à saúde e aos prazeres do espírito revolucionário, somente temem alguns poucos contágios. Será que eles, neste caso, são idealistas abnegados (no mau sentido da palavra, é claro)? As aparências diriam que não. Mas os fatos, bem observados, demonstram que de certo modo o são e que esse “idealismo” desempenha um profundo papel na sua psicologia e nas suas atitudes. De que modo?
Simpatia subconsciente pelo mal
O espírito revolucionário comporta uma grande deformação doutrinária e moral. E isto apesar de coexistir, em muitos casos, com costumes incontaminados e uma indiscutível probidade nos negócios. São Pio X, na Encíclica Pascendi, fez notar este ponto no que se refere aos modernistas. Quem tiver este espírito, ainda que seja por participação, incorpora-se à misteriosa dinâmica do mal, descrita por São João Bosco. O espírito revolucionário, em sua forma moderada, se não suscita aquela capacidade de mútuo conhecimento e de articulação dinâmica, produz um fenômeno análogo, mas mais franco. Este fenômeno é uma antipatia profunda, ainda que discreta e sutil, contra tudo aquilo que se opõe à Revolução.
Tal antipatia tem de particular o fato de que quase nunca se engana e que qualquer manifestação do espírito contrarrevolucionário, ainda que sutil e velada, é por ela discernida, rechaçada e até hostilizada. É por isto que, sem chegar a tomar a iniciativa de sacrificar seus interesses em prol da Revolução, aceita sem protestos este sacrifício, e talvez se console com ele, pelo simples fato de que sua profunda antipatia para com a Contra-Revolução fica satisfeita com os progressos da Revolução.
O fenômeno simpatia e antipatia, tão estáveis e impulsivas, desempenha um papel que seria um erro subestimar, ao se levar em conta a atitude dos revolucionários.
O fato é espantoso. E seria até para não se acreditar se não fosse patente no mundo inteiro. Quantas estirpes aristocráticas ou burguesas há, destruídas e expulsas pela Revolução, que renunciam a qualquer luta e vivem resignadas e quase alegres, numa situação obscura e quase proletária, perfeitamente integradas no mundo revolucionário do qual são vítimas!
Escrevendo isto penso em numerosos exilados russos, e mais particularmente em tantos clérigos cismáticos que não se preocupam com outra coisa que não seja algum acordo com o comunismo. Desalento? Em parte, sim. Mas desalento sem rancor, quase alegre, no qual se vê claramente o sorriso de uma secreta simpatia, talvez até subconsciente. De onde se vê bem que não é o interesse que dirige a História, e que esta não é primordialmente um conflito de interesses senão de princípios, uma luta entre a Verdade e o Erro, entre o Bem e o Mal, entre a Luz e as Trevas.
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Qual é o papel do demônio nesta luta? Ou, ao menos, qual sua ação no fenômeno descrito por São João Bosco?
No texto citado, o Santo admite claramente como plausível a ação preternatural. De nossa parte, estamos persuadidos de que esta é imensa. Mas esse aspecto do problema não faz parte do tema deste artigo, no qual quisemos esboçar brevemente os contornos psicológicos de ordem natural, que operam por si próprios, mas sobre os quais o demônio pode ter influência e atuar com frequência e com terrível eficácia, para fazer dos homens instrumentos e vítimas da Revolução, da qual ele foi o primeiro fautor e continua sendo o fator principal.
(Extraído da revista “Cruzado Espanhol” de 15/4/1966)
1) Biografia SDB, B.A.C., Madrid, 1955. pp. 457 e 458.