Pela via da inocência, São Luís atingiu um elevado grau de santidade. Em meio aos prazeres da corte, ele permaneceu resoluto em seu desejo de fazer-se religioso, pois nada de terreno o atraía.
A “Vida de São Luís Gonzaga1”, de autoria do Padre Virgílio Cepari, o qual conviveu durante largo tempo com o santo, traz trechos bastante interessantes. Passemos a comentá-los.
A Marquesa Castiglioni, Dona Marta Tana de la Róvere, sentia um desejo muito vivo de ter algum filho que servisse a Deus como religioso. Perseverando neste desejo, pedia com frequência a Nosso Senhor que lhe concedesse essa mercê.
Não é algo novo que um filho tão santo e desejado com tanto zelo tenha sido fruto não menos das orações que do ventre da mãe. Ana, mãe de Samuel, sendo estéril, pediu a Deus um filho que servisse no templo, e logo o obteve. São Nicolau Tolentino foi fruto das orações de sua mãe estéril; São Francisco de Paula nasceu de pais estéreis, que o obtiveram depois de um voto; e outros mil exemplos disto.
As grandes obras nascem das orações
É preciso notar de passagem, embora o que vou dizer não se refira à biografia de São Luís, o comentário que esse padre está fazendo. Se os filhos eleitos, com frequência, nascem das orações dos pais, também é verdade que as obras e frutos preferidos dos homens que se consagram a Nossa Senhora, e que não vão ter filhos, nascem de suas orações. Assim como uma mãe que quer ter um filho reza a Deus para obtê-lo, também uma pessoa que abrace o estado de celibato pode rogar a Nossa Senhora: “Eu vos peço que a fecundidade da minha vida seja tal obra.”
Às vezes, Deus faz com que uma longa esterilidade tenha depois como consequência um nascimento tardio, esplêndido, que longos anos de espera fizeram germinar. Isso se dá com o apóstolo, que pode passar longo tempo estéril nas suas ocupações, mas em determinado momento o “filho” nasce.
Devemos rezar intensamente a Nossa Senhora para que Ela dê a nossas vidas essa forma de fecundidade, que vale mais do que ter “n” filhos.
Belo exemplo de disciplina conjugal
Quando chegou o tempo do parto, foram tais as dores sofridas pela Marquesa que ela esteve a ponto de morrer, sem poder dar à luz a criatura. A boa senhora mandou chamar o Marquês, e pediu licença para fazer voto à Rainha dos Céus; de muito bom grado, o Marquês assentiu, e ela fez voto de ir pessoalmente, se escapasse com vida, visitar a santa Casa de Loreto, levando consigo o menino, se ele também sobrevivesse.
Que bonito exemplo de disciplina conjugal! Ela manda chamar o Marquês e lhe pede licença para fazer a promessa.
Batizar tão cedo quanto possível
Feito o voto, cessou o perigo e em pouco tempo nasceu o filho. Porfiavam ainda os médicos que não era possível que o menino ficasse vivo, e o Marquês instava a que se procurasse salvar a alma do filho; a experimentada parteira, logo que viu o menino o suficiente para poder receber a água do Batismo, antes que nascesse totalmente batizou-o.
Uma criança em vias de nascer, estando apenas com a cabeça de fora do claustro materno, pode ser batizada. Dir-se-ia que esse fato não tem importância nenhuma porque a criança ainda não tem uso da razão; portanto não pode pecar nem rezar, e não é capaz de atos de virtude ou viciosos. Assim, não há razão para esse açodamento.
Sem culpa da criança, mas por artes do demônio, este pode adquirir maior influência sobre ela durante o tempo em que ainda não é habitada pela graça de Deus. Portanto, há vantagem em batizá-la quanto antes, para evitar isso.
Faço essa afirmação com base num cerimonial da Liturgia católica: em certas Missas solenes, o padre começa por incensar o altar. O povo acha que é um ato de reverência do sacerdote para com o altar. De fato, tem esse sentido e também outro mais profundo: é o de exorcizar o altar, expulsando o demônio que ali possa estar. Se o demônio pode ficar junto a um altar consagrado, em que todos os dias se rezam várias Missas, não poderá estar exercendo uma ação sobre uma pobre criança inocente, que repercutirá durante sua vida inteira?
O açodamento do Marquês era para evitar que a criança morresse antes do Batismo e fosse para o Limbo. A alegria do pai se deve ao fato de que, desde muito cedo, a criança fora habitada pela graça.
Para maturar, São Luís foi mandado para o exército e não para o jardim da infância
O Marquês quisera que seu filho fosse soldado como o pai; com este fim, tendo ele quatro anos, mandou fazer uns arcabuzes e outras armas tão pequenas que o menino pudesse carregá-las.
Quando se preparava a armada contra Tunes, o Marquês levou consigo Luís ao local onde deveriam se reunir, para que tomasse gosto pelas coisas de guerra.
Fazer um menino de quatro anos frequentar o ambiente militar pode parecer um excesso, mas, ao contrário, é uma coisa esplêndida.
Hoje em dia, as crianças são colocadas no jardim de infância, e acabam numa espécie de infância a vida inteira. Quando se quer que a criança mature, não se deve pô-la em jardim de infância, mas em jardim de adultos. Maturar é o próprio da criança. Em vez de colocá-la em estágio superior, onde ela procure acelerar sua busca de um estado mais alto, atualmente se faz o contrário: uma educação para comprimir. E quando termina o jardim de infância, o menino é educado junto com as meninas: a coeducação. Há o risco de ele se tornar um elemento híbrido, nem adulto nem infantil e de espírito nem másculo nem feminino. São Luís, portanto, foi mandado não para o jardim de infância, mas para o exército.
Nos dias em que havia desfile militar, o Marques fazia seu filho ir à frente das tropas, com as pequenas armas que mandara fabricar.
Podemos imaginar que encanto: um menino que tinha uma alma de lírio, marchando ufano à testa de uma tropa maravilhada pela vista do filho do Marquês de Castiglione!
Uma vez, estando o Marquês fazendo sesta, e dormindo também outros soldados, Luís tomou pólvora dos frascos dos soldados e ele, sozinho, carregou um canhão pequeno que estava no castelo, e atirou. O Marquês acordou com o estrépito e, temendo alguma revolta dos soldados, quis saber o que tinha acontecido.
Que Marquês de truz! Não era um homem amolecido, e logo teve uma desconfiança: os soldados estão revoltados…
São Luís Gonzaga foi educado na gravidade que se deve atribuir a todas as coisas
Tinha aprendido, pelo trato em conversação com os soldados, a empregar algumas palavras livres e descompostas que eles de ordinário empregam. Um dia seu preceptor o repreendeu por causa disso. Desde aquela hora nunca mais saiu palavra descomposta de sua boca e, se escutava a outros dizê-las, baixava os olhos de vergonha, ou virava o rosto.
Sabemos que nem sempre a linguagem dos ambientes militares é a mais pura e elevada possível. E o menino aprendeu umas tantas palavras peculiares ao palavreado militar, que não faziam parte da linguagem da casa de família.
Naquela época um príncipe viajava muito. Imaginemos o menino numa carruagem, com seu preceptor e um séquito de gentis-homens que o acompanhavam a cavalo. Só depois de ter deixado a cidade, já em pleno campo, o preceptor falou com ele. Notemos a gravidade que o preceptor atribuía ao assunto.
Os espíritos “marca jardim de infância” achariam exagerada a gravidade empregada pelo preceptor. Dir-se-ia que ele foi imprudente, pois a criança, não sabendo o significado dos termos, não fizera mal nenhum. Pelo contrário, ele revelou uma visão profunda das coisas: a palavra é tal que, mesmo quando a pessoa não sabe o que quer dizer, ela faz algum mal.
O que vem a ser escrúpulo?
Essas palavras, ditas naquela idade, são o maior pecado da vida de Luís. Doeu-se delas a vida toda, como se tivesse feito um pecado gravíssimo.
Veremos agora a humildade de São Luís; a humildade é a verdade e esta o leva a considerar esse ato como o pecado mais grave de sua vida. E aí transparece uma inocência, uma santidade, que é uma coisa de cegar.
O que houve da parte de São Luís: um escrúpulo tonto? O escrúpulo é uma deformação da alma. Na linguagem corrente se diz “tenho escrúpulo de tal coisa”, no sentido de afirmar que minha consciência, retamente orientada, me levante dúvidas sobre a liceidade de algo. O escrúpulo, no sentido próprio da palavra, não é uma dúvida varonil sobre a liceidade de alguma coisa; é um treme-treme imbecil a respeito de algo, sobre o qual não há razão para se ter dúvidas.
No caso de São Luís, não é nem podia ser escrúpulo, porque se vê que ele foi um menino admirável desde o começo, e não pode ter tido essa moleza especial que é o escrúpulo. Então, como se justifica que ele se acusasse disso?
Uma hipótese é esta: acusava-se de ter notado que essas eram palavras vulgares, sem lhes conhecer o sentido sórdido ou imoral. Mas ele as pronunciou de algum modo aderindo ao estado de espírito trivial da soldadesca. Embora não tivesse cometido um pecado contra a castidade, teria praticado uma falta que, de longe, raspava no Primeiro Mandamento.
Importância da idade da razão
Chegado aos sete anos, decidiu dedicar-se inteiramente ao serviço de Deus; de maneira que ele chamava a este tempo o de sua conversão.
Isso prova que a criança pode ter a alma já deformada muito mais cedo. E que essa mania de dizer que ela é um “anjinho”, porque não atingiu ainda a idade da razão e não pecou, é uma lorota. Pecado propriamente dito a criança não comete, enquanto não tiver a idade da razão. Mas daí a dizer que não possa ter adquirido maus hábitos, é muito diferente.
É um menino de doze anos. Vê-se que tem um organismo débil, pois está começando a se expandir, a tomar força, mas, ao mesmo tempo, com qualquer coisa de inocência, impregnada profundamente na sua pessoa, com uma resolução e força de vontade que se nota pela posição do pescoço e da cabeça. A atitude não é propriamente arrogante, mas a de quem sabe o que quer, e fará o que deve fazer.
Toda a confrontação dele com o Marquês já está anunciada nessa fisionomia: consciência inquebrantável do dever; a vontade de Deus ele a cumprirá. Nesse sentido é a continuação, nos Tempos Modernos, do guerreiro da Idade Média. Se fosse convocado para a Cruzada, não faria outra coisa senão tomar uma espada e combater.
O Padre Mucio Vitelleschi, Geral da Companhia, depõe com juramento na informação canônica que conversou um dia com Luís sobre a opinião de Santo Tomás, segundo o qual, quando o menino chega ao uso da razão, tem obrigação, sob pena de pecado mortal, de dedicar-se logo ao serviço de Deus, e encaminhar todas suas ações ao último fim; com grande sinceridade, disse este santo moço que neste ponto não tinha escrúpulo nenhum, por estar certo de que, no instante em que nele amanheceu a luz da razão, Deus o preveniu com sua graça, e com ela se tinha ele oferecido e dedicado de todo o coração.
São Tomás diz que a criança, quando chega à idade da razão, deve racionalmente, e motivada pela Fé e pela graça, resolver levar a sua vida no serviço de Deus. A primeira razão para viver é dar glória a Deus; depois podem vir outras razões.
Seria uma coisa desejável que no dia em que a criança completasse sete anos, fosse uma data especial, pois é o pórtico pelo qual ela entra na arena. Em vez de se fazer uma festa para dar a entender à criança que é um passo a mais no gozar a vida, deve-se proceder de outro modo, dizendo-lhe: “Agora você vai começar a lutar. E lutar pelo seu Senhor e Deus; pela sua Senhora, a Mãe de Deus; pela sua Mãe, a Santa Igreja Católica. Prepare-se! E faça desde já o enunciado de seu propósito: viver para servir a Deus.”
Confirmação em estado de graça
Com razão, o Cardeal Belarmino2, falando das assinaladas virtudes de Luís, chegou a dizer que provavelmente se pode crer que a Divina Providência em todos os tempos tem na sua Igreja alguns santos confirmados em graça, enquanto estão vivos. Nestes termos se expressou o Santo Cardeal: “Eu, para mim, acho que um destes confirmados em graça é nosso irmão Luís Gonzaga, porque sei quanto se passa na sua alma.”
Uma pessoa ser confirmada em graça é um dom extraordinário. Não quer dizer que ela seja somente santa, mas que Deus deu àquela santidade tal vigor que a pessoa não pecará mais. Mais precisamente, não perderá o estado de graça; não cometerá pecado mortal. É a excelsitude das excelsitudes.
Virgindade exímia
Estando um dia em oração, fez voto a Deus Nosso Senhor de perpétua virgindade.
Fala-se hoje muito pouco de virgens, e é uma coisa razoável, porque se fala pouco a respeito do que existe pouco. E quando se trata de virgens, pensa-se sempre no sexo feminino. Não se tem ideia da beleza da virgindade no sexo masculino.
Vemos aqui ser de virgindade o voto feito por São Luís.
Afirmam seus confessores, e em particular o Ilm.º Cardeal São Roberto Belarmino, que São Luís em toda a sua vida não sentiu jamais nem o mínimo estímulo ou movimento carnal no corpo, nem um pensamento ou representação lasciva na mente, contrária ao propósito e voto que fizera.
Esse fato fala muito em favor da confirmação em graça.
Ele, de sua parte, cooperou para a proteção desta rica joia com o cuidado contínuo que tinha na guarda dos sentidos, especialmente dos olhos, tendo-os sempre controlados para que não olhassem nem a mil léguas onde pudesse haver algo inconveniente.
Encontro com São Carlos Borromeu e primeira Comunhão
Em 1580, esteve São Carlos Borromeo, Arcebispo de Milão, visitando a diocese de Brescia, e chegou a Castiglione. Depois do sermão, visitou-o Luís, então com doze anos e quatro meses.
Vejamos como eram as coisas: São Roberto Belarmino, São Carlos Borromeo, São Luís Gonzaga encontram-se… Um santo conversando com outro tem muita coisa para dizer.
O menino alegrava-se de ver o Cardeal, e como sempre ouvira falar dele como de um santo, tomava suas palavras e avisos como vindos do próprio Deus. Foi então que fez sua primeira Comunhão.
Consolava-se o Cardeal de ver a tenra planta tão forte no meio dos espinhos da corte, sem indústria de hortelão, mas só com as influências do Céu.
“Indústria de hortelão” não é uma linguagem muito contemporânea. Indústria quer dizer aqui jeito, habilidade, arte. Hortelão é o jardineiro. Sem arte de jardineiro, ele era como uma planta muito viçosa.
O menino alegrava-se de ver o Cardeal, e como sempre ouvira falar dele como de um santo, tomava suas palavras e avisos como vindos do próprio Deus. Foi então que fez sua primeira Comunhão.
Decidido a abandonar o mundo…
Um dia, meditando sobre a felicidade dos religiosos, começou a pensar:
“Que grande bem o da religião! Estes padres estão livres dos laços do mundo, afastados de ocasiões de pecar. Por que estranhar que estejam alegres e sem medo, nem sequer da própria morte, do Juízo e do Inferno, se trazem sempre a consciência limpa? E eu, por que não adoto para mim um estado tão feliz?”
Segundo ele narrou, depois de ter-se encomendado a Deus com grande afinco, julgando que Deus o chamava para esse estado, resolveu-se a deixar o mundo e entrar em alguma Ordem religiosa.
Há um modo errado de conceber o homem forte: aquele que é tonitruante como um trovão. Ao contrário, quem obedece a vontade de Deus, e segue todos os meios lícitos para cumpri-la, esse sim é um homem forte.
Podemos imaginar a maturidade desse menino! Naturalmente, não estava voltado a dizer coisas engraçadas o tempo inteiro, nem a brincadeiras. Desde pequeno lhe foi ensinado a ser sério.
São Luís pede para isso licença a seu pai
Depois de rogar muito a Deus, procurou escolher em qual Ordem deveria ingressar.
Na festa da Assunção de Nossa Senhora, no ano de 1583, tendo ele quinze anos e meio de idade, comungou e depois se retirou para fazer a ação de graças, pedindo a Nosso Senhor, por intercessão de sua Mãe, que lhe descobrisse sua vontade. E então escutou uma voz clara que lhe disse para entrar na Companhia de Jesus.
Luís foi, então, falar com a senhora Marquesa; e ela ficou tão contente que deu muitas graças a Deus, e quis ser a primeira de cuja boca ouvisse o Marquês a noticia. E foi isto bem necessário para aplacar a cólera e primeiros ímpetos dele. Depois, em diversas ocasiões, fez a Marquesa este ofício, e como o Marquês não sabia que ela desejava ter um filho religioso, atribuiu a diversas intenções, entre outras que ela tinha afeição pelo segundo filho, e desejava que este herdasse os Estados.
Vemos que era bem esperta essa Marquesa. Esperta ao serviço do bem: não revelou ao marido que ela queria que seu filho mais velho ficasse jesuíta. Disfarçou, e com isso o Marquês começou a ter outras ideias, como a de que desejava favorecer o segundo filho para o governo dos Estados que pertenciam a esse Marquês; assim, ela desviava a atenção do marido sobre seu filho mais velho e sua vocação religiosa, a fim de ele poder entrar num convento. Ela era corajosa e reivindicou para si a honra de ser a primeira a dar a notícia, ou seja, a escorar no peito a primeira raiva do Marquês.
Mais tarde foi Luís pessoalmente, com a maior humildade e reverência que pôde, e disse ao Marquês que ele estava resolvido, e que haveria de ser religioso.
Notem o contraste: “Foi Luís pessoalmente com a maior humildade e reverência que pôde”, e “disse que estava resolvido”. Quer dizer, respeitoso ao extremo, mas resolvido, e não adiantava vir com histórias: ia ser mesmo. Era maior de idade e dispunha de si. O resto são amabilidades e reverências necessárias e louváveis. Ele vai atender à vocação de Deus, porque é preciso obedecer a Deus antes que aos homens.
A reação do Marquês
Ficou o Marquês como de fogo ouvindo isto, e com ásperas palavras expulsou-o de sua presença, ameaçando que o faria despir e açoitar.
Não conheço um fato atual de recusa de um pai para seu filho, no caso deste querer entrar para um movimento religioso, e que tenha chegado à ameaça de açoite em carne viva. Isso teve São Luís Gonzaga que enfrentar.
Respondeu Luís: “Fosse do agrado de Deus, meu Senhor, que eu merecesse padecer algo por seu amor.” Ficou o Marquês com incrível ira, e depois de alguns dias em que não pôde descansar nem repousar , mandou chamar o confessor e fez-lhe grandes queixas de ter colocado tais coisas na cabeça do filho, sobre o qual ele depositava as esperanças de sua casa.
Ele via que seu filho era muito inteligente, capaz e virtuoso. E um defeito de muitas famílias antigas era este: quando tinham um filho menos inteligente destinavam-no à vida sacerdotal; a filha feiarrona, que não conseguia encontrar casamento, ia ser freira; escolhiam os filhos mais capazes para continuar a família. Era uma forma de dar a Deus o menos bom, e ficar para si com o melhor. Assim não se trata a Deus, a Nossa Senhora!
O homem forte é aquele que segue todos os meios lícitos para cumprir a vontade Deus
Tendo certo dia ido visitar, com seu irmão Rodolfo, o colégio da Companhia, Luís disse no final aos que o acompanhavam que poderiam voltar à casa, que ele não mais queria regressar, mas ficar lá.
Foi jeitoso. Não disse em casa “até logo” para o pai; pretextou uma visita ao colégio dos jesuítas, e depois disse: “Vocês vão-se embora, eu vou ficar aqui!”, dando a entender: “Meu pai, se quiser, venha cá.” Assim fazem os homens fortes.
Pouco antes de entrar na Ordem religiosa já é moço feito. Naturalmente, encorpou muito. Considerem o peito e a estatura inteira: ele é cheio de corpo, dir-se-ia até que tende a ser um pouco gordo. Seu rosto também não é de uma pessoa magra, mas com uma carnatura conveniente, adequada.
A postura é de extrema tranquilidade. Está cingindo uma espada grande. Porém, apoia-se sobre ela com a serenidade de quem está inteiramente seguro de sua própria consciência, sossegado e que não tem torcida nem frenesi. É um homem que caminha plácida e firmemente para o Céu.
O rosto tem alguns traços que denotam uma firmeza extraordinária. A primeira coisa a observar é o olhar. É plácido, até afetuoso, pacífico, de uma pessoa que gosta de viver bem com os outros. Ao mesmo tempo, tem uma fixidez e limpidez de quem diz: “o que eu vi, vi; o que é, é; o que tem que ser, tem que ser; ninguém me abala em nada!”
Tem um olhar de quem não se deixa atemorizar por nada. Olharia um dragão com essa mesma naturalidade estampada na gravura, confiante em Deus e Nossa Senhora, e resolvido a enfrentar qualquer dificuldade.
O conjunto do rosto dá ideia de uma resolução inabalável. Um homem certo naquilo que ele pensa; certo no que quer; e que fará calma, fria e implacavelmente o verum, bonum e pulchrum que Deus pede dele.
Em suma, é o rosto de um grande batalhador!
Há um modo errado de conceber o homem forte: aquele que é tonitruante como um trovão em meio a relâmpagos. Às vezes ele é assim; outras, não: é jeitoso e macio, mas chega onde deve chegar. O homem que obedece à vontade de Deus, e segue todos os meios lícitos para cumpri-la, esse é um homem forte.
Ao saber do ocorrido, o Marquês enviou vários mensageiros para fazê-lo retornar. Estes só obtiveram êxito quando argumentaram que era um menoscabo da autoridade paterna fazer isso sem licença.
Tentativas do pai em dissuadir São Luís a respeito de sua vocação religiosa
Instou, pois, o Marquês para que, ao menos, o jovem adiasse a entrada até a volta à Itália. Luís, pensando que o Marquês cumpriria a promessa, respondeu que com gosto daria esse prazer a seu pai. E assim ficaram todos de acordo.
Chegando à Itália, o Marquês escusou-se, dizendo ser forçoso que Luís fizesse antes, com seu irmão Rodolfo, as visitas de cortesia às cortes da Itália.
Concluídas as visitas, obteve o Marquês do Duque de Mântua que enviasse um Bispo muito eloquente dizer a Luís que ficasse homem de igreja, e assim poderia servir melhor a glória de Deus; para isso não faltavam exemplos de homens santos, como o Cardeal Carlos Borromeo.
Ou seja, ficar padre secular e não membro de uma Ordem religiosa.
Insistiu o Bispo várias vezes e com diversos argumentos. Luís agradecia a preocupação do Duque, mas escolhera a Companhia, e não pretendia outro gênero de vida.
Veio também uma pessoa da família argumentar que, se queria deixar o mundo, não entrasse na Companhia que ficava perto dele, mas nos Cartuxos ou outra Ordem distante.
Vê-se aí a decadência religiosa da época: o Marquês encontra uma série de eclesiásticos que vão fazer a obra do demônio junto ao filho. Uma pessoa o aconselha a entrar numa Ordem severíssima, como os cartuxos que são contemplativos no rigor do termo. Por que o Marquês poderia preferir que ele ficasse cartuxo a jesuíta? Porque os jesuítas estavam na ponta da Contra-Revolução. E se seu filho se tornasse jesuíta teria inimigos, mas se entrasse para uma cartuxa ou outra Ordem semelhante, ficaria trancado lá. Ao menos esse espantalho sairia de diante de seus olhos.
Afinal, depois de muito relutar, o Marquês confessou estar convencido de que aquela era uma grande vocação de Deus, e logo começou a contar a grande santidade com que Luís vivera desde menino, e disse que ele não queria mais impedir o filho de ficar religioso.
A bonita morte do Marquês
Quando morreu o Marquês, seu pai, dois meses e meio depois de começado o noviciado, Luís não sofreu maior impressão, como se não fosse com ele. Nesta ocasião foi-lhe dito que escrevesse a sua mãe para consolá-la, e ele começou a carta dizendo que dava graças a Deus, pois doravante poderia dizer mais livremente: “Pai nosso que estais nos céus”.
Manifestou-se de modo especial a Providência de Deus nesta morte, pois o Marquês sempre fora dado a pretensões de honrarias e grandezas mundanas. E com motivo da entrada de Luís em Religião fez tal mudança de vida que deixou totalmente o jogo; todas as noites mandava que trouxessem diante de sua cama um Crucifixo que Luís deixara e rezava os sete salmos penitenciais e as ladainhas.
Notem qual é o problema da profundidade do pecado. O mundo hoje está cheio de jogadores, em toda parte. Os presentes neste auditório não acham dificílimo que um deles morra nessas condições? É quase impensável. Para a atitude do Marquês, é claro que contribuía, e em muito, o mérito de São Luís Gonzaga. Também é verdade que esse homem tinha restos de boas resoluções, tradições, e não estava tão gangrenado pela Revolução como estão os de hoje. Assim, foi capaz de um arrependimento sério, profundo, até edificante, depois de ter feito uma oposição a mais tremenda possível à vocação do filho; e morreu na graça de Deus.
São Luís morre em jovem idade
Antes de completar seus estudos de Teologia, faleceu aos 23 anos de uma doença contagiosa.
A 26 de setembro de 1605, Paulo V publicou o seu Breve de beatificação.
Diversos foram os pedidos de beatificação. O próprio Imperador Rodolfo escreveu desde Praga ao Sumo Pontífice, e além de fazer a lembrança “da pura, piedosa, santa e mortificada vida de Luís”, acrescentava esta razão: “era Príncipe do Sacro Romano Império, e parente seu, e tinha dado a todos tão preclaro exemplo de desprezar o mundo”.
Considerem como os tempos mudaram: o mais alto personagem temporal da Cristandade, naquele tempo, o Imperador do Sacro Império, se interessava pela beatificação de uma pessoa. Escrevia diretamente ao Papa, intervindo como filho primogênito, em certo sentido da palavra, da Igreja para a beatificação do Servo de Deus.
(Extraído de conferências de: 9/2/1966, 3/4/1990 e 18/4/1990)
1) Cepari. Pe Virgilio. Vida de San Luís Gonzaga, Patrono de la juventude. Einsiedeln, Benziger & Co.: Nova York, 1891.
2) São Roberto Belarmino. Cardeal, membro da Companhia de Jesus e contemporâneo de São Luís Gonzaga.