Couraceiros em desfile militar – Roma, Itália

Após considerar o fundamento da honra, Dr. Plinio a relaciona com a glória: tanto uma quanto a outra são merecidas por quem é autenticamente herói.

Para compreendermos os dois modos de considerar a honra, imaginemos um menino cujo pai é couraceiro.

Duas atitudes de um menino diante do pai couraceiro

Nos dias de parada, um cavalo bem ajaezado, com bela aparência, aguarda o oficial couraceiro diante de sua casa. Um ordenança está perto do cavalo, para evitar que alguém mexa com o animal. O menino vê o pai sair com couraça, elmo, crina, espada; o ordenança bate a continência, e o oficial mete o pé no estribo, pula para a sela e cavalga.

O menino acha aquilo excelente e exclama: “Eu também serei couraceiro!”

Essa exclamação comum pode ser provocada no menino por duas atitudes interiores diferentes.

A primeira é: “Como é bonito em si mesmo ser couraceiro! Como o homem, revestido de couraça, encontra ali a plena expressão do vigor de alma e de corpo, que é a excelência do homem! Meu pai fica combativo como um leão. Se encontrar o inimigo, ele combate como um herói; e se morrer, ele morre de um modo insigne, excelente. Como é belo ser assim! Eu também quero me tornar couraceiro, para ser tão excelentemente homem quanto é meu pai.”

Outra atitude: “Que bonito! Papai agora vai a cavalo para o quartel e todo mundo olhará para ele; tal pessoa, que está lá em frente, vai saudá-lo, frenético, porque quer ser cumprimentado pelo couraceiro a cavalo, a fim de que os outros vejam. Eu também quero ter a importância de papai, ser saudado pelas pessoas dessa maneira e poder olhar os outros de cima.”

Esse último é um modo errado de considerar a excelência. Não é querer uma perfeição para si mesmo, ser um homem excelente, mas desejar impor-se aos outros com a aparência da excelência, sem ter a preocupação de o ser. É querer ser palhaço, não couraceiro. São duas coisas completamente diferentes.

A segunda atitude é mera vaidade; a primeira é honra.

Querer tornar-se excelente é, no fundo, procurar ser um reflexo de Deus

Nesse caso, o que é a honra? É o desejo eficaz — o que é o primeiro passo de uma realização — da criança querer ter para si uma excelência. Assim como o lenço branquíssimo, ligeiramente azulado e engomado, tem uma limpeza excelente, o couraceiro tem uma varonilidade excelente, e o menino aspira à varonilidade excelente, de alma e de corpo. Ele quer uma forma de excelência, e vai atrás dela.

Querer tornar-se excelente é, no fundo, procurar ser um reflexo de Deus. Há, portanto, nesse desejo da honra, para o homem que tem Fé, um anseio de ter uma virtude própria a Deus, um desejo de semelhança com Deus. E o desejo da semelhança com Deus é a definição da santidade.

Fotos: T. Ring / G. Kralj / M. Shinoda / Henri Manuel
Dr. Plinio, em 1992

Portanto, aspirar a ter honra é, no fundo, o desejo de possuir uma virtude, praticá-la e de algum modo aproximar-se de um ideal.

Se examinarmos até o fundo essa noção de ideal, perceberemos que ela nos dá um certo frêmito. Alguém tem o ideal de ser um guerreiro, e vê por detrás desse ideal algo que é maior do que o homem, e tem uma dimensão tão grande que a isto ele gosta de dar a sua vida.

Porque na realidade esse frêmito que o homem tem quando percebe a grandeza do heroísmo, é uma atitude de alma por onde, subconscientemente, ele reconhece a existência de um Ser supremo, no Qual tocam todas as grandezas, que possui todas as perfeições e com o Qual o homem fica mais semelhante.

Deus é onipotente, onisciente e capaz de todas as coisas, com grandeza. O homem, ficando herói, sente-se mais próximo, mais semelhante a Deus, como um espelho que recebe em si a imagem do Sol; ele não é Sol, mas brilha.

Querer tornar-se excelente é, no fundo, procurar ser um reflexo de Deus. Há, portanto, nesse desejo da honra, para o homem que tem Fé, um anseio de ter uma virtude própria a Deus, um desejo de semelhança com Deus. E o desejo da semelhança com Deus é a definição da santidade. Santo é aquele que se tornou semelhante a Deus.

E isto torna patente qual é o mais íntimo do conceito de honra: confunde-se com o conceito amplo e verdadeiro de santidade. A honra é o estado do homem quando ele pratica de modo excelente a virtude. E nisto tem uma particular semelhança e união com os anjos e com Deus. Porque o homem que tem de um modo excelente certas virtudes se parece com os anjos, e dessa forma se assemelha a Deus. É por mediação que isso se faz.

Honra, louvor e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo

Agora, poder-se-ia perguntar qual é a diferença entre honra, louvor e glória.

São Tomás de Aquino exprime isso magnificamente. Louvor é o reconhecimento público da honra. Eu presto honra a alguém quando louvo a qualidade que esse alguém realmente tem.

É possível haver honra sem louvor? Sim. Nosso Senhor Jesus Cristo é a Honra. A palavra “honra”, sendo um termo humano, diante d’Ele estala, porque Ele é Deus. Mas, enfim, pode-se dizer que Ele é a Honra. Entretanto, Nosso Senhor, em muitas ocasiões, não recebeu louvor, mas vitupério; por exemplo, quando o povo preferiu Barrabás. A falta de louvor não tira a alguém a honra, porque esta consiste no se parecer com Deus. E o fato de os outros não reconhecerem a semelhança que nós temos com Ele, não nos tira essa semelhança.

A natureza humana santíssima de Jesus tinha a máxima semelhança possível com Deus. E na sua natureza divina Ele era o próprio Deus. E os insultos do povo, que preferiu Barrabás a Nosso Senhor, não Lhe tiraram a honra. Ele foi louvado quando o povo O recebeu em Jerusalém, cantando “Hosana ao Filho de Davi.”

Um louvor não Lhe faltou ininterruptamente nesta Terra: o de Nossa Senhora, o qual vale mais do que todos os louvores de todos os homens ao longo da História, no mundo inteiro. E até o último momento, quando Jesus disse “Consummatum est”, Ela O louvou. Nosso Senhor conhecia esse louvor e o último olhar que Eles trocaram, eu estou certo de que, entre outras disposições de alma, esse olhar traduziu louvor. Louvor d’Ela a Ele: “Meu Filho!” E d’Ele a Ela: “Minha Mãe!” Quer dizer, são louvores inefáveis que os lábios humanos não sabem exprimir.

Um homem deve impor o louvor que lhe é devido pelo cargo que ocupa

Então, pergunta-se: O homem que tem honra deve procurar o louvor? A resposta é: Deve procurar e até impor o louvor! Com um cuidado: o louvor, pelas suas qualidades pessoais, ele pode lamentar que os outros não lhe deem, mas não deve reclamar nem queixar-se, porque pode entrar apego; afinal, somos concebidos no pecado original.

Ele precisa querer e impor o louvor merecido ao cargo. E um homem não tem o direito de desmerecer o cargo, fazendo ações que não estão de acordo com o louvor que o cargo merece.

A glória de um Bem-aventurado

E o que é glória?

Nosso Senhor Jesus Cristo foi louvado quando o povo O recebeu em Jerusalém, cantando “Hosana ao Filho de Davi.” Um louvor não Lhe faltou ininterruptamente nesta Terra: o de Nossa Senhora, o qual vale mais do que todos os louvores de todos os homens ao longo da His­tória, no mundo inteiro.

Fotos: T. Ring / G. Kralj / M. Shinoda / Henri Manuel
Domingo de Ramos – Abadia beneditina de Subiaco, Itália

A glória é um louvor insigne. Glorioso é aquele que foi louvado, de um modo insigne, por todos os seus contemporâneos, de modo a seu nome perdurar por toda a posteridade.

Esse louvor da multidão corresponde a uma virtude, que já não é excelente, mas excepcional; dir-se-ia, por analogia, principesca ou régia, tem um grau que está para os outros graus de virtude, como um príncipe ou um rei está para os súditos de hierarquias inferiores. Tal glória tem o santo.

Quando a Igreja canoniza alguém e afirma que merece a honra dos altares, Ela declara que ele está no Céu e ali ocupa um lugar insigne; ele tem grande intimidade com Deus, extraordinária proximidade com Nossa Senhora. A Igreja, então, proclama que, por causa disto, na Terra ele merece essa glória. Então, o nome dele é lembrado pelos séculos dos séculos.

Recordo-me de um fato da vida de Victor Hugo, literato francês do século XIX. Ele foi admitido na Academia Francesa e, segundo uma convenção, quem pertence a tal Academia é considerado imortal.

Quando lhe disseram isso, Victor Hugo afirmou:

— Imortal, eu? Não pense que eu me iludo a esse respeito. Quem é imortal é Dom Bosco, lá em Turim.

— Mas, como assim?

— Eu vejo que a Igreja vai canonizar Dom Bosco, e quando isso ocorrer, até o fim do mundo, em todos os lugares da Terra, onde houver um padre católico, num certo dia do ano vai ser lembrado o nome de Dom Bosco. Isso só deixará de ser feito quando não houver mais padre para celebrar a Missa, e o mundo, portanto, tiver acabado. Este é um imortal.

O herói é aquele capaz de expor a sua vida ou de praticar ações tão árduas que cheguem ao limite extremo do sacrifico que o homem pode suportar, em favor de uma causa elevada e nobre.

Fotos: T. Ring / G. Kralj / M. Shinoda / Henri Manuel
Marechal Ferdinand Foch

É a pura verdade. Aliás, São João Bosco disse isso de si. Ele teve uma doença muito grave e longa; e, com o telégrafo que já havia, na Europa inteira se soube disso. Era ainda a Europa aristocrática e monárquica do século XIX, e São João Bosco recebeu cartas de incontáveis lugares: príncipes, soberanos, castelães etc., oferecendo-lhe seus castelos, suas propriedades, para ele descansar. Diante do maço de cartas, disse sorrindo aos sacerdotes: “Vejam, eu renunciei a tudo e me meti no meio dos pobres. E não há um homem na Europa que disponha de tal número de castelos para fazer a sua convalescença”.

A diferença entre a glória de ser herói e a glória de ser santo

Alguém dirá: “Mas Dr. Plinio, o Marechal Foch, por exemplo, que venceu a Primeira Guerra Mundial, foi um herói, mas não um santo.”

É preciso explicar que relação há entre santo e herói. O herói é aquele capaz de expor a sua vida ou de praticar ações tão árduas que cheguem ao limite extremo do sacrifico que o homem pode suportar, em favor de uma causa elevada e nobre.

Segundo esse critério, o Marechal Foch foi um herói porque, expondo sua vida, realizou uma ação extremamente árdua. Ele recebeu uma causa muito comprometida, devido ao avanço alemão; concebeu o sistema de resistência e conduziu aquela guerra dentro das dificuldades que lhe eram inerentes, de maneira a alcançar a vitória. Foch foi herói num ponto da vida dele, durante alguns anos de guerra. É por isso que o mundo o aclama.

Ora, quanto ao santo, quando o Papa o canoniza, ele decreta que aquele indivíduo praticou as virtudes em grau heroico, e por isso foi santo. Ou seja, foi um herói capaz de qualquer heroísmo por amor de Deus.

Então, honra e glória merece quem é autêntico herói. E tudo se funde num conceito amplo de santidade, que não é o conceito corriqueiro, comum, mas é esse conceito total que a Igreja declara, quando Ela define alguém como santo.

Quando o Papa, sentado no seu trono, canoniza um santo, ouvem-se as trombetas de Michelangelo soarem num terraço pouco visível do interior da Basílica de São Pedro, no ponto onde a cúpula se assenta sobre a parede. Então, o som sobe pela cúpula e desce para a Basílica! E os sinos do Vaticano começam a tocar; e, em seguida os sinos das igrejas de Roma põem-se também a soar e anunciam a glória desse verdadeiro herói. Esse tem verdadeiramente honra, louvor e glória.

(Extraído de conferência de 15/2/1980)