Baseado na Doutrina Católica, Dr. Plinio nos indica a necessidade do sofrimento para corrigir os desregramentos de nossa natureza.
Monnin1, em sua obra “Espírito do Cura d’Ars”, escreve a respeito do sofrimento, como privilégio:
“Há pessoas que não amam a Deus, não rezam e prosperam. É mau sinal. Elas fizeram um pouco de bem, através de muito mal. Deus as recompensa nesta vida.”2
Dizemos às vezes: Deus castiga aqueles a quem ama. Nem sempre é verdade. As provações, para quem Deus ama, não são castigos, são graças.
O sofrimento ordena nossa natureza desregrada
Vemos aí uma exposição a mais do grande princípio da Doutrina Católica de que o sofrimento é indispensável, como meio para aproximação de Deus.
Ele é indispensável, por um lado, porque Deus quer que completemos o seu sofrimento com o nosso. E, por outro lado, porque o homem, concebido no pecado original, precisa sofrer. Ele tem em si uma fonte permanente de desordem, de apetências desordenadas, más, que lhe vêm de sua natureza desregrada. A todo momento, a natureza do homem pede alguma coisa que não convém, quer aquilo que é dos outros, deseja fazer e pensar o que não deve. E o meio que nos foi dado para matar em nossa natureza esses apetites desordenados é o sofrimento.
O homem que sofre, quebra certa exuberância má desse lado mau da natureza: deixa de ficar pretencioso, mimado, arrogante, petulante, exigente. E se contenta com pouco, torna-se afetivo, compreensivo, humilde. Quando começa o sofrimento, como uma chaga a corroer a alma, todas essas coisas más vão desaparecendo, minguando, e a pessoa então vai melhorando.
À força de gemer, uma pessoa de mau gênio aprende a combater devaneios e adquire temperança
Imaginemos essa situação: uma pessoa com um gênio insuportável, muito suscetível, que fica sentida com qualquer coisa a qualquer momento, muito preocupada em estar no centro das coisas, em aparecer em tudo. Digamos que essa pessoa tem, de repente, uma dor na perna — falemos somente dos sofrimentos físicos — e fica quinze horas por dia gemendo: “Ai, não posso mais! Venha, por favor, me fazer um pouco de companhia, para conversar um pouquinho! Traga-me tal objeto, me ajude em tal coisa! Pelo amor de Deus, tenha pena de mim!”
Ao cabo de seis meses, esse mau gênio está muito quebrado; foi passado a ferro. Porque, à força de gemer e sofrer, a pessoa aprende isto que a natureza humana concebida no pecado original detesta: ter uma vida comum, normal, sem grandes prazeres, já é uma grande coisa; e pode se dizer feliz o homem que tem condições comuns de existência, de tal maneira esta vida é um vale de lágrimas. E estar ambicionando a todo momento condições extraordinárias de existência, grande fortuna, grande consideração, é uma coisa que indica um desregramento.
Quando a pessoa tem condições comuns bem garantidas, começa a sonhar, a ter devaneios. Mas quando lhe faltam essas condições mínimas de existência, ela tem saudades: “Ah, que coisa boa ter saúde! Todo mundo nesta casa vai dormir, e eu, sozinho, vou passar a noite inteira gemendo. Que grande coisa uma noite sem dor!”
Antes disso, ela desejava uma noite de prazeres, ou então queria uma cama confortável, com colchão de molas especiais, uma armação que a faz virar de um lado para outro, com um abanador. Isto era para ela a felicidade. Como apanhou bastante, começa a compreender que valor enorme têm uma cama e um sono normais. Este é o começo, o andar térreo da temperança.
Há algo na alma do homem em razão do qual ele sofre quando não sofre. E essa espécie de náusea de tudo, que vem da falta de sofrimento, é um castigo daqueles a quem Deus não manda cruzes.
Um indivíduo pensa que iria fazer viagens fabulosas. Abre um jornal e lê: “Voo para a Pérsia, coroação do Xá”. A viagem custa, digamos, dez mil contos. Ele, que não tem mil, começa a pensar: “Mas é a prazo! Eu fico devendo mil coisas, vendo meu automóvel, mas dou uma tacada.” Acaba ficando em casa e se julga um infeliz. No dia em que vem a notícia da coroação do Xá na Pérsia, o indivíduo está deitado, aborrecido, mal-humorado com todo mundo. Alguém lhe pergunta:
— Por que você é infeliz?
— Eu não fui à coroação do Xá da Pérsia…
Se um coitado desses quebrar a perna e passar seis meses numa cadeira de rodas, compreenderá que a grande felicidade não é assistir à coroação do Xá da Pérsia, mas ir dar uma voltinha no jardim. Em sua cadeira, ele fica então pensando: “Se eu pudesse ao menos ir até a esquina ver passar o movimento, que delícia!”
Aí começa a entrar o juízo. As extravagâncias, as luas, as manias das pessoas quebram-se por meio do sofrimento.
Outro exemplo: a pessoa é muito suscetível, e de repente arrebenta qualquer coisa de ridículo na família dela. Antigamente acontecia isto: às vezes um membro qualquer da família caía num ridículo, e o sobrenome da família se tornava apelido. Nesse caso, a pessoa compreende que não deve estar correndo atrás das considerações, e julga uma delícia ser tratada como um anônimo, um joão-ninguém: “Que gostoso o tempo em que eu usava o meu nome e ninguém ria de mim!”
Essas provações e falhas são indispensáveis; sem isto a pessoa não vive bem.
O homem tem necessidade de sofrer
Mas há uma coisa curiosa na alma humana, parecida com o que acontece no corpo: se o corpo nunca faz esforço nenhum, ele padece. Por exemplo, um paxá, que viva deitado num terraço, no meio de almofadas, nunca se mova, passe o tempo todo fumando narguilé, e comendo aqueles doces colantes, brancos, vermelhos, de cores vivas.
Alguém dirá: “Que vida deliciosa leva esse paxá!” É uma ilusão. Porque o paxá tem todos os distúrbios orgânicos, decorrentes de sua inação. E esses distúrbios criam para o paxá uma alternativa, que é um inferno: se ele se move, é horrível, porque está desabituado; se não se move, é horrível, porque faz mal para a saúde. E o paxá se vê entre a doença e a violência; se ele afunda na inação, morre precocemente por causa disso.
O corpo humano precisa de certa violência para se sentir bem. O mesmo se dá com a alma. Quando o homem não sofre, ele acaba procurando sofrimento, porque há algo em sua alma em razão do qual ele sofre quando não sofre. E essa espécie de náusea de tudo, que vem da falta de sofrimento, é um castigo daqueles a quem Deus não manda cruzes.
(Extraído de conferência de 8/8/1967)
1) Monnin, Alfred. Esprit du Curé D’Ars. Paris: Ch. Douniol, Libraire-éditeur, 1865. p. 25-26.
2) Pensamento de São João Maria Vianney citado pelo Pe. Alfred Monnin.