Descortinando horizontes grandiosos, Dr. Plinio apresenta uma visão geral a respeito do conjunto das nações, mostrando o relacionamento delas com os indivíduos e os panoramas geográficos. Assim como o pavão arma um leque para que as pessoas admirem, a História mostra o conjunto das nações; cada uma delas se assemelha, de certa forma, a uma pena dessa ave.
A pergunta feita há pouco1 foi um longo e belo enumerado de nações, e entre elas fizeram referências a quase todos os países da Europa.
Peço a Nossa Senhora, com todo o empenho de minha alma, que essas nações continuem numa glória ascendente no Reino de Maria a participar do futuro. Uma coisa é positiva: o mundo se alargou e acontecimentos de ordem muito diversa introduziram três tipos de nações, dentro do tecer da História.
Nações situadas do lado ocidental da Europa…
A América do Norte faz parte, hoje, do cortejo da Europa, não com tanta história, mas certamente com uma importância igual ou maior. Ela é uma das grandes tecelãs do século XX, e foi uma das grandes figurantes do século XIX.
Como será o século XXI? Quais são as nações que estão nos bastidores, à espera de entrar na representação teatral, e querem um papel também para elas no futuro? Em que momento especialmente isso ocorrerá?
Os descobrimentos — não me refiro à América do Norte — trouxeram a América Latina. Eles proporcionaram tanto bem, mas que se realizaram numa atmosfera religiosamente eclética, em que havia muito desejo de missões e de conquista para o reino de Cristo. Basta pensar nos quarenta mártires que vinham para o Brasil2, no Beato José de Anchieta, nos numerosos homens de escol que participaram dos descobrimentos e das primeiras evangelizações, para termos noção disso.
Mas a sede e a fome do ouro, a vontade de reduzir e transformar tudo em moeda, em pedras preciosas, de “monetarizar” o Brasil ou o mundo, deu início àquela corrida atrás do dinheiro que haveria de chegar, no século XX, ao ponto que chegou. Também se desatou nessa ocasião a Renascença, da qual essa monetarização era filha.
Então, um élan bom misturado a um ruim deram origem aos povos sul-americanos. E eles hoje estão prontos a dizer uma palavra no dia de amanhã, para entrar na História. Levaram mais de quatrocentos anos amadurecendo, o que significa, se esticarmos muito as coisas, quarenta anos para a vida de um homem. Isto é o que a Europa tem do lado do Ocidente.
…e as do lado oriental
E do lado do Oriente veio uma coisa horrível, que foi o comunismo, o qual também penetrou no Ocidente. Todos sabem que Lenine e seus comparsas eram agitadores comunistas, refugiados na Suíça. Antes do término da Primeira Guerra Mundial, por ordem do governo do Kaiser foram eles conduzidos em trem, como se este levasse bacilos, diretamente à fronteira russa. Entraram no território russo e fizeram a revolução comunista, para a qual tudo estava preparado.
Explodiu o fenômeno comunista e a Rússia se tornou algoz da Europa Central, entrou para um píncaro e levou o mundo eslavo consigo.
A “eslavidade” tinha tido uma intervenção importante na História, no tempo de Napoleão, mas não era uma força decisiva. Ela passou a se tornar uma força decisiva no desenrolar dos últimos acontecimentos.
O mundo amarelo foi tocado dos dois lados.
De um lado recebeu, com o Japão, toda a modernização tecnológica. E de outro lado recebeu através da China, toda a revolução cultural. Temos o mundo amarelo convulsionado, mas é mencionado como uma potência de primeira ordem do século XXI. Assim, o mundo latino americano, o mundo eslavo e o mundo amarelo são os colossos do dia de amanhã.
Alguém poderá dizer: “Mas isso é arbitrário! Por que não será também o mundo hindu, o mundo persa, o mundo malgaxe?” Dormem! Não dão sinais de terem acordado.
“Mas os árabes são reis do petróleo…”
Uma coisa é ser rei do petróleo, e outra coisa é ser rei da História.
A História às vezes faz com as nações o que o pavão efetua com sua roda: arma um leque e anda para os homens admirarem. E cada pena é uma nação.
Houve uma tentativa de galvanização do mundo árabe para uma insurreição geral. Ele se fragmentou e continuou a dormir. Salvo novidades muito surpreendentes, ele tem esse mérito de não se ter deixado galvanizar por esta forma de Revolução, mas está dormindo. Nem a graça o toca, nem o mundo consegue galvanizá-lo. Não posso fazer presságios. A menos que o mundo árabe se levante, não posso dizer que ele está nos bastidores da História para entrar em cena. Talvez amanhã aconteça um fato em sentido contrário. De momento não vejo.
Indivíduos e nações: duas realidades que se espelham uma na outra
Esses são os três grandes blocos que estão em cena, em torno da Europa, a partir da Europa e da perspectiva europeia. Por que não perguntar alguma coisa também a respeito deles? Falarei sobre algumas nações que são importantes, as que foram e as que serão. Vamos tratar de tudo isso com a relativa rapidez que a conveniência pede.
Para termos bem a noção disso, devemos tomar em consideração, como ponto de partida, um princípio que eu enunciaria da seguinte maneira: nada melhor para conhecer uma nação do que conhecer a psicologia dos indivíduos. Porque, debaixo de certo ponto de vista, toda nação é como um indivíduo visto numa lupa de aumento. Por outro lado, nada melhor para conhecer o indivíduo do que conhecer bem as nações.
A fim de compreender o que vou falar das nações, tomemos em consideração o que se deve dizer dos indivíduos. Se eu tivesse que falar dos indivíduos, começaria, talvez, com uma palavra introdutória a respeito das nações. De tal maneira os dois conceitos, e mais do que os dois conceitos, as duas realidades, de algum modo se espelham uma na outra.
Para entender bem o que é o indivíduo, desejo desenvolver um pouquinho uma noção já conhecida, mas à qual quero dar um realce num ponto especial, que é o seguinte: todo homem, porque tem uma alma espiritual, nunca acabará; não é eterno em relação ao passado, mas sim para o futuro. Sabendo estar ordenada para Deus, que é Supremo, e contemplá-Lo face a face, há um movimento qualquer de toda alma por onde, debaixo de certo ponto de vista, ela se sente e quer ser suprema.
É exatamente esse anelo para uma espécie de supremacia pessoal que o igualitarismo quer apresentar como oposto à hierarquia, à estratificação, à graduação. E, por causa disso, tudo quanto se diz de hierarquia, parece abafar algo na alma humana que, entretanto, é reto; ao mesmo tempo em que comprime coisas muito ruins: a inveja, o orgulho e outras paixões.
Cada homem, em determinado ponto, é supremo
Que é essa pequena coisa reta na alma humana, essa tendência a uma própria e pessoal supremacia a luzir diante de Deus e olhá-Lo face a face?
Cada um percorra as suas memórias e procure rever nelas qual é a pessoa mais desfavorecida, não digo moralmente, porém a menos dotada que conheceu. Eu, como conheci muita gente, teria uma longa comparação a fazer no triste cortejo dos menos favorecidos.
Tomem o homem — não quero falar de virtudes, mas de dotes naturais — de menor inteligência, de capacidade de vontade mais encolhida e de sensibilidade mais irregular, pegando as coisas ora demais, ora de menos etc. Um “errado”!
Suponhamos que na escala da gradação incontável, que só Deus conhece, de todos os homens que Ele criou desde Adão e criará até o fim do mundo, esse homem ocupe um lugar muito modesto. Digamos que seja o último dos homens. Há, entretanto, alguma coisa por onde ele é ele e se diferencia de todos os outros, talvez ele mesmo nem saiba o que é, mas Deus conhece. Por pequeno que seja esse ponto de superioridade, ele é único e ninguém será como ele.
De maneira que embora seja o último dos homens, existe um ponto qualquer por onde, tomado de algum lado, ele é supremo. Se ele compreendesse isso e tratasse de amar a Deus com todo o seu entendimento, toda a sua vontade, toda a sua alma, como que automaticamente, e sem ele saber o que é, esse ponto viria à tona e se colocaria em ordem. E brilharia com seu minúsculo brilho, que seu anjo da guarda conhece, Nossa Senhora conhece e abençoa, e que Deus criou e quer ver no Céu.
Assim, em cada um, a par da comparação por onde os homens são desiguais, há um lado por onde ele é supremo, que corresponde a um certo anseio da alma humana. Trato desse pormenor porque provavelmente não ouviram dizer isso, e é muito importante para que sejam bem balizadas todas as ideias de hierarquia. Devemos nos encantar com aqueles que estão acima de nós, e precisamos ter comprazimento com os que estão abaixo. Mas pensar com enlevo: há um ponto em que Deus olhará para cada um de nós e dirá: “Este é o filho único e amado, que entre os homens Eu criei, para refletir-Me em determinado ponto.”
Isso dá uma alegria e um bem-estar especiais.
E também cada nação
O grande erro quando se fala de nações rutilantes como as europeias, é fazer uma comparação por onde se procura saber qual é a primeira. E, mais cedo ou mais tarde, a discussão cai no seguinte: para o universo, quem é maior, a França ou a Alemanha? Ou então a bela Itália, a heroica Espanha, o glorioso Portugal? E assim por diante: Bélgica, Dinamarca, Suécia, Noruega… Cada uma dessas nações, e outras mais, tem um título. Qual é o supremo?
No momento em que se trata de falar um pouquinho sobre todas elas, o principal de nossa atenção não deve consistir em saber qual é a primeira. Mesmo porque absolutamente falando elas refulgem tanto, que acho que no fundo só Deus conhece.
Portanto, não é por aí que corre a atenção. Mas saber no que uma nação, no seu gênero, deu ao mundo o belo exemplo de chegar quase até a ponta de si mesma. Eu digo quase, porque ocorreu a Revolução e as nações decaíram. Se tivessem continuado nesse élan, ninguém sabe até onde elas teriam chegado.
Então, se considerarmos esse lado supremo que cada nação possui e que olha para Deus, teríamos a análise bem feita de alguma coisa do conjunto do Continente europeu, com vistas a passar depois, rapidamente, pelos povos eslavos, pelos povos amarelos, pelos povos sul-americanos e ter, assim, uma ideia do que será o colorido do Reino de Maria.
Usando uma metáfora, a História às vezes faz com as nações o que o pavão efetua com sua roda: arma um leque e anda para os homens admirarem. E cada pena é uma nação. Já me aconteceu várias vezes olhar pavões e fazer uma comparação entre a dignidade majestosa da roda e o pescoço todo azul ou verde, magnífico, que se ergue com uma distinção e uma categoria extraordinárias. E me perguntar a mim mesmo o que o pavão tem de mais bonito, se é a roda ou a penugem do pescoço; e ficar em dúvida.
Assim, o que é mais belo: o conjunto das nações ou a História que nos apresenta esse conjunto de nações? Fica-se na dúvida. A História vista assim é uma maravilha. É o desfile pelos séculos, primeiro do povo eleito; depois, da Santa Igreja Católica. E posteriormente, como roda ou o pescoço em torno, a atitude das várias nações face à Esposa de Cristo; e o refulgir das várias nações quando se deixam penetrar pelo espírito da Igreja. E a Igreja tem alegria com as várias nações que ela penetrou com seu espírito, mais ou menos como o pavão com suas penas.
Isto posto, poderíamos nos voltar para as várias nações europeias e nos perguntar qual a forma, qual o tipo de grandeza, qual a maravilha que nelas há; e como é que brilharam, e o que elas teriam sido. Há aqui o que São Luís Grignion de Montfort chama segredos da natureza e da graça, os quais são tão profundos que não chegamos a nos dar inteiramente conta disso.
Afinidades entre o panorama e a alma de uma nação
Vamos dividir a Europa em três blocos: os latinos, os germânicos e anglo-saxões, e os eslavos.
Consideremos, por exemplo, os latinos e remontemos até os romanos.
Como se fez essa vinculação, por onde em determinado momento nasceram os latinos? O que aconteceu quando os romanos passaram a dar origem aos latinos, que já não são os romanos? E qual é a diferença entre um romano e um latino? O que é o espírito latino?
Análoga pergunta poderia ser feita quanto ao espírito germânico-anglo-saxão. E também em relação ao espírito eslavo, que já está um pouquinho fora do limite europeu; portanto poderia ficar para os povos que vão entrar na História. Sem saber que eu iria tratar hoje desse tema, tenho ultimamente pensado nesse assunto.
O panorama de cada país tem uma afinidade com a alma do país. De tal maneira que se fica com a impressão de que aquelas paisagens o modelaram.
Tomem determinado país, considerem o panorama e notarão que este tem uma espécie de afinidade com a alma do país. De tal maneira que se fica com a impressão de que aquelas montanhas, aqueles rios e aqueles ambientes o modelaram.
Ora, o homem é o rei da natureza. Sua alma não se deixa modelar de tal maneira pela matéria, nem seu corpo pelo ambiente. O homem é feito, até, para marcar o ambiente. Ele recebe do ambiente uma certa influência, mas ele cria em larga medida o ambiente. Não podemos admitir que o homem seja filho da geografia. Ele é filho da vida das almas, da atitude das almas perante Deus. Sobretudo da graça que intervém, aconselha. Disso tudo é forjada a alma humana.
Como acontece que há tais semelhanças entre os ambientes e os panoramas, de um lado, e as almas dos povos, de outro lado, que quando se vê, por exemplo, as montanhas do Rio de Janeiro nota-se que o modo pelo qual elas se encaixam umas nas outras é brasileiramente amigo e irmão. Elas parecem derreter-se umas nas outras; enquanto que, observando as montanhas da Espanha, tem-se a impressão que um gigante andou por lá quebrando-as. Elas apresentam uns píncaros grandiosos e isolados, meio trágicos no ar e meio incoerentes, cada um a cantar a sua própria personalidade.
As belas montanhas dos Alpes, que deitam vertentes para o mundo latino como para o mundo germânico, são diferentes. A tendência delas — não é sempre assim, porque esta Terra não é um paraíso — é estarem organizadas quase como cadências harmônicas. Um grande monte, outros e outros… Prestando a atenção, percebe-se que tudo se reduz a harmonias efetivas ou esboçadas, e que estaríamos na presença de uma espécie de grande parada ordenada da geografia. Ora, o alemão é assim, organizado! O latino, nem tanto… O espanhol é afirmativo, épico, heroico!
As montanhas da Itália correm! Eu diria que elas brincam, gracejam um pouco, e a própria forma geográfica do país é um pouco uma brincadeira. Tem-se a impressão que a Itália dá um pacífico pontapé na ilha da Sicília, a qual não o toma a sério e continua tranquila.
Fui levado a pensar especialmente nisso porque, numa noite, caiu em minhas mãos uma vida de São Vicente, mártir do tempo dos romanos, quando não havia ainda a Espanha. O martírio de São Vicente é antes de tudo um martírio de um herói que está penetrado pela Fé, e que ama a Fé católica como um grande santo, na hora em que a graça incide nele perpendicularmente e tira da sua alma os melhores acordes.
É uma magnificência a vida de São Vicente, mas, sobretudo, a sua morte. A Espanha de hoje está para a Espanha de São Vicente, na melhor das hipóteses, como estão o ovo, o trigo, o leite e o fermento antes de existir a massa do pão. Vão ser misturados para formar pão. Havia, na melhor das hipóteses, os elementos de que nasceu a Espanha de nossos dias. O modo de São Vicente desafiar os seus verdugos era à la espanhola. Vê-se que ele tinha uma grandeza, de dar taponas naqueles montes e tocar para frente.
Notem que depois disso a Espanha passou por quedas horríveis. A invasão dos visigodos e a decadência deles, a ponto de os árabes invadirem a Espanha como o fizeram. Entretanto, havia germens e luzes de hispanidade indiscutíveis no martírio de São Vicente. O que é o papel da natureza, o papel da graça, o que já era a Espanha dentro disso? Era uma vocação que luzia pela primeira vez, para depois passar por um ocaso e renascer para os séculos? Não sei também. Há um mistério que não se sabe como explicar: é o mistério das nações.
O romano e o latino
Há um mistério das almas humanas, assim como um mistério sobre as nações. Eu mais estou enunciando esses belos mistérios do que propriamente resolvendo-os.
O romano e o latino…
O espanhol, o italiano, o português são latinos; o francês é 80% latino. O que distingue o espírito romano do espírito latino? O espírito romano é imponente, grandioso, sério, monumental; é um espírito monumental por excelência. O espírito latino é assim? Entrou qualquer fator que não sei qual é, mas que certamente não foram as invasões germânicas nos territórios europeus, por onde o latino é muito mais leve do que o romano; e quando o romano construiu uma torre, o latino já voou por cima de um espaço que essa torre não vai alcançar.
É ágil, pega as coisas depressa. Sabe girar, manobrar, fazer, mover-se, tem uma força e uma destreza de espírito que não conheço outro povo do mundo que tenha todas essas qualidades.
De onde nasceu isso? Nós latinos temos algo do monumental romano, mas aligeirado, tornado ágil e pouco próprio a arrancar bocejos, enquanto que o romano faz a pessoa bocejar um pouco dentro daquele eterno monumental. Não se saberia bem dizer, porém um fator novo entrou, e um dos seus elementos mais característico de rapidez, de inteligência e de agilidade é o espírito brasileiro, que, entretanto, puramente latino não é! Todos sabem que houve outras composições étnicas em nosso país, muito frequentes, senão em cada caso, pelo menos como uma regra quase geral. Aquilo que se chama espírito brasileiro é um dos luzimentos do espírito latino.
Então vamos analisar muito rapidamente o espírito latino, nos vários povos latinos, e tentar fazer com isso um leque; depois comparar com o espírito germânico. Assim teremos dado alguma coisa do tema proposto, o qual se revela um pouco mais vasto do que os limites naturais de uma conferência, porque o tempo é feito pelo auditório, pelas necessidades da expressão; daí vem também o mais longo ou menos longo na exposição.
Continua no próximo artigo.
(Extraído de conferência de 21/2/1981)
1) Jovens membros do Movimento fundado por Dr. Plinio perguntam-lhe como devem ser entendidas as diversas nações.
2) Beato Inácio de Azevedo e seus companheiros mártires (†1570), todos pertencentes à Companhia de Jesus. A nau que os levava para o Brasil foi interceptada por cinco navios de inimigos da fé católica.