domingo, noviembre 24, 2024

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As dores de Nossa Senhora

Depois de descrever a fisionomia moral da Mãe de Deus, Dr. Plinio considera os sofrimentos pelos quais passou a “Mulier dolorum” ao longo de toda a sua existência, em união com seu Unigênito. Tais considerações nos convidam a um exame de consciência feito com paz e inteira confiança na misericórdia divina.

Hoje é um dia muito significativo para nós, pois é a Festa das Sete Dores de Nossa Senhora.

Parece-me que não podemos deixar passar a ocasião sem dizer uma palavra a respeito.

”Mulier dolorum”

O que nós podemos considerar a respeito de Nossa Senhora e de suas dores, fundamentalmente, é o seguinte:

Enganam-se aqueles que julgam que a Virgem Maria teve em sua vida uma única ocasião de dor correspondente à Paixão e Morte de seu divino Filho. Esse momento foi realmente de uma dor suprema, a maior que jamais se tenha sentido no universo, abaixo da dor insondável de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua humanidade santíssima.

Foi uma dor tão grande que recapitulou todas as dores do universo. Tudo quanto os homens sofreram desde a queda de Adão e sofrerão até o último instante em que houver homens vivos na Terra, vai ser incomparavelmente menor do que a dor que Nossa Senhora sofreu.

Contudo, erraria quem pensasse que Ela padeceu essas dores durante a Paixão, mas fora daquele período não teria sofrido mais. E, portanto, sua vida viria transcorrendo calma, satisfeita, inundada pelo contentamento de ser Mãe do Salvador quando, de repente, chegou aquela dor lancinante que durou até a Ressurreição de Nosso Senhor, mas depois passou o sofrimento e Ela teve novamente uma vida alegre.

Na realidade isso não se deu e é um modo completamente equivocado de considerar as dores de Nossa Senhora.

Nosso Senhor Jesus Cristo foi chamado por um dos profetas — se não me engano, o profeta Isaías1 — de Vir dolorum: o Varão das dores; o homem ao qual era próprio sofrer, que está cheio de dores e que trazia essas dores na sua alma santíssima durante toda a sua existência.

De maneira que a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo não foi um fato isolado na sua vida, mas o ápice de uma sequência enorme de dores que começaram desde o primeiro instante de seu ser e foram até o momento em que Ele exalou, num dilúvio de dores, o terrível Consummatum est2. Durante todo esse tempo Ele continuamente sofreu.

Ora, como Nossa Senhora é o espelho da sabedoria, é espelho da justiça e Ela reflete em Si tudo o que é de Nosso Senhor Jesus Cristo, deve-se dizer de Nossa Senhora que Ela foi a Mulier dolorum, a Mulher, a Dama das dores e que também Ela teve a sua vida inteira pervadida pela dor, pelo sofrimento.

É certo que essa dor teve proporção com as forças incalculáveis que a graça Lhe dava. Sem dúvida, foi uma dor imposta pela Providência e, portanto, por mais lancinante que tenha sido, não era dessas dores que produzem turbulência e provações que devastam e sujam a alma.

Eram dores imensas, mas muito arquitetônicas, muito sábias, recebidas com uma serenidade de alma admirável! De maneira que, assim como se atribui a Nosso Senhor essas palavras de Isaías: Ecce in pace amaritudo mea amarissima 3 — “Eis na paz a minha amargura muito amarga” —, também de Nossa Senhora se pode dizer: “Eis na paz a minha amargura amaríssima.” No meio de um oceano de dor, aquilo tudo equilibrado, raciocinado, refletido e suportado com amor e com estabilidade de alma incomparável, sem emoções exageradas.

Entrelaçamento das mais tremendas dores com as mais excelsas alegrias

Portanto, com uma quase infinidade de sofrimentos padecidos sem torcida, sem pânicos, mas com muito medo, com muita angústia e, em certas circunstâncias, até com um peso de dor que chegava quase a estraçalhar, a Santíssima Virgem foi durante a vida inteira uma grande sofredora. Entretanto, uma sofredora que teve momentos de alegria e, mais do que isso, Ela teve uma grande felicidade ao longo de toda a sua existência.

Ela também teve gáudios como nunca pessoa alguma teve. E todas as alegrias do mundo, desde o primeiro instante em que o homem foi criado no Paraíso, até o último momento em que haja homens na Terra, todas somadas não darão as grandes alegrias de Nossa Senhora.

Podemos imaginar a dor de Nossa Senhora vendo uma criança de cinco, dez, quinze anos a sofrer e a transpirar sangue face à perspectiva dos tormentos que viriam?

Victor Domingues
Menino Jesus com os instrumentos da Paixão – Mosteiro dos Jerônimos, Lisboa (Portugal)

Mas essas dores e alegrias se entrelaçavam continuamente e Ela vivia suportando o fardo dos mais tremendos padecimentos e, ao mesmo tempo, aliviada pelo bálsamo das mais excelsas alegrias.

Assim vista a fisionomia moral insondavelmente santa de Maria, convém nos atermos especialmente às suas dores. Quais foram as dores de Nossa Senhora?

O tormento ao considerar os pecados dos homens

Antes mesmo de saber que seria a Mãe de Deus, Ela começou a sofrer uma dor que para uma alma zelosa é imensa e que atormentou incontáveis santos — creio ter afligido todos os santos ao longo da história — e que Nossa Senhora, naturalmente, teve em grau superlativo.

Concebida sem o pecado original, desde o primeiro instante do uso da razão, a Santíssima Virgem já iniciou sua vida mística. E teve conhecimento do pecado e de toda a infelicidade dos homens. Nutrindo pela glória de Deus tal zelo que daria mil vidas para evitar um pecado mortal, Ela passava por essa dor tremenda de ver a humanidade inteira imersa em pecados. Sofria ao considerar aquelas pessoas que morriam e cujas almas, em número enorme, caíam no inferno, ou então, quando não se condenavam, iam para a triste morada do Sheol, onde muitas já se encontravam há dezenas de séculos à espera de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Além disso, Nossa Senhora viu os pecados cometidos por ocasião da vinda do Messias, e os que viriam depois do Salvador até o fim do mundo. E isso causava a Ela um tormento do qual não podemos ter ideia.

Se houve santos que desmaiaram ao receberem a revelação dos padecimentos do Salvador, podemos imaginar o que representava para Nossa Senhora o mínimo episódio da Paixão

Sergio Hollmann
Coroação de espinhos – Catedral de Colônia, Alemanha

Houve um santo — eu não sei se foi Santo Inácio de Loyola — que disse o seguinte: se ele tivesse de viver a vida inteira simplesmente para evitar um pecado mortal de uma pessoa que depois fosse para o inferno, ele daria por bem empregados todos os sofrimentos de sua existência. Portanto, não para salvar aquela alma, mas para impedir de ser feita a Deus uma ofensa grave, de tal maneira o pecado mortal é um mal insondável.

Mas se era esse o pensamento de um santo, o que pensava Nossa Senhora, perto da Qual o maior santo é menos do que uma gota d’água comparada a todos os mares do mundo, menor que um grão de poeira em comparação a todos os universos? A santidade da Virgem Maria não tem proporção com nada. Nós não podemos fazer o cômputo da desproporção entre a santidade d’Ela e a de todos os anjos e santos reunidos. Assim, que tormento os pecados dos homens constituíam para Ela!

Dor diante da perspectiva e da realização da Paixão

A Santíssima Virgem recebeu, depois, a magnífica notícia de que seria a Mãe do Verbo encarnado. Podemos imaginar sua alegria ao adorar Jesus no primeiro momento em que Ela O concebeu por obra do Espírito Santo! Mas também sua dor ao pensar ser esse Messias o homem sofredor de que falara o profeta Isaías…

Segundo a opinião de alguns, antes dos trágicos acontecimentos da Paixão a Santíssima Virgem não tinha conhecimento da morte de Nosso Senhor na Cruz, e soube apenas no momento em que esta se deu. Eu não discuto a questão. É fora de dúvida que Ela, pelo profeta Isaías, sabia que seu Filho deveria sofrer dores inenarráveis.

Maria de Ágreda4 conta que havia na casa de Nazaré um oratório onde, várias vezes, Nossa Senhora encontrou Jesus ajoelhado e suando sangue, na previsão de sua Paixão e da ingratidão com que os homens a receberiam.

Diante disso, que é tão verossímil, podemos imaginar a dor de Nossa Senhora vendo uma criança de cinco anos, depois de dez, mais tarde de quinze, depois um moço de vinte e, por fim, um homem já feito de vinte e cinco, e de trinta anos, ajoelhado frequentemente, a sofrer e a transpirar sangue face à perspectiva dos tormentos que viriam? Tanto mais Ela que amava Jesus, não apenas como uma mãe ama seu filho, mas como uma mãe ama seu Filho que é Deus!

Com certeza, Ela se prostrava perto de Nosso Senhor e sofria das dores d’Ele. E não é de admirar que Ela tenha suado sangue como Ele.

Ao iniciar-se a vida pública de Jesus, Nossa Senhora passa pela dor da separação. Começam os milagres, vêm as vitórias, é o momento da alegria. Mas, pouco depois, surge a ingratidão e prepara-se a tempestade de injustiças que desfechou na Paixão. Com tudo isso Ela sofria de um modo inenarrável! Se houve santos que desmaiaram ao receberem a revelação dos padecimentos do Salvador, podemos imaginar o que representava para Nossa Senhora o mínimo episódio da Paixão.

Por amor a nós, quis sacrificar o seu Filho Unigênito

Afinal, chega o momento da crucifixão, e as dores de Nosso Senhor atingem o seu paroxismo. E Maria Santíssima fica nessa alternativa: de um lado, desejar que Ele morra logo para diminuir as dores; de outro, que sua vida ainda se prolongue, em primeiro lugar porque toda mãe anseia por prolongar a vida de seu filho e, em segundo lugar, pela ideia de que assim Ele sofreria mais e os pobres pecadores seriam mais favorecidos.

Ela, então, concorda com o prolongamento desse sofrimento e firma o propósito de aceitar que Nosso Senhor seja imolado apenas naquela hora extrema, com todas as dores que Ele tivesse de sofrer.

Ela, Rainha do Céu e da Terra, com uma palavra poderia encerrar todos os sofrimentos expulsando os demônios e toda aquela gente que estava lá. Mas, para a salvação das nossas almas, Ela quis deixar aqueles algozes ali.

Apenas uma ou outra situação extrema Ela evitou. Conta Maria de Ágreda que o demônio havia arquitetado o seguinte projeto: quando Nosso Senhor fosse erguido no alto da Cruz e começasse a sua agonia, em determinado momento, derrubar a Cruz no chão, de maneira que a Sagrada Face batesse na terra e se despedaçasse. Mas Nossa Senhora, diante do excesso de ignominia de uma intenção como essa, proibiu o demônio de realizá-la.

Dr. Plinio oscula a Santa Cruz na cerimônia da Sexta-Feira Santa de 1992

Agora, por que Ela deixou o demônio fazer todo o resto? Porque amava tanto a salvação de nossas almas — mas da alma de cada um de nós — a ponto de querer que o Filho d’Ela passasse por tudo aquilo para, por exemplo, eu não ir para o inferno. E Ela ama de tal maneira a minha alma e a de cada um dos senhores que, ainda que houvesse um só dos senhores para ser salvo naquele dilúvio de dores, Ela quereria que seu divino Filho sofresse aqueles tormentos para salvar essa alma.

Imaginem, por exemplo, Nossa Senhora vendo a coroa de espinhos penetrar na fronte sagrada de Nosso Senhor e produzir lesões nervosas que faziam o seu Corpo estremecer em meio a todas aquelas dores que Ele já padecia. Contemplar o Sangue escorrendo de todos os lados, a sede tremenda, a febre altíssima, os estertores de todo o Corpo.

A Santíssima Virgem conhecia e media tudo isso. Entretanto, queria que fosse assim. Ela era como um sacerdote que imolava a Vítima divina no alto do Calvário. E se era esse o preço de uma alma, Ela desejava que o Filho d’Ela sofresse o que estava sofrendo para conquistar uma alma.

A grandeza de Nossa Senhora não está tanto na enormidade das dores padecidas, quanto no fato de ter Ela querido sofrer o que sofreu. Ela quis que o Filho d’Ela realizasse esse sacrifício tremendo e admirável, e fez isso por amor a nós. Porque Deus nos amou a ponto de querer sacrificar o seu Unigênito, Ela nos amou tanto que aderiu a essa função sacrifical, e quis sacrificar por cada um de nós o seu Filho Unigênito.

Um exame de consciência

A Semana Santa está se aproximando e é o momento de cada um de nós fazer, individualmente, uma meditação a esse respeito. Por mais que o homem pense, ele não pode deixar de se nutrir dessa reflexão que nunca deve bastar para a alma católica.

Colocar-se, portanto, sozinho frente a um Crucifixo ou diante de uma imagem de Nossa Senhora das Dores, e esquecer o restante do mundo. Porque diante de Deus, o mundo inteiro para mim não existe. E então fazer-me esta pergunta:

Eu, Plinio, tenho consciência do preço da minha salvação? Todas as graças que eu tenho recebido, eu faço ideia dos gemidos e das dores que elas custaram e do que causaram no Coração Imaculado de Maria?

Eu tenho ideia de que tudo quanto se passou no Gólgota de tal maneira visava a minha salvação que se teria realizado ainda que eu fosse o único beneficiado?

Sergio Hollmann
O flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo está aberto, jorrando misericórdia para todos nós e nos chamando à contrição, à penitência, à reconciliação magnífica com Ele. Crucifixão – Museu do Louvre, Paris (França)

Eu estou compenetrado de que no alto da Cruz Nosso Senhor Jesus Cristo pensou nominalmente em cada homem, desde o começo do mundo até aqui? E que, portanto, passou pela mente divina d’Ele, com pensamento de misericórdia, de bondade e de salvação, o nome de Plinio Corrêa de Oliveira? E que Ele teve em vista não apenas meu nome, mas viu minha alma, minha pessoa, o meu ser, e amou o meu ser por Ele criado e, num ato de amor a meu ser, fez aquele sacrifício para eu ir para o Céu?

Dou-me conta de que a minha salvação custou tudo isso?!

E como tenho eu correspondido a tantos benefícios? Qual tem sido minha ingratidão? Quantas faltas cometidas, muitas vezes por imprudência! Simplesmente por não querer evitar uma ocasião, por não fazer uma pequena mortificação, eu peguei o Sangue de Cristo e o joguei na sarjeta! Apesar desse Sangue derramado em meu favor, eu me pus em condição de perdição.

Entretanto, Deus me tolerou nessa vida, me suportou e me esperou com outras graças ainda maiores do que aquelas já recebidas.

A Semana Santa é uma ocasião de graças para cada um de nós. O flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo está aberto, jorrando misericórdia para todos nós e nos chamando à contrição, à penitência, à reconciliação magnífica com Ele. Há uma efusão de bondades e de carinho para conosco como jamais poderíamos imaginar!

Portanto, minha primeira preocupação na Semana Santa deve ser a de pensar em minha alma. Pensar sem temor, sem pânico, porque Deus é Pai de misericórdia e Nossa Senhora é a Mãe e o canal de todas as misericórdias. Mas pensar com seriedade, a fundo, colocar-me diante desse Sangue de Cristo que corre e perguntar-me: O que fiz eu desse Sangue?

Junto à Cruz como São João Evangelista

Nosso Senhor pensou em tantas almas que haviam de desprezar o Sangue d’Ele levianamente, estupidamente, a propósito de uma ninharia, de uma bagatela: pela risada de uma criada, como São Pedro, por trinta dinheiros como Judas, por preguiça e vontade de dormir como os outros Apóstolos, por medo, por oportunismo, por sensualidade, enfim, por quantas coisas as almas haveriam de rejeitá-Lo!

Mas isso ainda é pouco. Nosso Senhor teve em vista, e Nossa Senhora também, todas as traições, todos os abandonos, tudo quanto almas sacerdotais O fariam sofrer.

Davi tem essa queixa em relação a um amigo que fez mal a ele: “Se outrem me fizesse isso eu não me queixaria. Mas tu, um outro eu mesmo, que comigo comias doces alimentos?!”5

Tudo isso foi visto. Mas também foram considerados com amor aqueles que, por uma graça especial conquistada por esse Sangue infinitamente precioso, seriam fiéis e estariam junto à Cruz como São João Evangelista.

(Extraído de conferência de 17/3/1967)

1) Is 53, 3.

2) Jo 19, 30.

3) Is 38, 17 (Vulgata).

4) Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665). Religiosa e mística espanhola da Ordem da Imaculada Conceição. Em uma de suas principais obras, “Mística ciudad de Dios”, narra as revelações recebidas da Virgem Santíssima.

5) Cf. Sl 54, 13-15 (Vulgata).

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