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Fontainebleau: esplendor, riqueza e simplicidade – I

Dr. Plinio era muito sensível às cores. Comentando algumas fotografias do castelo de Fontainebleau, ele chama a atenção para a luz que entra pelas janelas, os lustres, os quadros, os painéis, os caixilhos dos tetos, as tapeçarias, os tapetes, tudo constituindo uma prodigiosa policromia. Mostra que tudo visava a beleza a qual, em seu grau extremo, toca a sublimidade.

O castelo de Fontainebleau1 foi construído, no século XVI, pelos reis da dinastia de Valois2. Quando os Valois se extinguiram, passou para os Bourbons3 e foi ininterruptamente residência real, até a Revolução Francesa. Depois, sob Napoleão III, mais uma vez se tornou residência real; Napoleão I também habitou Fontainebleau. Depois de Versailles, o mais importante dos castelos franceses é Fontainebleau.

Dynamosquito

Galeria imponente

Observem a amplitude das dimensões da galeria, que é um corredor, uma comunicação entre dois pontos do castelo. Em galerias como essa se davam festas, faziam-se bailes. Colocava-se, por exemplo, no fundo, os tronos para o rei e a rainha, depois lugares para os personagens principais da família real, e em todo o resto se dançava, havia buffets e coisas semelhantes, de tal maneira a galeria era ampla e feita com perspectivas colossais, nobres, imponentes.

Notem a preocupação contínua de elevar a nobreza das coisas, e com a nobreza, a beleza a um grau extremo, que toca a sublimidade. Chamo a atenção, primeiro, para o teto. É todo feito com um jogo de madeiras encaixadas e que formam realces, caixilhos. Esses caixilhos constituem desenhos lindíssimos, num tom marrom.

E esse jogo riquíssimo de caixilhos vai se repetindo, com variedade, de uma ponta até a outra. O que não aparece nessa fotografia é que muitos desses caixilhos são realçados a ouro, de maneira que há um jogo de dourado com marrom.

Do teto pendem lustres que se usavam no tempo, altos e, ao mesmo tempo, muito elegantes, suspensos por grandes correntes, e de pesos leves; não se tem nenhum pouco a impressão de uma massa pesada. Há uma bola, mas depois os braços para cima dão uma impressão de equilíbrio. Tem-se mais a sensação de que o lustre está flutuando no ar, do que preso ao teto e constituindo um peso.

Neil Rickards

O jogo de luzes e os quadros

A preocupação ornamental é toda estabelecida em processo de jogos de luz. No soalho, notam-se várias zonas claras e escuras, que correspondem às janelas muito altas. Cada uma delas se compõe de duas janelas superpostas, das quais a mais alta é a maior, e com um vidro que não é inteiramente transparente, mas vagamente leitoso.

Assim, a luz que entra na sala é matizada, meio irreal. E bate, então, sobre um soalho todo feito de tacos enormes, formando desenhos, e esplendidamente encerado. De maneira que essa luz especial penetra aqui, reflete lá, com o brilho marrom da madeira esplendidamente envernizada, e joga dentro de toda a galeria. E uma das coisas que esta galeria tem de mais bonito, mas que fica indefinível, é um jogo de luz dentro dela. Num sistema de arte, uma das coisas mais bonitas é exatamente o jogo de luz.

Porque a luz é algo de nobre, uma categoria de espírito, que nos transporta para uma espécie de mundo irreal, superior, diáfano, quase de fadas, em que se movimentava a sublimidade real, o esplendor da aristocracia e coisas do gênero.

Eu sustento que quem está apto a amar isso tem muito mais capacidade de amar a Deus, do que quem não é capaz de amar esse esplendor

Ignis
Na página anterior, acima, Galeria Francisco I; nesta página, ao lado, um dos aposentos adornado de tapeçarias; abaixo, fachada principal do castelo

E nas paredes, quadros com coloridos muito bonitos, molduras de madeira e de gesso riquíssimas; dir-se-ia que as paredes estão quase empetecadas, mas não estão — o francês evita o empetecamento da Renascença italiana — por causa dessa simplicidade da parte de baixo. O empetecado é bonito desde que contraste com uma zona de muita simplicidade, que o compensa.

Se imaginássemos que houvesse esses quadros na parte inferior das paredes, seria um pesadelo; teríamos vontade de atravessar a galeria correndo. Mas aqui está a nota do equilíbrio francês. Em cima, riquíssimo; embaixo, a madeira muito mais sóbria e com trabalhos discretos, simples, distintos, de maneira que uma coisa compensa a outra, e mais uma vez temos o jogo de claro-escuro.

A luz que penetra pelas janelas também contrasta com o marrom, constituindo um jogo de uma cor meio cinza-pérola, que forma a nota cromática da galeria.

Jogo de painéis, banquetas e, no fundo, o busto do rei

Cada zona dessas — da parte inferior das paredes — é de uma composição muito simples. Porque é feita de um painel central com um escudo e três flores de lis; e, em volta, elementos heráldicos. Ao lado há um painel igual. Mais além há uma espécie de painel extra, que também se repete. Assim, forma-se um jogo de painéis. Enquanto em cima os quadros são muito variados, embaixo os painéis se repetem bastante. E as banquetas repetem-se também, de quando em quando.

De maneira que forma um jogo de unidade na variedade, mas a muitos títulos. Há um contraste entre algumas coisas muito trabalhadas e outras simples. Existem várias unidades e diversas variedades, compondo uma harmonia central. Esta tem por ponto de mira o fundo da galeria, a qual possui duas portas que são apenas o enquadramento do objeto principal: um busto do Rei Francisco I, dominando toda a galeria. A última perspectiva é da majestade real. Olha-se e, no fundo de todas essas distâncias, nimbado de glória, dentro dos jogos de luz etc., está o rei. O que me parece soberanamente bem pensado.

Tão bem pensado que o indivíduo vê isso, gosta e não é capaz de explicitar. É preciso a pessoa ter tido tempo para conseguir explicitar. E o triunfo dessas coisas se dá não quando elas chamam a atenção do homem capaz de explicitar, mas quando encantam o incapaz de fazê-lo. Aqui elas atingem o seu equilíbrio, a plenitude da força convincente. O indivíduo não sabe por que, mas gostou muito.

Por detrás desse esplendor há um princípio de ordem racional

Muitas pessoas que eu conheço, se visitassem esse palácio, diriam que é bonito, mas não teriam a reação de alma que uma coisa dessas deve provocar. Porque eles não procurariam entender que há um princípio de ordem racional por detrás disso; não desejariam ficar nesse local para vê-lo muitas vezes.

A luz é algo de nobre, uma categoria de espírito, que nos transporta para uma espécie de mundo irreal, superior, diáfano, quase de fadas

Eric Pouhier
Nesta página, Capela da Trindade; na página seguinte, a Sala do Conselho

Saindo dali, não se lembrariam disso, e não procurariam fazer algo semelhante, a não ser que estivesse na moda e por questão de esnobismo. Nunca por um verdadeiro gosto e entusiasmo. Por quê? Porque há qualquer coisa de encarangado na alma dessas pessoas, por onde esse sentimento de plenitude, ocasionado pela grande beleza, se perde, se restringe, se retrai, se recusa.

Esplendor e amor a Deus

Imaginemos essa galeria com as danças do tempo em que o castelo foi construído; eram tipos de dança que começaram com a pavana e acabaram com o minueto. Danças que faziam figura e se iniciavam com longas fileiras de senhores e de damas, riquissimamente vestidos e segurando-se pelas mãos, e que entravam de cada lado das duas portas.

Formava-se uma fileira de cada lado e, em alguma tribuna, ou na ponta de entrada, uma orquestra com alguns violinos tocando — porque era só violino. Mais tarde, começaram a usar o cravo para o minueto. Então, as duas fileiras se constituíam, faziam uma reverência ao rei, depois começavam a dançar, atravessando-se umas as outras etc., e enchendo a galeria com suas harmonias, seus perfumes, os reflexos do brilho das roupas, a elegância das pessoas. E dançando havia pessoas famosas: senhores que tinham governado feudos, participado de guerras, diplomatas, militares que estiveram no Oriente, haviam combatido e tinham ganhado guerras, por exemplo, Dom João d’Áustria4. Entende-se, assim, quem estava reunido ali. Tanto mais que, de noite, a iluminação era escassa e fora havia as trevas exteriores de que fala o Evangelho. De maneira que isso era uma espécie de guia de luz, numa noite escura. Compreendemos, então, todos os contrastes que jogavam a favor disso. Era uma verdadeira maravilha.

Urban

Esse era um dos aspectos do esplendor, do estado de alma em que a pessoa é apetente e se torna plena dessas coisas; não fica ressentida, encarangada, dispersa, em presença disso. Eu sustento que quem está apto a amar isso tem muito mais capacidade de ideal, e de amar a Deus, do que quem não é capaz de amar esse esplendor.

A Sala do Conselho

Consideremos a Sala do Conselho. Não se sabe bem o que dizer dela! É uma tal pluralidade de cores e de coisas bonitas que, no primeiro momento, fica-se aturdido. Mas depois as observações podem começar. A primeira é a seguinte: o teto aqui aparece melhor; não é envernizado, mas inteiramente pintado. É de uma rara beleza, porque tem qualquer coisa da abóboda celeste, a qual é de certo modo feita de caixilhos de estrelas diferentes. Não é como o teto lambido dos prédios de apartamentos de hoje; aqui tem reentrâncias, saliências, ornatos etc., possui algo do princípio ornamental da abóbada celeste noturna, que é o jogo, as massas, os movimentos.

Mas a Sala precisava ter traves de sustentação, e estas foram aproveitadas como elemento de decoração, formando províncias de caixilhos diferentes. Notem como as pinturas realçam as traves: um azul esverdeado muito claro e um ouro morto, com desenhos muito elegantes que exploram o pontudo e o ovalado, num arabesco.

Os lustres pendem das traves. Porque estragaria o jogo dos caixilhos um lustre pendurado num deles. Prestem atenção nos lustres! É indizível a beleza de um lustre desses. Isso é de conto de fadas! Há uma bola na ponta de cada um dos lustres, que — por uma convenção da qual não me lembro mais qual é — costumava ter água. Quando fabricavam o lustre, colocavam água nessa esfera. E parece que isso aumentava a capacidade de reflexo, porque esta bola tinha uma finalidade útil que era colher as últimas luzes que caem, e refleti-las ainda uma vez para iluminar a sala.

Há um tal escachoar de cristais diversos, que não se tem o que dizer, mas é muito interessante porque, pelo efeito de refração, multiplica-se a luz das velas. É altamente funcional.

Chamo a atenção para as tapeçarias. Não são quadros que estão nas paredes, mas tapeçarias, provavelmente de Gobelin5, como também o tapete. As paisagens das tapeçarias detêm o espírito, de maneira que a pessoa fica olhando muito tempo; importa muito o jogo geral das cores, segundo um princípio a respeito do qual vou falar em breve. Existem várias tapeçarias simétricas, porque a beleza da sala é toda baseada em simetria. Depois vemos a chaminé da lareira, que respeita o princípio daquela galeria que analisamos: ultrassobrecarregada na parte superior, e na inferior muito simples, de maneira a descansar a pessoa do sobrecarregado que está em cima.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 31/10/1966)

1) Situado a 55 quilômetros do centro de Paris, França.

2) Dinastia que reinou na França de 1328 a 1589.

3) Os Bourbons ocuparam o trono francês de 1589 a 1792, quando Luís XVI foi preso e decapitado pela Revolução Francesa. Restaurada em 1815, esta dinastia reinou até a abdicação de Carlos X durante a Revolução de Julho de 1830.

4) Capitaneou a esquadra que venceu os otomanos na Batalha de Lepanto em 1571.

5) Famosa manufatura de tapeçarias ricamente ilustradas, criada na França em 1667, sob o reinado de Luís XIV.

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