Pela razão, uma pessoa pode ter certezas fragmentárias. Mas a certeza do conjunto das verdades que dizem respeito ao homem, a Deus e ao universo, somente pela Fé pode ser adquirida. Desde menino, Dr. Plinio possuía ardente Fé e, quando tomou conhecimento da infalibilidade pontifícia, acolheu essa verdade com fervor e entusiasmo, compreendendo que sem ela não poderia haver ordem humana.
Por que a infalibilidade papal me tocou mais do que tudo?
Sei que a infalibilidade é um carisma conferido por Nosso Senhor Jesus Cristo à sua Igreja. Jesus, Deus e Homem verdadeiro, nosso Criador e Redentor, fundou a Santa Igreja Católica Apostólica Romana e, quando prometeu que as portas do Inferno não prevaleceriam contra ela, deu-lhe o carisma da infalibilidade. Se a Igreja caísse em erro, as portas do Inferno teriam prevalecido contra ela. Eu creio, portanto, que a Igreja tem essa infalibilidade porque Nosso Senhor Jesus Cristo o afirmou. Mas por que razão isso de tal maneira me enche a alma?
Infalibilidade da Igreja: fechadura que encerra todos os tesouros
A explicação está no histórico que acabo de fazer. Se um menino, de passos incertos, que mede as dimensões daquilo que todo o homem pode atingir, vê como suas dimensões atuais são menores e não sabe como chegar à plenitude delas, nem que rumo dar, em que lado procurar o ponto terminal das suas dimensões, não sabe o que fazer de si mesmo e encontra a solução na Igreja, ele se põe normalmente na posição de discipulado, de súdito. E fica encantado quando ele sabe que este mestre para o qual a sua alma se volta, este rei que ele deseja ter para lhe guiar os passos, é um homem na Terra: o Papa. Quer dizer, está tudo predisposto nele para receber com entusiasmo esta verdade.
Para mim, pessoalmente, o entusiasmo especial decorre do seguinte:
Imaginemos que a porta deste auditório estivesse murada, tal como as outras três paredes, nós estivéssemos de fora, e uma pessoa me dissesse: “Plinio, todo o espaço contido por essa cubagem está cheio de pedras preciosas, de barras de ouro e de prata, tudo o que há de mais maravilhoso. Pertence a seu Movimento, e vocês podem aplicar esse tesouro para o apostolado, as boas obras, a glória de Nossa Senhora, como entenderem, mas com uma condição: vocês têm que descobrir a fechadura. E vou dizer mais: isso não foi dado só a vocês, mas a milhões de homens. Quem descobrir a fechadura ficará com o tesouro, quem não a encontrar, não terá o tesouro.”
E vemos em torno de nós milhões de pessoas, as quais desistiram de procurar a fechadura. Moram perto do tesouro, dizem que são donos dele, mas caminham, comem, bebem, dormem, preocupam-se com outras coisas porque não têm mais a esperança séria de encontrar o tesouro.
Mais ainda, cada um diz ao outro: “Está vendo? Todos esses não encontraram a fechadura, não sou eu que vou achá-la.” E desses milhões de homens que morrem e se sucedem, quase ninguém procura a fechadura.
Em certo momento, um de nós encontra a fechadura, e — como todos os homens — tem na mão a chave por meio da qual aquela se abre. A questão é ter encontrado a fechadura, que é microscópica, minúscula…
Ora, para mim a fechadura, através da qual tudo se abre, é a infalibilidade da Igreja.
Não se pode ter inteira certeza sem a Fé Católica
Com quanta certeza eu falei do bom senso e do raciocínio! O valor de um e de outro sinto em mim, todos os outros sentem também. Mas percebo que todas essas certezas que possuo, eu não teria tido personalidade nem força para adquiri-las se não fosse a Fé.
Não é uma fé qualquer. A Santa Igreja Católica Apostólica Romana é única, e fora dela nenhuma outra merece o nome de Fé. Tendo a crença nessa infalibilidade, todos os tesouros se abrem para mim. Perdendo-a, as minhas certezas amolecem, meu bom senso se gelatiniza e eu não sou nada.
Como fica horrível um homem reconhecer que ele não é nada! Por isso, o indivíduo que não se apoia nessa infalibilidade começa a mentir para os outros, dizendo ser alguma coisa, mas ele sabe que não é nada. Então, de zero ele passou para um valor negativo: um saco de vaidade e de mentira. É uma pessoa que não tem certeza da própria certeza e titubeia: “Será que é? Será que não é?”
Um indivíduo assim, eu tenho vontade de pegar pela gola e dizer-lhe: “Você se diz católico? Você tem ou não certeza da Fé? Por que não conferiu seus dados com o Magistério da Igreja? Confira! Aí você terá certeza! Ande, ponha-se de pé — ou, muito melhor do que se pôr de pé, ponha-se de joelhos! Então você saberá o que precisa fazer, como deve pensar, encontrará o seu próprio rumo.”
Assim, torna-se claro que tudo me predispôs a um particular fervor, a um particular entusiasmo para com essa verdade, sem a qual eu não creria em nenhuma ordem humana, não creria em absolutamente nada.
Alguém dirá: “Mas o senhor então, no fundo, é um relativista.”
Explico: de nenhum modo sou um relativista. Eu acabo de dizer que o homem, tomando os conhecimentos que ele tem pela Fé e conjugando-os com os que ele possui pela razão, pode, no inteiro respeito e no desenvolvimento do seu bom senso, ter um tesouro magnífico de certezas. Mas sem a graça de Deus ele não consegue isso. Ele pode ter certeza num ou noutro ponto, como um cientista que encontrou uma reação química consegue ter certezas, mas certezas fragmentárias. Pedaços de certeza não formam uma certeza, como cacos de vidros não constituem um vitral. A certeza é do conjunto das verdades que dizem respeito ao homem, a Deus e ao universo. Isto é certeza!
É em função disso que as certezas científicas e outras se encaixam, se ordenam. Mas não se pode ter inteira nem adequada certeza sem a santa Fé Católica, Apostólica, Romana.
A Fé alarga os horizontes, ordena o pensamento
É certo que a razão humana, sem recorrer à Revelação, encontra por si mesma muitas verdades que Deus também ensinou. Por exemplo, a unidade de Deus; o homem pode chegar a essa verdade pela razão. É certo que os Mandamentos da Lei de Deus o homem alcança por sua razão; a razão humana, sem recorrer à Revelação, chega a demonstrar que aqueles preceitos são verdadeiros.
Mas, sem a graça de Deus, o homem não seria capaz de permanecer muito tempo com uma noção límpida dos dez Mandamentos. Embora sua razão pudesse conhecê-los, ele não seria capaz de praticá-los duravelmente. Isso só é possível pela graça de Deus.
São Paulo diz que nós somos consortes da natureza divina; algo da própria vida de Deus vive em nós dessa maneira. Pela luz, pela força que nos vem da graça, a inteligência e a vontade podem crer, conhecer e praticar respectivamente o que devem. Com a graça, a inteligência se engrandece e passa a conhecer verdades que o homem jamais conheceria, nem mesmo antes do pecado original, se não fosse a Revelação.
A fonte da graça é a Igreja Católica, e a cúpula da Igreja Católica é o Papa, a infalibilidade papal. Aqui temos a ordenação, o calor de alma com que nós, católicos, devemos viver.
Drama pelo qual passam todos os homens
Não quereria terminar a reunião sem mencionar, neste histórico, algo ao qual já me referi, de passagem, anteriormente.
Para lhes tornar claro o assunto relativo à Fé e à Igreja, fiz quase uma espécie de narração biográfica do que eu poderia chamar a minha instalação dentro da Igreja. E julgaria andar mal se encerrasse sem dizer uma palavra sobre Nossa Senhora.
Um drama de todos os homens, e que eu senti de um modo pungente — todos sentimos, a todo momento, de modo pungente —, é o seguinte: a desproporção e a fraqueza do homem diante da própria vida, do dever e do problema da verdade. Como eu me sentia pequeno, insuficiente, mole, preguiçoso!
Aliás, o interesse do que estou expondo não consiste em terem sido fornecidos dados de minha biografia, mas em que essas realidades, de um modo ou de outro, são vividas por todo mundo.
Quem não exaltou, em que língua não foram glorificadas as alegrias da inocência? Toda criança, máxime a batizada, as tem.
Lembro-me dessas alegrias, que às vezes ocorriam nas minhas horas de reflexão, antes das sestas que, na minha primeira infância, eu era obrigado a fazer todos os dias.
Evidentemente eu levava algum tempo para dormir, ficava pensando e, muitas vezes, dizia para mim mesmo: “Tudo isto é tão bom! Mas como é enorme!” Quando eu olhava na outra ponta da vida minha avó — que devia ter naquele tempo uns 60 anos —, pensava: “Idosa como ela está… eu tenho que chegar até lá. Quanto tempo para viver!”
Quando eu encontrava velhos na rua, pensava: “Tenho que percorrer o caminho que chega até lá? Ah, não tenho fôlego para isso! Como vou viver tudo isso? Que esforço! Que coisa enorme!”
Depois, veio a obrigação de cumprir o dever, estudar. E quando começou a batalha pelos Mandamentos, que dificuldade, que coisa penosa! E quantas e quantas vezes refleti: “Eu não conseguirei, porque isso importa em um sofrimento para mim, que não quero suportar. E não quero por moleza, porque como sou mole, não gosto de fazer esforço. Eu sofro com o esforço e não quero, portanto, fazê-lo. Sei que tenho culpa, mas é assim.”
De outro lado, eu pensava: “Não devo omitir-me. Mas como?” Impasse sem solução.
Nossa Senhora se debruça sobre o fraco, dizendo: ”Meu filho”
Entendi bem qual era o elo indispensável para todas as soluções, a chave de tudo, quando, diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na Igreja do Coração de Jesus, atentei melhor para o que queria dizer “Salve Rainha, Mãe de misericórdia”, etc., e comecei a ter devoção a Nossa Senhora. Aí compreendi a misericórdia d’Ela para quem não merece.
Eu tinha ideia de que Ela amaria somente quem merecesse. E a falência de quem não tivesse méritos seria irremediável, pois Maria Santíssima não o quereria, os Anjos lhe voltariam as costas, Deus estaria encolerizado com ele. De outro lado, eu também não queria me esforçar. Parecia-me, portanto, não haver solução.
Mas depois comecei a entender que Nossa Senhora ama a quem não merece, protege o ingrato, tem pena de quem não vale dois caracóis e deveria ser castigado, se debruça e diz: “Meu filho.” Ela sorri, estimula, perdoa, arranja um jeito industrioso e cheio de bondade para dissimular que não viu tal coisa, esquece tal outra, e sempre, sempre ajuda de novo, põe a pessoa de pé e lhe dá outro ânimo.
Cada um de nós passa a vida inteira aprendendo isso e só entende mesmo no momento em que morre. É no Céu que compreende porque vê, e então pode amar inteiramente.
Sem isto, como o jovem da magnífica metáfora contada no início da reunião1, eu teria visto a montanha, tido o entusiasmo pelo castelo, mas depois menearia a cabeça e diria: “Não! Eu nasci para a planície.” Mas saberia estar mentindo, porque eu teria descido pelo resvaladouro abaixo.
Tenho a alegria de vos falar a respeito do castelo, ao cabo de 72 anos de vida, em que procurei não propriamente me aproximar — se o castelo é a Santa Igreja, graças a Nossa Senhora estamos todos dentro dela —, mas penetrar dentro do castelo e tê-lo na minha alma o quanto possível. E se recebi essa graça é porque, no mais alto dos Céus, a Mãe de Misericórdia — vida, doçura, esperança nossa — teve pena de mim.
E se os participantes desta reunião estão aqui, não é por outra razão.
Correndo o olhar sobre o auditório, eu que gosto de observar as personalidades, vendo um ou outro, às vezes me aflora a ideia: “Como há de ter sido este, antes de pertencer ao nosso Movimento?” E percebo todo o ziguezague havido antes, e me dou conta do que a Mãe de Misericórdia dispôs, pediu. E quanto Ela chorou por nós ao pé da Cruz, quanto suas lágrimas se uniram ao Sangue redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo para alcançar a nossa salvação!
Assim, há toda razão para encerrarmos a reunião rezando a Salve Regina.
(Extraído de conferência de 17/10/1981)
1) Cf. Revista “Dr. Plinio”, n. 183, p. 10.