Muitos afirmam que o quarto Mandamento se aplica tão somente aos filhos em relação aos pais. Entretanto, ele se refere também a toda autoridade legítima, a qual deve ter algo de paterno e precisa ser honrada; a tintura-mãe de todas as autoridades é o patriarcado.
Pediram-me que falasse sobre o senhorio do ponto de vista sobrenatural, e depois profético.
A ser dada uma definição filosófica do senhorio, provavelmente se diria o seguinte:
Senhorio e tendência para o mais elevado
Todo ser, para sustentar-se na própria existência, tende à consideração de um outro ser mais elevado, que é mais plenamente ele, e representa aquilo que ele deveria ser.
E na constatação de que encontrou um mais pleno, o indivíduo que está abaixo recebe uma espécie de corroboração de todo o seu ser e, melhor dizendo, de todas as suas profundidades. Ele, por assim dizer, floresce e frutifica com mais riqueza, mais abundância, etc., por causa desse contato. E, com isso, é levado naturalmente ao respeito e à obediência. Porque o menos que encontra a plenitude é levado ao respeito desta. Respeito se define como sendo a atitude, a disposição de alma daquele que é menos em relação àquele que é mais.
E aquilo que quem é mais possui não ficou amaldiçoadamente ingurgitado dentro de si, mas ele soube dar de acordo com a ordem que é interna nele, como ele de outrem recebeu. Aquilo que recebeu, ele entende que deve dar, que, na ordem do ser, ele deve fazer isto.
De maneira que, falando de um modo inteiramente teórico, isso chega até ao trabalho manual, onde o homem, que é senhor da natureza, acaba fazendo a esta o bem que recebeu de um que, na ordem das relações humanas, é superior a ele. E, no tapete da natureza, podemos deixar essas relações paradas; de fato, elas não morrem, mas, para nossa análise no momento, como que morrem.
O patriarca e a primogenitura
Consideremos o patriarca, que deve ser em tese o ponto de partida genealógico da tribo. Aí ele é patriarca no sentido pleno da palavra. E num sentido menos pleno, mas real, digno, autêntico, quando ele é primogênito de uma série de primogênitos.
Qual é a razão pela qual o patriarca deve ser a plenitude dos que dele descendem? Pelo fato de ele ser a origem genealógica. Além de outras superioridades, ele deu a transmissão da vida, a qual é uma ação que tem semelhança com a criação e, portanto, enquanto tal, é análoga, semelhante a Deus de um modo esplêndido.
Naturalmente, o patriarca tem por isso uma plenitude a um título especial. Mas, acho que há um carisma ou uma graça especial no patriarca, por onde ele fica com uma plenitude maior do que todos os outros, pelo fato de ser fundador daquela família. Há algo que parte dele e se distribui aos outros pelos desígnios da Providência, e que não é apenas na hereditariedade física, mas também nas relações das almas, por onde ele é a pessoa por excelência da raça que ele fundou. E na qual os outros se miram como na sua plenitude, ainda na ordem natural, mas de um matiz vivo muito especial.
Sente-se bem isso considerando a questão dos primogênitos.
O primogênito é o elemento mais nobre da família porque, com a primogenitura, entra uma participação mais nobre no patriarca, e há uma espécie de herança patriarcal que, de fato, é uma fonte de plenitude e de nobreza maiores por essa razão.
No episódio narrado no “Êxodo”, aquilo que o Egito tinha de mais nobre, inclusive os primogênitos dos escravos, foi dizimado. E para mostrar como existe algo de físico nisso, até os primogênitos dos animais foram exterminados. Quer dizer, há uma certa excelência na primogenitura até enquanto animal, que coexiste no homem com outras excelências. Isso torna o patriarca especialmente sagrado, do sagrado natural.
Toda autoridade deve ter algo de paterno
A autoridade do patriarca não encontra na autoridade do rei senão a plena expressão de si própria, como o Estado e a sociedade humana são expressões inteiras da tribo primitiva. Mas, todas as autoridades têm alguma coisa de paterno. A autoridade que não tenha algo de paterno não é verdadeira autoridade.
Neste sentido é que honrar pai e mãe significa honrar toda autoridade. Segundo o que corre por aí, honrar pai e mãe só se aplica aos pais, de maneira que quem tratar, por exemplo, o prefeito, o delegado ou o diretor do colégio como se trata um colega, não pecou contra o quarto Mandamento. Essa é a interpretação miserável, a versão simplista que se propaga.
Mas de tal maneira o princípio princeps está no patriarcado, que a tintura-mãe de todas as autoridades está no patriarcado. E toda autoridade é, por si, paterna.
O sobrenatural é um reflexo do esplendor de Deus
Podemos agora passar para o plano sobrenatural.
O sobrenatural é uma participação na vida divina, que nos foi obtida mediante a Redenção feita por Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta participação eleva o homem a um grau de vida que ele não tem, mais ou menos como se um animal tivesse participação na inteligência do homem.
Não é um grau de vida a mais, como a participação da condição angélica, mas é participação na vida de Deus, que tem uma perfeição maior do que qualquer outra; é a suma perfeição. Nosso Senhor disse: “Eu vim para que tenham a vida, e para que a tenham abundantemente.”1 Então, o sobrenatural confere ao homem um esplendor de vida, uma irradiação, uma força que o comum não tem, e que é um reflexo do esplendor de Deus.
Originariamente falando, o patriarcado teria dois sentidos: o patriarcado de Pedro, o qual, por razões óbvias, tem o poder das chaves e está na regulação de toda economia que diz respeito à salvação dos homens, através da Igreja. Depois o do bispo, do vigário, da Hierarquia Eclesiástica.
Assim como a ordem sobrenatural é lesada por qualquer violação da ordem natural, ela é propícia a toda observância da lei natural. E as obrigações naturais entre o patriarca católico e o membro de sua grei, também católico, passam, portanto, a ter um caráter sobrenatural porque são operações que a graça favorece; a má ordenação dessas operações pode determinar a cessação do estado de graça, e sua boa ordenação pode ocasionar o incremento da graça. E, portanto, isso se envolve completamente com a graça e tem algo de participativo na graça, como toda ação moral do homem é um elemento de sua moralidade. E isso transparece nas relações.
O patriarca católico de uma tribo católica
Então, tomando, por exemplo, um patriarca antigo que, em virtude dos meros princípios da revelação primitiva e da lei natural, é um patriarca, ele pode ser muito venerável, mas não é um patriarca naquela plenitude em que o é um patriarca católico de uma tribo católica. É completamente diferente.
Esse poder patriarcal como que deixa transluzir, aparecer, a graça em tudo, mais ou menos como muitas vezes se nota numa igreja a presença do Santíssimo. Assim também é essa graça nas relações patriarcais.
Depois, por transposição, tudo isso se diz de todas as outras autoridades. Daí a unção do rei — a qual é um sacramental — ou de quem governa o Estado em outras formas de governo; este último não é ungido, mas poderia ser se ele fosse pelo menos vitalício. Aliás, certos sacramentais não são vitalícios. Daí o caráter patriarcal e nobre de todas as relações superior-súdito dentro da Cristandade.
O Fundador de uma família de almas
O que é Cristandade?
É uma sociedade na qual as relações sociais têm essa infusão do sobrenatural e reluzem com esse esplendor sobrenatural a um título especial. Aqui entra a questão da chave de prata, e tudo que consta do livro sobre a Cristandade2. E a um outro título é patriarca quem funda uma família de almas. É até mais nobre do que ser patriarca, no sentido genealógico da palavra.
Eu acabo de fazer os maiores elogios do patriarcado, no sentido genealógico. Mas ser ocasião para que se forme uma família de almas e atrair essas almas para esta família, é muito superior. Basta ver as cartas dos jesuítas do tempo de Santo Inácio — São Francisco Xavier, por exemplo —, a seu Fundador, para se compreender bem o que representava e o que representa o patriarca de uma família espiritual.
A respeitabilidade suma de São Bento…
Qual é o papel do senhorio dentro disso? É o mesmo sobre o qual falei no começo; a irradiação dessa plenitude, desse vínculo patriarcal, leva ao respeito e à obediência. É por excelência o senhorio.
Profetismo
Profeta não é apenas, nem principalmente, aquele que prevê o futuro, mas quem abre uma via pela qual os povos devem seguir, porque ele recebe de Deus uma missão para isso. Neste sentido, ele prevê o futuro, quer dizer, intui, discerne, ainda que passo a passo, o que tem que ser feito no momento em que cada parcela do futuro vai se tornando presente; ele sabe qual é o passo que deve ser dado.
Profetismo, no que diz respeito à salvação, é um carisma sobrenatural. É, digamos, a plenitude do patriarcado espiritual quando o patriarca é profeta também. Porque nesse caso ele abre as vias, na ordem espiritual, muito mais do que o simples patriarca. E o profetismo tem, evidentemente, a tal título, um senhorio ainda maior do que a paternidade espiritual, quando ela não é acompanhada do profetismo.
No profeta, ainda que seja um homem não bom, mas se tem o carisma profético, nele, enquanto profeta, reluz algo especial de Deus. Portanto, daquela plenitude venerável, que é senhorial e ocasiona o senhorio.
(Extraído de conferência de 14/2/1981)
1) Jo 10, 10.
2) Cristandade, a chave de prata. Obra cuja redação foi iniciada por Dr. Plinio em 1950. Ver Revista “Dr. Plinio” n. 18, p. 18-21; n. 32, p. 5; n. 45, p. 23-26; n. 46, p. 19-24.
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