Chamado por Deus a contemplar, com particular acuidade, a ordem do universo, Dr. Plinio sempre cultivou grande entusiasmo pelos conjuntos das criaturas. Como transparece na presente conferência, esta sua admiração deu-lhe a capacidade de considerar, com profundidade e elevação, o papel que os diversos seres, mesmo os aparentemente defectivos, desempenham nos planos divinos.
Ao discorrermos sobre a admiração, podemos começar por nos perguntar que relação existe entre ela e os mandamentos da Lei divina, o primeiro dos quais nos impõe a maravilhosa obrigação de amar a Deus sobre todas as coisas, ou seja, de adorá-Lo.
Admiração: pressuposto do verdadeiro amor
Amar a Deus sobre todas as coisas não significa apenas amá-Lo acima de tudo, mas em toda a proporção existente entre Ele e nós. Há em nós uma aptidão natural de amar que ainda é ampliada largamente pela graça, cuja ação aumenta muito essa capacidade de amar. E é, portanto, com toda esta dupla capacidade, natural e sobrenatural, de amar, com esse amor tornado assim dilatado e imenso, que devemos adorar a Deus.
Ninguém é objeto de tanta admiração quanto esse Personagem nascido de Maria Virgem, sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde presencia o desenrolar da História.
Agora, qual a relação entre amar e admirar? Evidentemente, para amar algo precisamos conhecê-lo e ter admiração por aquilo. A admiração é uma condição e um elemento do amor. Por exemplo, um filho tem um pai e uma mãe extremamente bons, e os ama muito. Mas por que os ama? Por serem seus pais, mas e também porque eles são extremamente bons. Primeiro os conheceu; depois, no conhecimento viu que eles são extremamente bons; em terceiro lugar, por isso os admirou: “Que coisa extraordinária!” E porque admirou, daí saiu o jato de ouro do amor.
De maneira que amar a Deus sobre todas as coisas pressupõe admirá-Lo sobre todas as coisas. Donde se tira a consequência: não admirou, não amou.
O Personagem mais admirado da História
Há, portanto, uma obrigação das almas de serem largamente receptivas à admiração porque devem estar totalmente abertas para o amor de Deus.
A História teve grandes personagens, alguns dos quais foram grandes facínoras; mas, de qualquer maneira, são personalidades que ocupam um papel importante no acontecer humano. Esses personagens foram tão eminentes porque possuíam esta ou aquela qualidade. Por isso, erguem-se monumentos em honra deles, fundam-se cidades com seus nomes e dão-se todas as provas de admiração que conhecemos.
Ora, não há personagem histórico que tenha granjeado as provas de admiração que tem recebido Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque Ele está de tal maneira no centro da História, que não há uma personalidade que, tendo vivido há dois mil anos atrás, ainda tenha uma organização poderosa, forte, magnífica, como Ele tem para defendê-Lo e adorá-Lo, como é a Santa Igreja Católica.
Ninguém é objeto de tanta admiração quanto esse Personagem nascido de Maria Virgem, e que está agora sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde presencia o desenrolar da História até a hora em que esta terminar e Ele descer, com pompa e majestade, para julgar os vivos e os mortos.
Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo a perfeição extrema, as almas capazes de admirar O admiram com uma admiração que se deve chamar de adoração. E este amor é o fruto imediato e inseparável da admiração. De outro lado, também é impossível ao mal odiar uma pessoa tanto quanto O odeia, precisamente por ser Ele tão perfeito.
A exemplo do Criador, admirar principalmente os conjuntos
Deus criou todas as criaturas à sua imagem e semelhança, e por isso, todas elas, de algum modo, refletem a Deus. Assim, quem tem a alma feita para adorar a Deus, está apto também para admirar tanto as coisas maiores como as menores criadas por Ele, encantando-se ao contemplar o Sol, mas também ao olhar para a terra e ver um bichinho, por exemplo, uma “joaninha” com aquelas asas de cores diferentes.
Uma pessoa precisa ter a alma feita de tal maneira que seja capaz, ao mesmo tempo, de meditar sobre Carlos Magno e entusiasmar-se; mas se está fazendo essa meditação num parque e vê, de repente, uma “joaninha” no chão, sabe parar e se embevecer com ela.
Aliás, foi o exemplo que o próprio Criador nos deu. O Livro do Gênesis1 conta que Ele, depois de ter criado todas as coisas, descansou vendo-as e considerando que cada qual era boa, mas — vem agora a palavra chave — o conjunto era melhor. Por conseguinte, a Criação foi feita não tanto para nós admirarmos um elemento ou outro, mas para termos essa forma de olhar que sabe captar os conjuntos, e no encantamento de contemplá-los, ver melhor o próprio Deus.
Já tive a oportunidade de dizer que eu gosto muito de admirar, e o quanto admiro, por exemplo, o pavão. Por várias razões: o estilo, o jeito do pavão, seu ar régio, aquela verdadeira “joalheria” que ele tem em suas plumas; não há joalheiro que tenha elaborado uma joia comparável às penas do pavão. Mas eu devo ser tal que, se perto do pavão passar um tico-tico, eu saiba olhá-lo e ver nele o que há de encantador.
Por que Deus criou seres feios e nocivos?
Poder-se-ia perguntar: E as criaturas feias ou nocivas ao homem?
Talvez alguns julguem exagerado o que vou dizer, pois isso depende muito do modo de sentir de cada pessoa; mas um animal que considero feíssimo é o elefante. Aquela gordura, orelhas imensas e ridículas, aquelas pernonas cilíndricas com aquelas patas e, sobretudo, aquela pele medonha que parece um couro apodrecido, quase tudo no elefante causa repugnância. Só os dentes valem, e quanto valem! O marfim é uma coisa linda!
Agora, como posso admirar o elefante, uma vez que — na minha ótica, pelo menos — este animal apresenta tantos aspectos rejeitáveis?
É preciso reconhecer que quando Deus viu que o conjunto de suas criaturas era muito bom, considerava como fazendo parte desse conjunto o paraíso terrestre, mas também a Terra que Ele havia criado, na qual o paraíso estava encastoado. E Deus criou a Terra muito menos bonita, com os animais muito menos obedientes e com uns tantos ou quantos elefantes, minhocas ou porcos rolando de lá para cá, exatamente porque a Terra poderia vir a ser um lugar de exílio e de castigo para o homem.
Portanto, a feiúra e a hostilidade de muitos dos bichos, e tudo quanto há de contrário aos seres humanos, merecem, por um lado, certa admiração — como no caso das presas do elefante —, contudo, por outro lado, devem ser objeto de uma repulsa. Mas, por causa disso, sempre têm alguma razão de beleza e de bondade, pois Deus não separa, em suas criaturas, o verum do bonum e do pulchrum2.
Os animais feios e daninhos nos trazem à lembrança o pecado de nossos primeiros pais e o castigo por eles merecido. Não é verdade que a consideração do porco, refocilando-se na lama, pode ter dado a muita gente o horror à impureza?
Monstros pré-históricos, rios de esmeralda, safira, rubi e diamante
Uma pergunta que já me fiz foi sobre o papel dos animais pré-históricos na Criação.
A meu ver, as ossadas desses seres são conhecidas para que o homem possa reconstituir, por meio de estudos científicos, como eram esses bichos, e compreender que muitas coisas do universo, o qual — por assim dizer — estava saindo das mãos de Deus, em determinado período de transição eram lindíssimas, de uma beleza que não se encontra mais. Outras, entretanto, eram feíssimas, de uma feiúra que também já não se encontra mais. E, portanto, o mundo tem uma proporção, uma estatura muito maior do que a do pobre homem que nele vive.
Algumas vezes, indo à Itália — terra dos mármores soberbos! — fiz essas reflexões. Digamos que esses mármores tenham sido líquidos que se solidificaram com o passar do tempo. Imaginem um rio composto daquele material! É extraordinário! A esmeralda, o rubi, a safira, o brilhante, por exemplo, não serão o resultado de algo que outrora fora líquido? Que maravilha seria um rio feito dessas matérias preciosas!
Fazendo essas considerações, o ser humano encontra melhores elementos para avaliar o poder, a sabedoria e a santidade de Deus.
Uma ideia errada sobre a plebe
Temos, assim, a noção de como deve ser a admiração: ela pode e deve abranger tudo, e estar à altura de compreender e de voltar-se para todas as criaturas. Vemos, por exemplo, como um homem que escreva uma obra sobre a nobreza pode ficar encantado ao considerar a plebe, e desejar escrever também um livro a respeito dela.
Alguém com mentalidade revolucionária poderia objetar: “A plebe, em geral, é pobre, e ainda que não seja indigente, miserável, é a última classe da sociedade. Portanto, é aquela na qual a beleza reluz menos, pois tem menos condições para se cercar de coisas bonitas. Daí decorre que a plebe parece ser o recanto da feiúra dentro do universo, devido às mesmas razões pelas quais a nobreza seria o recanto do belo. Os próprios seres humanos, postos num ambiente nobre, deixam ver mais a sua beleza do que inseridos num ambiente plebeu. Então, o que Dr. Plinio vai admirar na pobreza?”
Valores que são realçados na pobreza e simplicidade
A resposta salta-me aos lábios: o Presépio de Belém.
Imaginem o Menino Jesus — que foi com certeza de uma beleza incomparável, além de nobre, descendente do Rei Davi —, posto não no Presépio de Belém com o burrinho e o boizinho aquecendo-O com seu bafo, mas no mais belo palácio da Terra. Não é verdade que isso seria menos bonito do que no Presépio? E, portanto, não será que muitas coisas na plebe apresentam-se pobres e menos belas para que se realcem valores que ali aparecem e florescem? É preciso saber compreender isto.
Por exemplo, a figura histórica de Santa Joana d’Arc. Heroína virginal que, quando a França feudal, a França do heroísmo e da virtude cavalheiresca jazia debaixo do pé conquistador da Inglaterra, foi suscitada num lugarejo muito humilde, cujo nome soa como um toque de sininho de aldeia: “Domremy”. Aquela virgem encantadora, em determinado momento, partiu e foi apresentar-se ao Rei, dizendo ser enviada por Deus. Afinal de contas, o Rei a aceitou e a pôs à frente de um exército que, na sua debilidade virginal e encantadora, ela comandou, empurrando os ingleses quase completamente para fora da França.
Era uma pastora chamada a brilhar na corte de um rei, uma virgem convocada a viver num campo militar onde, infelizmente, tantas e tantas vezes a linguagem e os costumes não são puros. Entretanto, ela ali reluzia como um círio de cera puríssima em plena noite. Não é mais bonito que ela tenha sido uma pastorinha ao invés de filha de um príncipe?
Imaginem o Menino Jesus – de uma beleza incomparável, além de nobre, descendente do Rei Davi – posto no mais belo palácio da Terra. Isso não seria menos bonito do que no Presépio?
Uma tulipa negra…
Lembro-me de uma coisa que me causou grande impressão no espírito: eu tinha visto fotografias de campos cobertos por tulipas com diversas cores, e, como todo mundo, achava muito bonito, mas não sabia que existissem tulipas pretas.
Certa vez, viajando por Paris, quando eu já estava saindo da cidade, o automóvel em que me encontrava passou por uma lojinha na qual havia, em uma das vitrines, um pequeno vaso com tulipas. Olhei e percebi um jogo de cores que me chamou a atenção. Fixei a vista e notei tratar-se de tulipas de várias cores, entre as quais uma negra. Embora não tivesse a alegria das outras flores, dava um contraste e uma nota de elegância a tudo, que realçava a beleza do conjunto.
Se tivesse tempo, eu teria descido para comprar o vasinho com as tulipas para mandar tirar fotografias, segundo as diretrizes que eu desse, porque constituiria uma bela ilustração de certas teses minhas. Ou seja, aquilo que no universo criado por Deus parece ser feio, muitas vezes é bonito, considerado em função do conjunto da Criação.
Assim se forma o entusiasmo pelo universo criado, e explica-se melhor a capacidade que o espírito humano tem de admirá-lo.
(Extraído de conferência de 3/2/1993)
1) Cf. Gn 1, 31.
2) Do latim: verdadeiro, bom, belo. Referência a três transcendentais do ser, estudados em Filosofia.