O grande e talvez mais duradouro mito que atravessa os séculos e atinge todas as esferas da sociedade poderia ser resumido em uma palavra: igualitarismo. Não é difícil constatar isto, sobretudo se considerarmos que este foi o principal argumento usado pela serpente para tentar nossos primeiros pais no Paraíso. O convite “sereis como deuses”1 parece ainda sussurrar no interior dos corações e, hélas! poucas são as almas vigilantes e prontas a rejeitá-lo.
Não devemos nos esquecer de que, antes do pecado, Adão e Eva possuíam a graça santificante pela qual participavam da natureza divina. O demônio, invejando-lhes a santidade que, se bem correspondida, redundaria numa magnífica glória, os iludiu a respeito dos planos de Deus. Aquilo que Satanás prometeu foi precisamente o que lhes arrancou. E só com o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, se reataram os laços de amizade entre os homens e Deus.
Entretanto, mesmo após a Redenção, a humanidade continuou inclinada ao mal. E este muitas vezes se apresenta como na primitiva tentação: não só o homem quer ser igual a Deus, mas também nivelar toda a Criação num único patamar.
Tal tendência, arraigada no orgulho, tem sido amplamente explorada e exacerbada ao longo do secular processo de decadência da Cristandade, isto é, a Revolução, cujo cunho igualitário Dr. Plinio denunciou em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução2 no qual o Autor afirma que a igualdade absoluta e a liberdade completa, concebidas como valores metafísicos, exprimem bem o espírito revolucionário3.
Mas por que a igualdade absoluta entre os seres é um mal?
Durante uma série de conferências realizadas em 1957 — portanto, dois anos antes da publicação da obra acima citada — Dr. Plinio explicava:
O universo consegue exatamente suas melhores expressões de semelhança com Deus pela desigualdade. Assim, odiar a desigualdade é odiar aquilo que há de mais semelhante a Deus na Criação. Ora, odiar a semelhança com o Criador é odiar o próprio Criador. Portanto, almejar a igualdade como valor supremo é querer o contrário de Deus.
As diversidades dos seres não existem em consequência do pecado original, como uma punição, nem como uma espécie de desfiguração introduzida no universo pelo mal e pelo pecado. Ao contrário, a desigualdade existe como uma qualidade excelente, precisamente como um requinte de perfeição deste universo.
É pela desigualdade que Deus se manifesta melhor aos homens. Por isso a desigualdade representa um bem, em si mesma. Assim, chegamos à conclusão de que procurar suprimir a desigualdade no universo é querer destruir o que ele tem de mais alto, de mais excelente, de mais deiforme — eu me atrevo a dizer —, em que o aspecto de Deus melhor se reflete.
Assim como uma única criatura não poderia representar e glorificar suficientemente a Deus, também uma imensa quantidade de seres iguais não poderia refletir adequadamente as infinitas perfeições d’Ele. Logo, sendo os seres numerosos e distintos, devem estar dispostos e se relacionar dentro de uma hierarquia. Daí decorre, como corolário, que a verdadeira e duradoura harmonia entre os homens só será alcançada quando houver admiração e alegria pelas desigualdades postas por Deus no universo.
Aplicada esta doutrina ao campo social, vemos que um povo que engendrasse um grande número de classes sociais finamente matizadas na sua organização política e social, faria uma obra mais completa do que engendrando só uma classe social.
Portanto, o conceito moderno pelo qual a desigualdade de fortuna só beneficia os ricos, a desigualdade social só beneficia os nobres, a desigualdade na Igreja entre clérigos e leigos só beneficia os clérigos, é mentiroso. É o todo da Igreja e da sociedade civil que se beneficia com isto. Também os inferiores se beneficiam com essa desigualdade.
Em outras palavras, quando notamos a desigualdade num todo, não é ela em benefício dos superiores, mas de cada uma das partes desse todo. Numa organização política e social, essa desigualdade não é, portanto, um mero privilégio dos que estão acima, mas de todos aqueles que compõem a escala hierárquica.
Neste número de nossa Revista4, Dr. Plinio nos convida a compreender e amar, como ele, a harmonia reinante na ordem hierárquica estabelecida por Deus no universo e, a partir dela, galgando os patamares da sublimidade e da sacralidade, chegar ao Criador.
1) Gn 3, 5.
2) Parte I, c. VII, 3 – A.
3) Cf. Op. cit., Parte I, c. VII, 3.
4) Ver principalmente: “Coleção de sociedades”, p. 16-19 e “Grandeza, transcendência e sacralidade”, p. 20-25.