Contrariamente ao que muitos pensam, os Dez Mandamentos são inerentes à natureza humana. Difíceis de serem cumpridos depois do pecado original, são belos e a sua prática traz a verdadeira ordenação da sociedade.
A matéria desta conferência leva-nos a imaginar uma das mais belas e augustas cenas da História: no alto do Monte Sinai, no deserto, alguém reza sozinho. É um homem bem-amado de Deus, eleito dentro da nação eleita. É o profeta que levou os judeus para fora do Egito, e que guia o povo para a realização de seus destinos. Fulgurações… Deus Se manifesta e dá a Moisés as tábuas da Lei!
Os Dez Mandamentos: belos, mas difíceis de cumprir
É possível que alguém se tenha feito a pergunta que eu mesmo me fiz quando aprendi os Dez Mandamentos.
Eu era aluno de Catecismo na Igreja de Santa Cecília juntamente com minha irmã e minha prima. À medida que o vigário que nos dava as aulas ia lendo os Dez Mandamentos, eles me pareceram muito bonitos, mas também muito difíceis de cumprir. Por exemplo, não mentir. Qual é a criança que não solta uma pequena mentira a propósito de uma coisa e outra, ou para tornar mais agradável uma história que está contando para um companheiro, ou para ocultar uma travessura que fez… Às vezes não é nem uma travessura, é uma inabilidade.
Eu, por exemplo, desde pequeno, tive as mãos meio trêmulas e às vezes deixava cair as coisas. Mas não sabia explicar como tinha deixado cair. Vinha a pergunta:
— Foi você que deixou cair?
Minha vontade era de dizer “não” porque caíra o objeto sem culpa minha.
“Não mentirás!”
Então, aguenta o castigo, quando seria tão fácil escapar, por exemplo, escondendo os cacos…
— Onde foi parar o vaso?
— Também não sei… — está acabado.
Passar pela geladeira e encontrar alguma coisa apetitosa dentro… Ninguém está olhando…
— Plinio, você comeu?
— Não!
Tão simples! Eu sabia bem que ninguém ia contar na geladeira quantas porções disso e daquilo havia.
“Não mentirás!”
Assistir à Missa aos domingos. Nem sempre eu tinha vontade. Às vezes eram domingos lindos, íamos passear no Parque Antarctica. Saía de casa louco para ir a esse parque, mas precisava passar pela igreja e assistir à Missa.
Eu ainda não entendia bem o significado do Santo Sacrifício e ficava sentado durante meia hora, quarenta e cinco minutos, rezando numa hora que, às vezes, não tinha vontade de rezar, para só depois poder me dirigir para o bem-amado parque. Por quê? E me vinha ao espírito esta pergunta, que algumas vezes, ao longo do tempo, se me apresentou de novo:
Que grande dom fez Deus aos homens, dando-lhes os Dez Mandamentos. Mas que dom difícil! Seria um pouquinho como quem olhasse uma pista de corrida e dissesse: “Vou fazer um benefício. Porei umas traves e umas porteiras para o cavalo e o cavaleiro terem que pular.” Quem percorre a pista adquire mais méritos, os cavaleiros aprendem a saltar melhor, os cavalos se tornam mais destros, é um presente. Mas que complicação! Como seria mais agradável ir trotando por lá e não ter aquela amolação!
Assim, os Dez Mandamentos que, de um lado, são tão belos e tão sábios que nos entusiasmam, de outro lado tornam a vida tão difícil, pois todo homem tem que fazer uma força permanente sobre si para não infringir algum desses preceitos.
A sabedoria divina ao promulgar os Dez Mandamentos
Então, que vantagem há no fato de serem tão difíceis os Mandamentos? Deus teria feito isso como exercício, como uma prova de amor para os homens, cumprindo-os, demonstrarem que de fato O amam? É esta a razão, ou haveria outra mais profunda para explicar a sabedoria dos Dez Mandamentos?
É uma questão que várias vezes me pus, sem angústias, porque há uma coisa chamada “bom senso” que vale mais do que muito raciocínio explícito. Quem lê os Dez Mandamentos os ama; e quem os ama tem bom senso para compreender que eles são perfeitos. Tem-se simpatia pelo Decálogo, independentemente de qualquer análise mais detida.
Eu tinha mais ou menos vinte e um anos quando estava lendo um livro que me interessou muito: “Tratado de Direito Natural”, de Taparelli d’Azeglio. Esta obra tratava da questão e punha o problema nos seguintes termos:
Há correntes de pensamento que afirmam que Deus poderia ter feito os Mandamentos proibindo exatamente o que eles mandam e mandando exatamente o que proíbem. E que, portanto, esses preceitos não têm nenhum valor intrínseco. Deus, que é onipotente, tem o direito de mandar, e ordenou proceder assim. Mas Ele poderia ter mandado fazer o contrário que daria igualmente bem. É uma tese, de si, monstruosa e completamente condenada pela Igreja.
A Doutrina Católica nos ensina que, embora os Dez Mandamentos nos tenham sido revelados por Deus, de tal maneira eles são a consequência da própria natureza do homem, que constituem leis deduzidas da ordem natural do universo. Portanto, os homens poderiam ter conhecido o Decálogo se Deus não o tivesse revelado, porque a razão justifica cada uma dessas normas.
Entretanto, tendo caído no pecado original e se tornado sujeito a erro, ficando exposto a tanta cegueira, fraqueza e maldade, o ser humano perde facilmente a noção de todos os Mandamentos, pois eles contrariam demais os seus defeitos. O homem teria inteligência para ver, mas não quer. Então, para ajudá-lo, Deus os revelou.
Uma obrigação lógica expressa no Primeiro Mandamento
Mas esses Mandamentos são deduzidos, antes de tudo, da natureza divina e, depois, da própria natureza humana e de tudo aquilo que Deus criou em torno do homem.
Por exemplo, “Amar a Deus sobre todas as coisas.” É evidente! Sendo Deus Quem é, Ser sumamente perfeito, Criador de todas as coisas — dos seres visíveis e dos invisíveis, quer dizer, dos Anjos —, deu o ser e a vida a suas criaturas, e por isso tem todo o direito sobre elas. E estas, por sua vez, por terem recebido tudo de Deus, devem amar Aquele que lhes deu o ser.
Cada um de nós recebeu uma alma imortal que nos coloca tão acima dos animais e de todas as outras criaturas inferiores! Cada homem, em comparação com todos os animais, é um rei, de tal maneira é grande a sua dignidade. Isso porque recebemos uma alma capaz de pensar, de querer, de amar o bem e de odiar o mal. Que dom maravilhoso! A quem devemos este dom?
Se estou tendo a alegria e a graça de expor uma boa doutrina, e outros a estão ouvindo e procurando aproveitá-la, é porque Deus nos criou capazes de nos exprimir, ouvir e raciocinar. Que maravilha! Se fosse só isto, como deveríamos amar a Deus! Contudo, quantas outras razões há para amá-Lo acima de todas as coisas! Porque se Ele é mais do que todos, é compreensível que se ame a Ele mais do que todas as coisas. Então está traçado o Primeiro Mandamento.
O respeito para com o Nome de Deus
Segundo Mandamento: Não tomar seu santo Nome em vão. É uma consequência do anterior. Não tomar o Nome de Deus em vão significa proceder, falar a respeito d’Ele com tal consideração, com tal respeito, que só se fala quando há necessidade ou conveniência, e quando há um motivo sério para isto, e se fala adequadamente. Porque o nome é o símbolo da pessoa.
Esta é a ordem das coisas criada por Deus: quando agimos de acordo com os Dez Mandamentos, fazemo-lo de modo perfeito.
Assim, o Nome de Deus pode ser mencionado frequentemente, desde que com inteiro propósito e respeito. Então não terá sido tomado em vão. Por exemplo, quantas vezes se diz “graças a Deus”! Está muito bem, pois todo dom vem de Deus; e a respeito do menor benefício que recebamos, podemos dizer “graças a Deus”.
Mas, quantas pessoas dizem “graças a Deus”, sem nem perceber o que estão dizendo. Isto não é direito. Temos que ter noção de que estamos pronunciando o Nome santíssimo de Deus.
Esta veneração para com o Nome de Deus vem da natureza do Criador, que deve receber todo o respeito de nossa parte.
Consagrar uma parcela de nosso tempo a Deus
Guardar domingos e dias de festas é o Terceiro Mandamento. O que Deus manda é que o homem destine uma parte de seu tempo à oração. Porque tendo Ele nos concedido tantos benefícios, tal seria que não Lhe déssemos uma parte de nosso tempo. É preciso isolar, separar e dar só para Ele uma parcela do nosso tempo. Nosso tempo é um dom de Deus e, por natureza, devemos agradecer esse dom. Portanto, da ordem natural nasce o preceito.
Honrar os superiores
“Honrar pai e mãe.” Este Mandamento importa, de acordo com os moralistas católicos, em honrar e amar não só o pai e a mãe, que são os superiores imediatos de cada um, como também todos aqueles que por um título qualquer exercem sobre nós autoridade.
Então, o aluno deve honrar seu professor; o militar deve honrar seus superiores; o indivíduo que trabalha numa administração qualquer, pública ou privada, deve honrar seus chefes. O que é honrar? É prestar o respeito correspondente à superioridade deles. Mas prestar este respeito com amor, com afeto, porque está na natureza das coisas que eles tenham essa superioridade. A função exercida por eles coloca-os acima de nós. Devemos honrá-los, pois a hierarquia das coisas pede isto.
E a título particular, mais o pai e a mãe, porque nos geraram, nos deram a vida. Deus se serviu deles para nos dar a existência. O corpo foram eles que geraram, a alma foi Deus que infundiu. Portanto, a ação deles, gerando, é uma ação sagrada, bela, respeitável. Logo, devemos tomar isso em consideração e respeitá-los.
Do cumprimento da Lei divina nasce a ordem perfeita
E assim nós poderíamos percorrer todos os Mandamentos e veríamos que cada um ensina com perfeição aquilo que cada homem deve fazer em relação a Deus e aos outros homens.
De maneira que tratar com um homem de acordo com os Dez Mandamentos é agir de acordo com a natureza. Daí nasce a ordem perfeita.
Tomemos como exemplo um relógio. De onde decorre o perfeito funcionamento de seu mecanismo? Do fato de que cada peça — tendo sua finalidade, em função da qual possui uma forma apropriada e é constituída de um determinado material — está adequadamente disposta em relação às outras.
Uma família, uma escola, uma fábrica, uma nação, como qualquer lugar onde estejam homens reunidos, podem ser comparados a um relógio. Se todos agirem em relação a todos de acordo com a natureza de cada um e da atividade que estão exercendo juntos — ainda que esta atividade seja um mero prazer —, decorrerá daí a perfeição das relações humanas.
Suponhamos que uma pessoa vá a uma reunião social — por exemplo, uma festa de aniversário na família —, mas percebe que, por sua posição no ambiente familiar, ela exerce um papel-chave. Se ela se divertir, estiver alegre, satisfeita, a família terá uma noite feliz. Se, pelo contrário, ela estiver casmurra, aborrecida, triste, preocupada, a família terá uma noite infeliz.
Essa pessoa deveria pensar: “Eu vou a uma reunião cuja natureza pede que todos estejam alegres. Eu, ali dentro, devo colaborar para essa alegria. Se eu tenho uma preocupação muito grande, devo agir de acordo com a natureza dos outros, com a minha natureza, e com a natureza do que está sendo feito ali, que é a distração. Devo, portanto, pôr o pé sobre a minha preocupação, apresentar uma fisionomia prazenteira e ajudar os outros a se distraírem. Ainda que o meu coração possa estar sangrando, devo distrair os outros.”
Resultado: saio deixando atrás de mim uma alegria. Vou sozinho pela rua, à noite. Entro na minha dor. É a minha vez, ali posso estar à vontade. Mas deixo atrás de mim um bem realizado. A natureza da reunião pedia-me isto; eu fiz!
Se todo mundo for a uma reunião social com a preocupação de ser agradável aos outros, podemos imaginar que reunião deliciosa decorreria daí! Como a vida social se torna agradável!
No tempo em que havia cortesia, gentileza, a antiga doçura de viver, quantas e quantas vezes o coração de uma dona de casa estava sangrando, mas ela recebia exemplarmente seus convidados!
Um fato ilustrativo desse modo de viver
Conheço um caso de um senhor que ia festejar as bodas de ouro. É um acontecimento raro, poucos casais vivem o tempo necessário para festejar cinquenta anos de casados. Alguns dias antes da festa, esse senhor sentiu uma perturbação qualquer na vista e foi ao oculista. Voltou para casa, festejaram-se dentro de dois ou três dias as bodas de ouro, e estavam todos muito alegres.
À noite, quando ele se deitou feliz, a esposa lhe disse:
— Meu caro, o médico encontrou um câncer num dos seus olhos. Você não sabia, e nós quisemos que você passasse este dia inteiramente alegre. Por isso todos nós ocultamos a nossa dor. Mas amanhã cedo parte um avião para os Estados Unidos, e nós estamos com a passagem reservada. Viajaremos os dois a fim de examinar o caso e, conforme for, extrair a sua vista para salvar a sua vida.
Com sacrifício, todos riram, conversaram, brincaram, ficaram alegres durante a noite, para proporcionarem a este infeliz um dia satisfeito. Só no extremo do fim do dia — pela necessidade de avisá-lo sobre a manhã seguinte, pois ele tinha providências a tomar antes de partir —, é que lhe foi dada a notícia.
Se os homens que constituem as nações afastam-se progressivamente dos Dez Mandamentos, ou seja, deixam de ser bons e vão ficando cada vez piores, acabará por chegar um momento em que essas nações entram em caos.
Todos sangravam, um estava alegre… Mas que linda homenagem ao pai de família! Que lindo reconhecimento de que a condição de pai comporta um sacrifício como este! E para ele, quanta consolação: na hora de receber uma notícia como esta, ver todo o afeto com que ele foi acompanhado pelos seus!
É ou não é verdade que isto pode adoçar as amarguras mais pungentes, mais extremas? Por que esta doçura é assim? Porque se agiu de acordo com a ordem das coisas. Cumpriu-se um Mandamento excelentemente! O honrar pai e mãe inclui o respeito que a mulher deve ao marido. Todos colaboraram para realizar esplendidamente este afeto, este respeito. É ou não é uma bela página da história de uma família?
Assim, se examinarmos todas as ações bonitas que os homens tenham praticado, encontraremos seu fundamento nos Mandamentos divinos. Mesmo pagãos que não conheceram e que até negaram o Decálogo, se eles praticaram belas ações, veremos terem estas seu fundamento e sua explicação na Lei divina. Porque esta é a ordem das coisas criada por Deus: quando agimos de acordo com os Dez Mandamentos, fazemo-lo de modo perfeito.
Um rei diante do Imperador Alexandre Magno
Há um caso famoso de Alexandre, Imperador da Grécia, grande conquistador, que chegou até o fim da Pérsia, até a Índia, e venceu ali um rei hindu. O hábito antigo era, quando se vencia um país, o rei vencido era tratado como escravo pelo rei vencedor, e muitas vezes era morto. Mandaram levar o rei vencido para falar com o vencedor, o Imperador Alexandre.
O rei vencido se apresentou com toda a dignidade, e o Imperador vencedor perguntou-lhe:
— Como queres ser tratado?
Ao que ele respondeu:
— Como rei, porque sou rei!
A natureza das funções que ele exercera marcara a sua personalidade e lhe dava direito a isso. Alexandre compreendeu e deu ordem:
— Tratem-no como rei!
Há outro caso de um rei vencido que foi tratado assim pelo rei vencedor. O vencido foi de tal maneira um bom conselheiro do rei vitorioso, que se tornou para ele um auxiliar, um ministro indispensável, e participou do poder real.
Eram pagãos que não conheciam os Mandamentos. Mas vai-se analisar, trata-se de um rei respeitando a dignidade real de outro e praticando, assim, a reverência que se deve à autoridade. Está aí muito bem caracterizado o Quarto Mandamento.
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 8/12/1984)