jueves, noviembre 21, 2024

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Harmonia entre a conaturalidade e a racionalidade – II

Partindo de considerações filosóficas sobre a necessidade da harmonia entre os conhecimentos conatural e racional, Dr. Plinio eleva-se até os esplendores da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, em Quem a reversibilidade entre ambos atinge sua perfeição.

No curso secundário, tive um professor italiano, de Física e Química e, creio também, de alguma coisa de Matemática. Ele dava aulas de matérias eminentemente racionais. E as ministrava raciocinadamente.

Arquivo Revista

A conaturalidade se encantando com a racionalidade

Eu gostava de suas aulas, porque ele as dava com alma. Qual era a alma?

É que ele se esmerava muito em dar cada aula de um modo absolutamente racional. E quando alcançava a clareza ideada, e conseguia fazer um raciocínio difícil passar por essa clareza e cintilar, havia nele uma repercussão por conaturalidade, de gosto — não era vaidade — pela demonstração feita. Era a conaturalidade olhando a razão, mas através da própria razão humana, encantando-se com ela.

Nisto ele transmitia ao lado racional algo que era de uma riqueza de conaturalidade. E aí eu gostava da aula dele, porque a via, não apenas descarnada, quase como esqueleto, mas viva. E sei que ele gostava muito de mim, como aluno. Anos depois, ainda me chegaram referências dele a mim, como aluno de matérias que eu abomino.

Francisco Lecaros
Cristo carregando a Cruz – Mosteiro da Puríssima Conceição, Viveiro, Espanha

Aqui entra a questão da autenticidade: quando o indivíduo trata com outro e percebe que na matéria tratada entra a conaturalidade, e com esta a plenitude do amor.

Então a posição humana perante aquilo que ele está expondo não é uma posição incompleta, é o homem todo que está dando aquilo.

O conhecimento arquitetônico vem desta colagem da conaturalidade opulenta com o raciocínio opulento, mas em que entra a personalidade inteira, e daí sai um todo próprio para a arquitetonia. Assim se elabora uma premissa da arquitetonia. Se todas as premissas de uma grande construção forem desta qualidade, as peças se procuram umas às outras, e sobem.

Matéria-prima da sociedade orgânica

Só para dizer, de passagem: nós estamos o tempo inteiro apresentando esse fenômeno com afinidades. E é verdade, é o aspecto maior, mas há as idiossincrasias que fazem com que às vezes duas pessoas não possam suportar de estar juntas, embora sem conversar.

De onde vem isso? Procede exatamente do fato de que essas duas pessoas sentem uma na outra, por essa conaturalidade, que resulta de tudo que estou dizendo.

Aqui está a arquitetonia: é gostar dos conjuntos, mesmo quando são heterogêneos, mas afins. Nisso caminhariam juntos o raciocínio e a sensibilidade, a conaturalidade.

Eis a matéria-prima da sociedade orgânica. Porque é preciso pegar o ponto de transição para o social a fim de entender a sociedade orgânica. Mas não social no sentido de serviço social; é outra coisa, é para formar uma sociedade. Deve-se saber descrever essa transição.

Vou me utilizar aqui de um contraste para exprimir o tema, mas apenas para roçar no contraste e não me aprofundar nele. Mesmo porque é um contraste tão enorme, que não é necessário aprofundar.

De algum modo a figura pagã do equilíbrio poderia ser a Minerva, a deusa da justiça. Porque, com aquela espada, as balancinhas e com os olhos vendados, ela dá ideia de que a balancinha tem que estar com as duas conchas na mesma posição. Isto proporciona certa ideia de equilíbrio. E na justiça, concebida como tal, há um conceito de equilíbrio.

Perguntemos que relação tem essa visão pagã da justiça com o Corpo humano de Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, seu olhar, que é a vida; o que há de mais magnífico para se ver n’Ele é o olhar.

É uma diferença tal que não há termos para descrevê-la e nem ouso falar da superioridade d’Ele, porque superioridade supõe comparação, e aqui está fora das claves da comparação.

David Ayusso
Jesus agonizante (acervo particular) – Mairiporã, Brasil

O racional enquanto se evolando da conaturalidade

Então, tomando o olhar d’Ele como o imagino, e que as boas imagens de Nosso Senhor sempre exprimem, é um olhar límpido, sereno, afável, muitíssimo perceptivo, mas não à maneira de uma ponta que perfura a realidade e vê o que ela tem. Mas é quase um olhar radiográfico que, sem dilacerar nada, penetra no fundo de tudo, revela e manifesta tudo, respeitando tudo.

Assim como Ele, o seu Corpo, depois de ressurreto, era glorioso e atravessava as paredes, assim também o olhar d’Ele, já na vida terrena, varava com facilidade, como a luz atravessa a janela, todas as realidades, todas as vedações da realidade e as via em cada pormenor, e, de outro lado, em toda a sua arquitetonia, em toda a sua perfeição ideal, em tudo, sem tensão, sem cansaço, sem ócio, mas num ato assim: compreendi, estou compreendendo, sei.

Qual é o papel do conatural e do racional dentro disso?

Tudo quanto era conatural — e n’Ele a natureza humana era conatural com este mundo — era apresentado em tal ordem, em tal perfeição, tão excelente que, assim como, por exemplo, num dia muito quente da água do mar ou dos rios sobe um certo vapor, assim o racional poderia ser admirável só considerando enquanto se evolando da conaturalidade.

A ordem da conaturalidade era um teorema, por assim dizer, era toda a racionalidade posta de algum modo, e a razão constrói aquilo com a limpidez, a calma e a serenidade dos raciocínios d’Ele:

— De quem é esta figura e inscrição?

— De César.

— Dai, pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. (Mt 22, 20-21)

E logo voltando para a conaturalidade, nunca tendo saído inteiramente dela. É de dentro dela, porque ela e a razão são tão análogas, tão reversíveis!

E não é só a tendência para ver a coisa nos mais altos aspectos, mas é um conhecimento de Deus que havia n’Ele, porque Ele era Deus, a sua natureza humana conhecia a sua natureza divina, e conhecia com uma intimidade que ninguém vai ter no Céu; em qualquer gesto d’Ele, o mais comum possível, digamos, por exemplo, que Ele condescendesse, com suas mãos divinas, a pegar essa pedra, isso já deixaria qualquer pessoa enlevadíssima, porque aparecia Deus ali, e o Absoluto no que há de contingente, no gesto de pegar uma pedra, aparecia de um modo perfeito; a pessoa diria: “Eu estou no Céu! Isso aqui não é Terra, é Céu.”

“Senhor, dai-me um só olhar e minha alma será salva!”

Por isso, se uma pessoa tivesse boa disposição e recebesse um olhar d’Ele… Na oração do centurião há essa súplica tão boa: sed tantum dic verbo et sanabitur anima mea1. Eu teria vontade de dizer a Ele: “Senhor, eu não sou digno de que Vós olheis para mim, mas dai-me um só olhar, consenti em imergir o vosso olhar no meu e minha alma será salva!” Isso me exprime inteiramente.

…sou sensível à hipótese do olhar de Nosso Senhor para mim, e d’Ele consentir que eu olhasse para dentro dos olhos d’Ele.

E, por causa disso, gosto enormemente do tema tratado assim, que não é bem as perspectivas daquele livro do Antero de Figueiredo, “O último olhar de Jesus”. Porque tenho a impressão de que, se fosse possível Nosso Senhor, do alto da Cruz, no momento de morrer, olhar para mim, Ele me purificaria de um modo indizível.

Não sei por que — é uma coisa que depende do feitio de cada um —, mas sou sensível à hipótese do olhar de Nosso Senhor para mim, e d’Ele consentir que eu olhasse para dentro dos olhos d’Ele. A isso sou sensível no mais alto grau, porque, se Ele olhou para mim, se aquele olhar penetrou no meu, não sai mais!

E para mim o ideal seria, se algum dia tivesse que ser confirmado em graça, que esse olhar me confirmasse em graça. De maneira que a vida inteira esse olhar ficasse impresso em minha alma. Eu não queria outra coisa, pois isso significaria tudo.

Aliás, se compreende a contrição de São Pedro, quando Nosso Senhor olhou para ele…

Eu gostaria de ter visto a última troca de olhar entre Jesus e Nossa Senhora, porque tenho certeza de que o último ser terreno para quem Ele olhou, antes de expirar, foi Maria Santíssima, e que Ela olhou para Ele. E o primeiro ser terreno que Ele olhou, ao nascer, foi Ela, e que Eles Se olharam de dentro dos olhos. Quando Se encontraram na Via Sacra, Eles cruzaram o olhar. Já imaginaram o que é cruzar o olhar d’Ele com Ela, quando Ela O encontrou desfigurado, horrendo: “Eu sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e o escárnio do povo” (Sl 21, 7). Ela viu aquilo, mas sem perder de vista a perfeição sublimíssima d’Ele. E Ele olhou para Ela e disse: “Vede, minha Mãe, ao que estou reduzido, e vejo como Vós sofreis com isso de um modo indizível. Mas nos foi dado que nossos olhares se encontrassem. Que consolação maior do que o véu da Verônica! Mas que desolação para Mim ver-Vos nesse pranto!”

Arquivo Revista

Não se pode imaginar algo igual ao Encontro. Das estações da Via Sacra, as duas que mais me falam são a Agonia e o Encontro. E depois a despedida. Faz um tríptico.

Pode-se fazer a história dos olhares: o nascimento de Jesus, a recepção do Santíssimo Sacramento, sabendo que Ele vai ficar residindo n’Ela a partir daquele momento — até na eternidade, se houver Presença Real —, o Encontro e a Morte; e depois a Ressurreição.

Também a alegria d’Ela vendo-O ressuscitado, e o olhar glorioso e radioso d’Ele despejando catadupas de consolações sobre Ela! Depois disso, só o primeiro olhar no Céu.

Seriam temas incomparáveis para se pregar a esse respeito!

Está generalizado o conceito de que o olhar não quer dizer nada, e as pessoas podem fartar-se de se olhar. Isso é ilusão, é bobagem, é arte, é poesia, subjetivismo, não vale nada.

E o resultado é que quase não dão importância aos olhares. Ora, quanto isto é importante!

(Extraído de conferência de 28/5/1986)

1) Do latim: mas dizei uma palavra e serei salvo.

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