A Revolução faz o possível para eliminar a inocência da idade infantil pela glorificação da travessura. O menino que afunda nas vias revolucionárias é travesso; depois será impuro e posteriormente revoltado; por fim ele se vende à Revolução. Mas se ele se arrepender e amar a Cruz poderá restaurar sua inocência.
Há na infância uma idade primeira na qual não se perdeu a inocência e, tanto quanto eu possa ver, o conceito de sofrimento, de dor não entra, porque se está na alegria primeira.
Desejo de uma felicidade extraterrena
Essa atmosfera dá à criança o desejo de uma felicidade inteira, que é uma espécie de estopim para arrojar os cælestia desideria1. Quer dizer, nunca mais na vida a pessoa conseguirá aquela felicidade que teve na infância, mas ficou com a ideia de uma felicidade extraterrena.
O que é “ideia” aqui? É um desejo e uma compreensão de uma dimensão própria, extraterrena, para uma felicidade extraterrena, que ela nunca mais terá, mas que lhe faz compreender que isso deve existir em algum lugar. E lhe abre a alma para aceitar a Doutrina Católica sobre o Céu e também para o desejo de coisas que não estão na Terra.
Essa inocência primaveril dá à alma a primeira noção do Céu que ela deve alcançar. É uma coisa muito bonita, muito adequada.
Poder-se-ia perguntar, considerando o sentido corrente de Mística — não para as almas privilegiadas, mas para as comuns —, se não há muito de místico dentro disso.
Em determinado momento essa sensibilidade passa e não volta mais, a não ser à maneira de graças atuais, de vez em quando. Então, por exemplo, no dia da Primeira Comunhão, ou outras circunstâncias análogas. Contudo, já não é inteiramente a mesma coisa, pois no começo era um estado habitual da alma.
E quanto mais alegre tenha sido a criança nesse período, maior é a cruz para a qual ela está sendo preparada, porque ficará nela, para toda a vida, uma noção mais ou menos subconsciente de perda irremediável, fazendo-a sentir-se expatriada.
A travessura contém em si um germe de Revolução
Compreende-se bem a necessidade eminente que tem a Revolução de cortar o mais possível essa época primaveril, o que ela consegue pela glorificação da travessura. A travessura dita “inocente” mata essa fase, como mais tarde a impureza matará a adolescência.
O grande sofisma, a grande abominação da travessura surge quando essa alegria começa a se eclipsar. Ora a travessura provoca o eclipse, ora é este que leva a criança a apelar para a travessura, porque, como aquilo não existe mais, há uma espécie de tendência para revoltar-se, para ficar inconformada, para criar caso, que a levará até não se sabe onde. Essa tendência é particularmente acentuada nos lares que têm muitos filhos.
A criança sozinha, por exemplo, numa casa onde tenha um só menino e muitas meninas, o menino sozinho conserva mais tempo a inocência e entra menos na travessura. Quando são muitos meninos, a tentação da travessura, para o quebra-quebra, para a bagunça, é torrencial! E é difícil um conservar o seu amor à ordem, dentro da bagunça de cinco, seis irmãos homens. Naturalmente é possível, mas eu quero dizer que é difícil, não é uma circunstância favorável, propícia.
Agora, a travessura já contém em si um germe de Revolução. É o gosto de ter tirado alguma coisa de sua determinada ordem, de ter quebrado, e de se regalar em ver a coisa partida. O que lanha a alma inteiramente inocente, regala a alma travessa.
Um menino que afunda pelas vias da Revolução é travesso, depois será impuro e posteriormente revoltado. Pode-se dizer que são fases: travesso, impuro, revoltado. A seguir, de revoltado ele passa a ser inerte nos pontos em que era revoltado, e se vende à Revolução.
Pelo contrário, com um menino que conserva a sua inocência, isso é diferente. A noção de que aquela atmosfera não volta se transforma em saudade. Mas essa saudade, que é a cruz que vem nascendo — aqui está algo muito sutil —, em virtude do senso do absoluto, conjuga-se com uma sensação de perenidade daquela atmosfera, indicando-lhe que ela voltará, não desaparecerá definitivamente, e que ele tem uma certa forma de fidelidade àquilo, por onde, de algum modo, aquela alegria permanecerá dentro de sua alma.
O mundo tende continuamente para o mal
A partir desse momento, aquela alegria que ele continua a carregar começa a tomar matizes lilases, violáceos, tristonhos que, entretanto, não extinguem no fundo da alma dele a alegria, mesmo quando vão se acumulando as provas, as dores, as tristezas, a ponto de ele se espantar com o tamanho do fardo a carregar em tão verdes anos.
Então, aí se dá ecce in pace amaritudo mea amarissima (Is 38,17). Aí a pessoa carrega na paz uma amargura muito amarga. É terrível, mas é assim. E começa a aparecer uma coisa nova; e sobre esse ponto eu gostaria muito de fazer uma insistência.
Quando a pessoa é inocente na primeira infância, ela possui uma noção da sua própria inocência, que tem uma espécie de continuidade com o Céu. Em virtude do que expliquei há pouco, vai se formando uma descontinuidade com o Paraíso, porque este vai ficando remoto e, se não fosse o senso do Absoluto, a pessoa naufragava. Senso do Absoluto, bem entendido, a Fé, sem a qual esse senso não subsiste.
Na medida em que a pessoa se afirma assim na fidelidade à inocência, vai nascendo nela, junto com essa dor, uma noção de transcendência que não é muito clara no período anterior, no qual a pessoa tem a impressão de que é cidadã do Céu, que nasceu para aquilo naturalmente. Nessa nova fase, a pessoa vai compreendendo que aquele valor absoluto pelo qual ela está disposta a empenhar todas as fidelidades, e que fora expulso, exilado da Terra, aquele valor jamais deixará de existir. E é tão transcendente que, expulso, ele se refugia nas suas alturas; negado, reveste-se de sua própria tristeza e vai receber o holocausto dos que vivem para ele.
Ora, pelo menos depois do pecado original, é só com esse holocausto de si mesmo e de todas as coisas que a transcendência se afirma.
Evidentemente, a Fé dá a isso tudo a explicação, instala-o amorosamente na mente do homem. Acaba sendo que o homem adquire a convicção de que este mundo totus in Maligno positus est (cf. 1Jo 5, 19). Este mundo, mesmo quando se está em uma Civilização Cristã e no Reino de Maria — é preciso notar bem isso —, totus in Maligno positus est.
Quer dizer, neste mundo impera habitualmente, como força preponderante, o demônio. Ele é o príncipe deste mundo e o domina. A razão disso é que, por quase todas as suas espontaneidades e mecanismos, o mundo tende continuamente para o mal. De maneira que, no ápice do Reino de Maria, deve-se ter um cuidado contra o Maligno, uma coisa de desconcertar os papalvos de hoje em dia.
Assim, o homem de valor não é o despreocupado, que não sente o fardo desta vida. Este não serve para nada. Tem valor a alma que carrega, dourando a sua fronte, a “coroa de espinhos” dessa elevada tristeza.
A perda da inocência pode ser total ou parcial
Eu cheguei a conhecer modelos disso, muito sensíveis até, que indicam bem o papel da cruz e da tristeza na vida do católico. Então, por exemplo, um adoece; a reação normal não é a choradeira. Está no orçamento, acontece que as pessoas, às vezes, adoecem de repente. Outro ficou cego repentinamente; não pense que o mundo acabou. Isso pode suceder a qualquer pessoa.
E nós já abrimos dentro de nossa alma créditos e verbas para o caso de isso acontecer. O sujeito já pensou: “Pode me acontecer isso, aquilo, e aquilo outro… Meu coração está preparado. Aconteceu, vamos continuar a viver!” É o normal da vida.
Quando o indivíduo é assim, torna-se incapaz de se homogeneizar com algum sucesso do mundo da Revolução. Não o querem e, sobretudo, ele não quer, pois tem a sensação de ser um vendilhão, se fizer isso.
Essa é a história da alma que ficou fiel.
Talvez vários dentre nós tenhamos algo a corrigir em nosso interior, nesse sentido. E enquanto não refizermos nossas próprias memórias, num grande mea culpa, puramente interno, por onde saibamos no que estamos errados para nos retificar, não acertamos o passo. Quer dizer, o indivíduo vai sofrendo uma espécie de soma das idades: ele é traquinas, vai ser impuro, depois revoltado e venal.
Ora, partindo do outro extremo e voltando do mais velho para a infância, a pessoa será menos venal se for capaz de condenar a sua própria impureza; poderá melhor condenar sua própria impureza se condenar sua traquinagem. E tudo isso ela condenará melhor se compreender que essas coisas a afastaram da “coroa de espinhos” que deveria ter levado, ou seja, da ideia da vida-sofrimento, da vida-cruz que a pessoa abandonou quando perdeu as esperanças, com a graça da inocência que se tornou menos sensível, e com os fatores de fora que começaram a combatê-la.
É a volta do filho pródigo. Mas começa pelo conhecimento. Enquanto não houver o conhecimento bem adquirido, o entulho de ideias erradas vai tão longe, que qualquer coisa é impossível.
Naturalmente isso não exclui a possibilidade de que, em certos casos especiais, isso se dê numa rapidez fulminante. Mas ocorre, em todo caso, nessa linha.
É a hora em que, por exemplo, o eremita dos antigos tempos vai para a gruta, e é tentado, escala a montanha durante o dia, sob o sol, e vai daí para fora… Isso é admirável, é o processo da conversão!
A perda da inocência dá-se de dois modos: total ou parcial. Não pensem que a perda da inocência parcial — a perda total qualquer um entende como é — significa ficar com uma meia inocência, quer dizer, uma alma na qual toda a inocência baixa de fio. Não é, não.
Certos aspectos da alma guardam a inocência, enquanto outros aspectos a perdem. E pode acontecer que a mesma alma conserve em alguns pontos uma inocência adamantina, enquanto para outros pontos, essa mesma alma está muito prevaricada.
Dou um exemplo. É possível que alguém caia muito baixo em matéria de pureza, mas conserve na alma uma boa parte da admiração pela castidade que ela possuía quando era pura. Às vezes sucede que, mesmo no mais profundo da baixeza, ela ainda tenha esse entusiasmo pela pureza. Nesse caso, ela conservou um naco de inocência, mas naquele naco pode ser que a inocência seja cristalina. Isso faz dessa alma algo muito diferente da alma que não caiu tanto, mas perdeu completamente a nostalgia da inocência.
Creio que, em geral, o “thau”2 baixa sobre a alma que conserva pelo menos uns pedúnculos de inocência. A alma que, pelo contrário, ficou acinzentada e perdeu todos os pedúnculos de inocência, parece-me difícil o “thau” baixar sobre ela.
Pode ser que haja primeiro uma conversão para a pessoa readquirir algo dessa inocência, depois vem o “thau”. Mas diretamente baixar sobre o medíocre, mediano, o qual acha que esta vida é muito boa, não é um vale de lágrimas, aqui se pode construir a felicidade, e o mundo é uma festa, uma gargalhada, etc., sobre este eu acho que o “thau” não baixa.
(Extraído de conferência de 18/11/1983)
1) Do latim: desejos das coisas celestes.
2) Denominação da última letra do alfabeto hebraico, a qual tinha a forma de uma cruz. Baseando-se no capítulo 9 da profecia de Ezequiel, Dr. Plinio empregava esse termo a fim de indicar um sinal marcado por Deus nas almas das pessoas especialmente chamadas a rezar e agir pela derrota da Revolução, vitória da Igreja e implantação do Reino de Maria.