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Impulso do passado com vistas ao futuro – I

Ao comentar a sociedade orgânica, Dr. Plinio mostra o papel do patriarca na constituição das cidades. De modo meio consciente e meio subconsciente, o patriarca é aquele que toma o impulso do passado e o leva para o futuro.

O meu projeto nesta conferência é especificar um pouco mais o que vem a ser o patriarcado primitivo, para passar a tratar sobre como seria uma sociedade patriarcal em nossos dias e depois analisarmos o Sagrado Coração de Jesus como Patriarca da Igreja Católica e da civilização do Ocidente.

É um tema de uma altura quase inacessível e não há dissertação que a possa atingir. Mas, desde que se trate com amor e o coração fale em união com a inteligência inspirada pela Fé, algo da glória de Nossa Senhora pode aparecer.

Vigor de alma no patriarcado primitivo

Quando tratei do patriarcado1, a figura que mais impressionou meus ouvintes foi a do primitivo patriarca de longa túnica branca, acordando na aurora e saudando as nuvens róseas, o céu azul ainda pálido, a luz que começa a fazer saltitar os primeiros passarinhos, as gotas de orvalho pendentes ainda das flores e folhas, contempla os animais que despertam e toca o seu olifante. Em pouco tempo, as tendas estão se movendo, as pessoas saem, tomam contato umas com as outras, a vida recomeça. Ele as tira do sono, imagem da morte, para passá-las à luta, que é a imagem da vida. Este é o papel do patriarca na aurora.

Qual é o seu papel ao longo do dia? Ele é apenas um guarda noturno a anunciar que a noite cessou e o dia chegou, ou muito mais do que isso?

Por certo, o patriarca é aquele sob cuja égide o sono é seguro, mas também a vida é fecunda e se desenvolve saudável.

É verdade que, posto em função da tribo que dele descende, o patriarca pode ser comparado ao bulbo do cedro do Líbano a que me referi2. Mas ele é apenas uma causa para a qual todos se voltam reverentes?

Divulgação (CC3.0)
Vista de Atenas, Grécia

Evidentemente, ele é mais do que isso. Sua força para ser causa faz com que ele não só tenha gerado, mas marcado com o selo de sua alma aquelas sucessivas gerações, de maneira a deixar em todas elas a marca: filho do Patriarca tal. Isso é muito mais profundo, e não apenas uma capacidade de agir sobre os outros. É uma força de ser que dá a ele aquela força de agir.

Qual é essa força? Como se entende assim o patriarcado?

O patriarca tem um grande vigor de alma que consiste na força com a qual a vontade, esclarecida pela inteligência, quis determinada meta, bem como a ordenação, a temperança, a energia e a fortaleza com que a sensibilidade se submeteu à vontade.

O homem assim vai pela vida como uma seta disparada por um arco forte: cortando as distâncias de maneira a não haver vento que a desvie de seu rumo.

Os primórdios de Atenas e sua população

Em Atenas, que em certo sentido da palavra era a cidade matriarca da Grécia junto com Esparta, havia tribos primitivas outrora nômades, talvez, mas que se fixaram em determinado momento e passaram a cultivar a terra.

Nos lugares onde se formou Atenas e Esparta havia tribos que dependiam de um patriarca descendente de famílias do tempo do nomadismo. Fixadas ali, ele era para elas mais ou menos um projeto de rei, pois aquilo era tão pequeno que ainda não constituía um Estado, mas uma enorme família.

Havia perto de Atenas um porto, chamado Pireus, onde foram se fixando famílias de comerciantes de outros países, as quais iam se multiplicando.

Esses comerciantes e os agricultores gregos compravam escravos. Estes eram de outros países e iam morar ali também. Formavam-se, assim, três categorias: os patriarcas e seus descendentes, proprietários de terras; comerciantes, segunda categoria, que eram imigrantes vindos não se sabe bem de onde, que se agrupavam lá e faziam fortuna no comércio; depois, os escravos que representavam o operariado. Correspondia propriamente à nobreza, burguesia e classe proletária.

Os gregos de origem patriarcal não reconheciam como gregos quem não descendesse dos fundadores. Esses estrangeiros não tinham o direito de votar nem de fazer uso da palavra em público.

Neue Pinakothek (CC3.0)
Reconstrução da Acrópole e do Areópago de Atenas Nova Pinacoteca, Munique, Alemanha

Os chefes das várias tribos e os homens importantes passaram a morar na incipiente cidade de Atenas. Havendo problemas relativos ao bem comum, esses patriarcas se reuniam para resolvê-los, comparecendo a essas reuniões com suas respectivas descendências, para elas participarem também das decisões. Assim, era praticamente todo o povo ateniense que comparecia nas assembleias gerais. Como ninguém era rei, pois nenhum dos patriarcas possuía tanta importância e categoria para que os outros o aceitassem como rei, eles resolviam pela votação. Ora, como se conquistava a anuência do povo nessa votação? Pelos discursos.

O grande orador inteligente, que argumentasse bem, falasse com harmonia, tivesse uma voz que portasse longe, soubesse sublinhar suas palavras por meio de gestos, esse tinha muitas possibilidades de ser o verdadeiro rei de Atenas, pois levava atrás de si aquilo que poderíamos chamar a assembleia patriarcal e, consequentemente, influenciava os destinos do país.

Tomemos na história da mais remota antiguidade um exemplo característico nesse sentido: Demóstenes.

De jovem gago ao maior orador da Grécia

Ele era um jovem que entendia o quanto era importante para a carreira de um homem possuir um verbo eloquente. Sabia que se ele conseguisse falar em Atenas, dirigiria os destinos da Grécia. Porém, mais do que o desejo do mando, animava-o a ideia da beleza da oratória. Falar bem em público e atrair os outros era uma coisa bela, independente das vantagens do mando, e justificava a dignidade de uma vida.

Demóstenes queria, portanto, ser um grande orador, mas tinha alguns defeitos, entre os quais o de ser gago. Ora, esta é especificamente a deformidade que um candidato à oratória não deve ter. Ademais, ele era desgracioso porque o corpo dele pendia para um lado. Não impressiona bem um orador entrar torto num palco…

Entretanto, possuía duas importantes qualidades: era muito inteligente e tinha grande força de vontade.

Compreendia bem que, ao abordar um tema diante de um auditório, além de não gaguejar, é preciso conhecer a psicologia dos ouvintes para, em harmonia com eles, servindo-se de um amplo e florido vocabulário, e de belas figuras, transmitir de modo agradável seu raciocínio.

Determinado como estava a adquirir esses predicados e vencer seus defeitos, arranjou um escudo de guerreiro e dirigiu-se a uma ilhota, perto de Atenas, onde ninguém o via. Pendurava o escudo no pescoço, do lado oposto ao que ele era torto, de modo a obrigar-se a ficar ereto. Percebendo qual era o defeito na língua responsável por seu gaguejar, julgou poder tornar sua locução mais fácil pondo umas pedrinhas na boca. Fazia, assim, longos discursos, falando para as ondas do mar como se fossem o público.

Vejam o vigor de alma de alguém que, em certo sentido, poderia ser considerado um homem patriarcal.

A inteligência dele concebeu o que havia de superior nesta aptidão humana da oratória, sua vontade quis aquilo, seus sentimentos harmoniosamente se dirigiram naquela linha e ele venceu as dificuldades.

Podemos imaginar sensação causada nos espectadores a primeira vez em que ele se apresentou na praça pública, e todos notaram que ele havia se desentortado e deixado de ser gago!

Tendo se exercitado a falar primeiro diante das vagas cambiantes do mar, aprendeu a se dirigir às “ondas” mutáveis que há no espírito humano. Tornou-se, assim, um orador consumado, o maior da história da Grécia.

Eis o feito de um grande homem. Contudo, os patriarcas, a seu modo, tinham um mérito maior.

O mérito de modelar uma descendência

É próprio à natureza humana que o menino e a menina procurem instintivamente no pai ou na mãe o exemplo daquilo que devem ser. Pode acontecer que venha a decepção no curso dos anos, mas o primeiro movimento é este: entusiasmar-se com os pais e tomá-los como modelo.

Isto tem uma explicação profunda de ordem filosófica.

Quem é a causa eficiente deve ser também a causa exemplar e, desde que corresponda a essa missão e dê o bom exemplo, precisa ser seguido por aqueles a quem gerou.

Gunnar Bach Pedersen (CC3.0)

Francisco Lecaros
Anfiteatro na Acrópole de Atenas, Grécia. Em destaque, Demóstenes

Tenho observado o seguinte ao longo de minha vida: se a família é grande, há mais possibilidades do pai ser modelo para os filhos do que quando é pouco numerosa. Sobretudo se a família é pouco numerosa por culpa do pai, da mãe ou de ambos. Parece haver certa bênção de Deus para a prole fecunda.

Mas há mais: o fato de ter carregado o fardo de uma família numerosa, dirigir muitos filhos, modelar, educar a alma de todos, ser a causa exemplar de todos dá ao homem uma majestade, uma largueza de horizontes que o homem que estancou criminosamente a sua própria prole não tem. Há exceções, porque estas não são regras absolutas, mas a norma geral é esta.

Tradição: passado a caminho do futuro

Nos povos nascentes há uma consonância pela qual todos tendem a ver a existência de um determinado modo. É o patriarca quem possui mais essa tendência e, por causa disso, representa melhor a vida perfeita dentro daquele estilo.

Por exemplo, uma população de pastores vê a maneira do patriarca dirigir um numeroso rebanho, como numerosa é sua prole. Seu tom de voz se faz respeitar pela família inteira e até pelos animais. Assim, toda sua casa tem os olhos voltados para ele.

O patriarca representa aquilo para o que a Providência chamou aquela tribo. Ele é o figurino, o modelo vivo.

A característica própria desse povo no seu auge vai sendo modelada sucessivamente pelas várias gerações de patriarcas. O mais bonito, entretanto, é que isso não ocorre de um modo inteiramente consciente, mas é meio subconsciente. Eles tomam esse impulso do passado e o levam para o futuro. Eles são a tradição! E como são a tradição, dão o rumo. O indivíduo sem tradição não tem rumo. Como toda verdadeira tradição, os patriarcas são também a esperança do futuro.

A tradição não é um passado seco que morreu e deixou saudades, mas é um passado a caminho. A tradição é um passado que tem meta, quer chegar a um determinado ponto e as gerações sucessivas de patriarcas mantêm essa meta. E mais do que mantê-la, a vão precisando, definindo, pondo de acordo com a consonância, com a psicologia de todos. Eles fazem a psicologia e elaboram uma tradição na linha daquela psicologia, com uma meta cada vez mais próxima e mais alta. Do caráter primitivo do povo vai emergindo o seu apogeu.

Um homem que tenha conhecido seu bisavô, ainda educado nos primeiros vagidos infantis da pátria, e conhece seu bisneto, o qual nasce no momento em que o apogeu está desabrochando, toca, por assim dizer, com os dois braços num extremo e noutro, abrangendo elos e elos de gerações para as quais ele é, ao mesmo tempo, um termo final e um passo de abertura. Este é o patriarca!

Quando um país é bem organizado, todas as famílias têm numerosos patriarcas…

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 11/1/1986)

1) Ver Revista Dr. Plinio n. 212, Novembro de 2015.

2) Ver Revista Dr. Plinio n. 220, Julho de 2016.

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