A Revolução Industrial impõe a produção em série, eliminando praticamente o artesanato. Quanto ao fabrico em série, mesmo para as coisas necessárias, Dr. Plinio levanta uma importante objeção: o homem deve exercer seu direito de modificar a natureza com respeito, tendo o cuidado de não chocar a ordem natural.
Tudo quanto é oficial precisa ser dotado de um certo decoro que, conforme o caso, deve chegar até a uma certa pompa.
Imensas fábricas que são penitenciárias monumentais
Não é fácil dizer no que está a pompa do nome de uma cidade, por exemplo. Entretanto, existe. A meu ver, é indiscutível que Moscou, com as evocações tzaristas, é uma cidade com um nome que significa um mundo. Como também São Petersburgo.
Ora, com tanta frequência adota-se como título uma coisa vulgar, quando o decoroso seria indispensável. E o prosaico projeta seu efeito desfavorável sobre algo ou alguém que nasceu naquele lugar, porque fica ridículo ter como patronímico uma coisa que se revela um horror.
Imaginemos, por exemplo, que no município de Anta Gorda se estabelecesse uma fábrica de calçados “Bata”, e se decidisse, por isso, trocar o nome da cidade. Substituir Anta Gorda por Batatuba seria pior. Digo mais: na hora de fazer esta mudança, o título “Anta Gorda” ficaria simpático, e seríamos favoráveis à sua manutenção.
A civilização industrial, em alguns de seus aspectos, tem uma certa monumentalidade. As “fabriconas” com portarias enormes, fichas de controle, a máquina que marca num cartão a hora da entrada e da saída dos empregados, isso tem aspectos de certa pompa.
Contudo, esse pomposo da civilização industrial se diferencia da pompa da Idade Média ou do Ancien Régime por um lado muito característico. É que o pomposo da civilização industrial acaba com toda forma de familiaridade, de intimidade e de aconchego. Quase se poderia dizer que essas imensas fábricas são penitenciárias monumentais. Além disso, são igualitárias porquanto em função delas todo mundo fica reduzido a um vermezinho.
Uma coisa íntima, acomodada, que atrai a boa conversa, com o bom aroma do caráter orgânico da sociedade familiar, por exemplo, a sociedade industrial não tem. E nisto nós podemos ver um dos efeitos da Revolução Industrial.
De um lado, ela dá origem, como residência, a malocas, favelas, bairros industriais medonhos. Porém, de outro lado, produz uma monumentalidade que é o contrário daquilo.
A máquina é um spray de desequilíbrio
Ou seja, é o prosaísmo versus a carranca do totalitarismo. E a Revolução Industrial, quando ela não é prosaica e não tende ao autogestionário imundo e ultraplebeu, inclina-se para o outro lado, para a carranca totalitária completa.
O termo médio, equilibrado, correspondente a uma coisa com dignidade e categoria, mas onde o familiar cabe, isso os propulsores da Revolução Industrial não concebem.
Se analisarmos a fundo, veremos como as formas de governo suscitadas pela Revolução tendem a estabelecer num povo sempre a mesma coisa: ou uma monumentalidade napoleônica que deixa todo mundo esmagado, é o totalitarismo; ou o prosaísmo.
A civilização industrial tem qualquer coisa de congenitamente anti-harmônico, por onde a harmonia é um fruto que ela não produz em nada: nem no relacionamento, nem nos aspectos das máquinas. Ao contrário, o artesanal tem todas as fontes de harmonia.
O próprio da máquina é aumentar a quantidade, mas muito raramente a qualidade. Talvez, certo remédio fabricado numa máquina possa ter sua qualidade aumentada, não tenho certeza, mas admitamos que sim. Não obstante, a máquina é um spray de desequilíbrio.
Outro aspecto curioso: aquilo que o artesão faria com muitos esforços para produzir bem, a máquina fabricaria muito melhor. Entretanto, depois de ela ter produzido, vê-se que não vale nada.
Dou como exemplo a caligrafia. Tenho certeza de que os calígrafos, anteriores à máquina de escrever, faziam o possível para que sempre as letras por eles manuscritas saíssem iguais umas às outras. Compreende-se que se queira isto, pois uma mesma letra deve ter, ao longo de todo o texto, o mesmo aspecto físico. Porém, nunca a grafia à mão conseguiu a identidade de letras da grafia à máquina.
Ao cabo de algum tempo, deixado para trás o “maravilhamento” com a máquina de escrever, vê-se tratar-se de um aspecto secundário que desmerece o documento, e passa-se a ressaltar as regras de polidez, pelas quais certas cartas só se fazem à mão. Surgem, então, as reações contra a máquina porque, de repente, deram-se conta de que ela ofereceu algo de qualidade inferior.
Fabricação em série
A questão de fazer em série é a maior objeção existente, nesse campo, contra a máquina. As necessidades humanas são tão delicadas que, à medida que o homem se requinta, passa a ter necessidade de coisas que não podem ser fabricadas em série.
Não obstante, suposto que haja alguns artigos nos quais a exigência não seja dessa perfeição, o desenvolvimento humano pediria um fabrico em série de certas coisas, e haveria vantagem na máquina, desde que se admita sempre a possibilidade de aparecer naquele gênero uma encomenda que suponha essa perfeição. A partir disso, ao lado da coisa industrial deverá aparecer a artesanal que a industrial não vise eliminar. Ora, muito frequentemente acontece que a coisa industrial, ainda mais apoiada pela propaganda, esmague a artesanal.
Considerando a questão do lado doutrinário, poder-se-ia admitir que algum produto fosse fabricado às miríades por uma máquina, em matérias secundárias, para atender a certas necessidades. Contudo, pode-se dizer que, na grande maioria dos artigos que não sejam básicos, a série é perigosa e o efeito da máquina é deprimente.
Evidentemente, não se trata de ser contrário a todo progresso, mas de levantar o problema quanto ao progresso em quantidade, e se a máquina utilizada adequadamente não poderia vir a ser um elemento de requinte, e não de massificação.
A questão mais profunda parece-me ser a seguinte: até que ponto a ação do homem modificando a natureza – que ele tem o direito de fazer por ser o rei da criação – pede respeito, atenções e vagares sem os quais alguma coisa meio inefável da ordem da natureza fica chocada, devido a esses processos muito rápidos. Essa seria, a meu ver, a maior objeção contra o fabrico em série, mesmo para as coisas necessárias.
A grande máquina e a grande indústria, contra as quais temos objeções, em última análise são filhas dos meios de comunicação excessivamente fáceis, do encontro de mercados fabulosos em que se podem acumular fortunas, trazendo consigo a possibilidade de manusear a matéria em um sentido hostil ao homem.
Proporcionalidade
Essa temática contém uma pluralidade de aspectos que nos obriga a um estudo cuidadoso, sempre orientado pelo senso contrarrevolucionário.
Por exemplo, fazer um edifício grandioso é, de si, uma coisa muito bonita. Vai-se ver na realidade, até que ponto o grande é sempre o ótimo? Lendo, por exemplo, A cidade antiga, de Fustel de Coulanges vemos como a Roma republicana, da república aristocrática, não era tão grande quanto a Roma imperial, correspondente à da monarquia plebeia. Essa Roma republicana é incomparavelmente mais simpática, mais limpa e real. Não tocou na decadência que veio com a Roma imperial.
Quando eu era pequeno, ouvia minha família toda, habitualmente com o silêncio de mamãe – não me lembro de ela ter tomado essa posição nenhuma vez – comentarem: “São Paulo está ficando uma cidade industrial magnífica!” E já imaginavam uma Nova Iorque aqui, com os arranha-céus, aviões, etc.
Ora, comparemos a São Paulinho daquele tempo, elogiada por Clémenceau1, com a São Paulo de hoje e compreenderemos que qualquer coisa mudou para pior.
É verdade que quanto mais crescer, melhor? Que papel deveria ocupar a proporcionalidade?
No meu tempo de menino faziam um concurso para ver quais eram os meninos mais gordos, e esses ganhavam prêmio. Viam-se, então, nos fotógrafos da época os meninos que iam se fazer fotografar, gordos a ponto de fazer dobras de gordura nos joelhos e cotovelos, e rindo… Era o auge do grande homem, a quantidade substituindo a qualidade.
Qual é a proporção adequada? Às vezes os meninos gordos já estavam cansados de carregar a banha que tinham posto neles, e os longilíneos já não sabiam o que fazer dos pés que estavam pesando para eles.
Ora, em tudo isso que cogitamos, a proporção entre quantidade e qualidade deveria ser estudada com muito mais cuidado. A teoria das proporções é tão sábia que pede desproporções para ficar proporcionada a si mesma. Uma ordem de coisas inteiramente proporcionada, sem exceções, seria desproporcionalmente proporcionada.
(Extraído de conferência de 11/9/1986)
1) CLÉMENCEAU, Georges. Notes de voyage dans l´Amérique du Sud. Paris: Hachette, 1911.