Há certamente um Anjo da Guarda específico para cada vocação. Assim como houve espíritos angélicos agindo na criação do canto gregoriano, devem existir Anjos que estimulam dotes naturais em quem possui uma vocação profética.
Muitas vezes a linguagem da Escritura, da Igreja, da Liturgia se dirige a Deus pedindo a Ele alguma coisa diretamente. Outras vezes nós rogamos a Deus, mas considerado Nosso Senhor Jesus Cristo, quer dizer, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada. Às vezes nós pedimos por meio dos Santos, dos Anjos e principalmente de Nossa Senhora.
Cadeia de intermediações até Deus
Esses pedidos são feitos tomando em consideração que Deus age, em um imenso número de casos – se não sempre – por intermediários.
Quando analisamos mais detidamente, vemos que esses intercessores estão colocados, eles mesmos, numa linha de intermediação. De maneira que, por exemplo, nós rezamos para os Anjos da Guarda, mas estes, de fato, atuam sob a direção de outros Anjos mais altos.
A cadeia de intermediações até Deus é tão intensa que não podemos escolher de modo totalmente lógico este ou aquele intercessor, porque o número é grande demais para termos tudo isso em vista. Então nós agimos de acordo com certas apetências internas da alma que eu creio serem, na maior parte dos casos, moções da graça. Assim, por exemplo, dirigimo-nos ao nosso padroeiro, ou a um Santo que praticou especialmente uma virtude que nos é penoso exercer, ou, pelo contrário, um Santo que teve particular facilidade em praticar certa virtude; nós admiramos isso e pedimos a ele, ou recorremos ao nosso Anjo da Guarda, ou ainda a alguma pessoa falecida de nossa família, em cuja virtude confiamos.
É um tal quadro que, apenas por essas moções interiores, a pessoa pode de fato escolher um procedimento próximo daquilo que Deus quer.
Não se trata aqui de não fazer a vontade do Criador. Porque se Ele quer que nós tateemos na penumbra; procedendo assim estaremos fazendo sua divina vontade. Portanto, o problema de quem tateia na penumbra não é saber como tatear, de cada vez, como Deus deseja, mas é, sobretudo, este: “Uma vez que a Providência quer que eu tateie, resigno-me em tatear. Embora eu possa não tatear direito, estarei fazendo o que Deus quer até quando eu erre, porque Ele me pôs na penumbra.”
Por isso, devemos agir com o espírito livre e confiante, segundo a propulsão que tenhamos internamente, pedindo ora uma coisa, ora outra, desde que tudo esteja na direção de fazer a vontade d’Ele, que é condição de todo bem.
Ter a maior liberdade possível dentro da linha dos Mandamentos
Assim, quando um religioso roga algo por meio de seu Superior, ou do Anjo da Guarda, ou de Nossa Senhora, sou propenso a acreditar que se move toda uma engrenagem sobrenatural, se é que se pode usar uma palavra tão vulgar como “engrenagem”, para designar uma realidade tão magnífica como é a interligação de todos os servidores de Deus, até chegar aos pés do trono d’Ele.
Eu compreenderia uma oração assim: “Ó vós que eu não conheço, no Céu, mas por meio de quem Deus quer ser especialmente servido nesta ocasião, eu vos peço que…” Seja Anjo, seja Santo canonizado, seja uma alma santa que está no Paraíso.
Ou então, se Deus quiser a especial intercessão de uma pessoa que eu não conheço, posso pedir ao meu Anjo da Guarda que, por meio do Anjo da Guarda dela, leve-a a rezar por mim. Com toda a abertura, com todo o espírito filial devo caminhar assim.
Sou muito propenso, em matéria de vida espiritual, a que se tenha a maior liberdade possível dentro da linha dos Mandamentos, naturalmente. Quer dizer, naquilo que não contrarie a Deus, muita abertura.
Santa Teresinha do Menino Jesus usava esta expressão: “Dis au juste que tout est bien!” – “Diga ao justo que tudo está bem!” Ou seja, se está seguindo a boa regra, viva sossegado, não se atrapalhe nem se incomode.
Eu seria propenso a achar que Deus habitualmente – e talvez sempre – não age diretamente. E quando rezamos diretamente ao Criador, a nossa oração deve passar pelos caminhos das intermediações para chegar até Ele. Então pedimos a Deus porque sabemos ser o Doador de todos os bens, mas o correto seria nós supormos que todas as graças passam por um número incontável de intermediários, que nem sabemos bem como e quem são.
Cada vocação tem seu Anjo da Guarda, e às vezes é um Serafim
Para termos uma ideia, consideremos o seguinte: cada um de nós, para chegar até Adão, quantos antepassados tem? São incontáveis!
Porém, se não conhecemos a lista dos nossos antepassados até Adão, os nossos ancestrais que estejam no Céu, muito provavelmente, têm conhecimento de todos os seus descendentes. Quantos dos nossos antepassados estarão no Céu? Quantos se encontrarão no Purgatório? Quantos não estarão nem no Céu nem no Purgatório…? Não podemos saber. Entretanto, os que se salvaram não rezam de modo especial por todos os seus descendentes? Eu acho que sim.
Ora, na linha dessa descendência, alguns têm mais realce e outros menos nos planos divinos. Naturalmente, os ancestrais amarão mais aqueles com maior importância nos desígnios de Deus e, portanto, rezarão especialmente por esses.
Não seria uma coisa muito razoável fazer uma oração especial para pedir aos nossos antepassados que rezem por nós? A mim me parece muitíssimo razoável, assim como rezar para que saiam do Purgatório os que lá estiverem, à maneira de um dever anexo à obrigação de honrar pai e mãe.
E o que dizer do recurso aos Anjos?
Todos nós temos nossos Anjos da Guarda. Há certamente um Anjo da Guarda específico para cada vocação. Não me espanta que sejam espíritos da categoria de um Arcanjo e até de um Serafim, conforme as condições especiais de cada vocação. Pois bem, não seria razoável rezarmos ao Serafim que, aos pés de Nossa Senhora, está mais especialmente rogando por nós, e pedir que ele e toda a coorte dos espíritos angélicos dependentes dele rezem continuamente por nós para realizarmos a nossa vocação? A meu ver, nesse abandono em que nos encontramos, se não recorrermos aos espíritos celestes, privamos a nossa luta de elementos de defesa incomparáveis.
O cantochão e o polifônico
Que relação isso tem com o profetismo? No espírito dos que possuem uma missão profética, até que ponto os Anjos inspiram aquilo que eles devem pensar? Qual é o papel do Anjo e qual o do Profeta na execução de uma determinada missão terrena?
Tomem o cantochão. Não houve um “Cristóvão Colombo” do cantochão, que tenha descoberto essa “América” do mundo sonoro… Existiram, sem dúvida, grandes compositores, muitos deles anônimos. Embora provavelmente em sua grande maioria eles não tenham sido canonizados, o surto do cantochão corresponde a um movimento de santidade dentro da Igreja.
Apesar de não se confundir com a santidade, esse movimento constitui uma certa forma de virtude, que pode estar no conjunto das virtudes de um santo e fazer um bem enorme. O bem que o cantochão tem feito, não há palavras para exprimi-lo! Mas, por um desígnio qualquer da Providência, talvez os maiores homens desse estilo de música tenham ficado no anonimato.
Então, alguém dirá: “Tal Santo não sabia cantochão, enquanto tal outro era ‘o rei do cantochão’. Algum dos dois não foi santo?”
Não. São formas de virtudes especiais. Como, por exemplo, um é grande filósofo, outro um excelente artista, etc. São dons naturais que Deus fez iluminar pela graça. Nesses casos, a santidade consistia também em fazer valer aquele dom, natural e sobrenatural, recebido de Deus. Se não fizessem valer isso, não seriam santos. Mas não quer dizer que todos os santos deveriam ter tido esse dom.
Parece que no surto que levou ao canto gregoriano entrou uma ação angélica. Porque há nisso uma forma qualquer de beleza superior à cogitação humana.
Essa ação angélica se fez sentir enquanto Anjos atuando sobre homens provavelmente com talentos afins. E da conjugação do talento afim com a ação do Anjo saiu uma beleza que o talento, só por si, nunca daria. De maneira que ao ouvirmos certas músicas do cantochão – a meu ver, também do polifônico – dizemos: “Não é possível; isto um homem não compôs!” Entrou ação angélica.
Então, assim como podemos imaginar Anjos das melodias celestes e terrenas, não poderíamos conjeturar Anjos que agem estimulando dotes naturais, reflexões em quem tem uma vocação profética? Anjos, eles mesmos, tendo por natureza e por graça muita coisa de profético, e que seriam Anjos proféticos, patronos daqueles que devem exercer uma missão profética? Compraz-me muito essa hipótese.
(Extraído de conferência de 4/10/1986)