A vida do Beato Sebastião de Aparício foi cheia de zigue-zagues, mas sua alma sempre se manteve no sendeiro da virtude. O universo da santidade é muito mais ordenado, elevado e bonito do que todas as estrelas do céu, as belezas da natureza, as magnificências da arte. Sem santidade o mundo não teria sentido nem graça.
No dia 25 de fevereiro comemora-se a memória do Beato Sebastião de Aparício. Sobre ele diz Rohrbacher1:
Apostolado do exemplo
Nasceu na Galícia, em 1502, de família humilde de simples camponeses. Viveu até rapaz como pobre empregado, entregando suas economias aos pais e santificando essa vida árdua com uma enorme piedade. Embarcou em 1532 para o México, onde enriqueceu utilizando seus conhecimentos de agricultura. Teve êxito também no comércio, mas abandonou a profissão por achá-la perigosa para a salvação eterna, e voltou à lavoura.
Casou-se duas vezes e nos dois casamentos, com o consentimento das esposas, observou a continência. Dele disse o decreto de beatificação: A Providência não o enviou à América para lá cultivar ciências, nem tampouco literatura, a ele absolutamente estranhas, mas para instigar os novos cristãos, mediante o exemplo, à prática de uma profunda humildade e da perfeição.
Todos os estilos e tipos de vida humana honesta e honrada acabam sendo santificados por um bem-aventurado que daquela forma chegou aos altares.
Com a avançada idade de setenta anos, renunciou às abundâncias e riquezas de que dispunha, distribuiu-as pelos fiéis e assim despojado de qualquer bem terreno entrou num convento de franciscanos da estrita observância. Lá, esquecendo do que deixara no mundo, fez profissão como irmão leigo. A partir de então, persistiu na prática de maravilhosa penitência, de simplicidade de coração, de prece e de fé, de obras de misericórdia espiritual e física, até a idade de noventa e oito anos. Colheu então o fruto de cooperação com a graça e do fiel e laborioso cumprimento dos deveres religiosos. Embora entrado na vinha na última hora do dia, recebeu o prêmio inteiro que o pai de família prometeu aos que entram nas primeiras horas.
Variedade, unidade, ordem
Costuma-se dizer, a respeito da vida dos santos, que elas são admiráveis por aquilo que têm de parecido e pelo que possuem de diferente. Pelo que têm de parecido porque indicam a unidade da santidade e a união da obra de Deus. Por aquilo que possuem de diverso, porque a variedade é um elemento complementar da unidade e é fonte, junto com esta, de toda beleza.
Nem sempre se nota que a ordem está apenas na conjugação dos fatores unidade-variedade, mas encontra-se também na conjugação do modo pelo qual as diferenças se completam harmonicamente, por sua vez reproduzindo a unidade. E podemos então não só nos edificar na consideração da beleza da unidade que há na vida dos santos, quanto na verificação da surpreendente diversidade e da ordem que essas diferenças mantêm entre si.
Todos os estilos e tipos de vida humana honesta e honrada acabam sendo santificados por um bem-aventurado que daquela forma chegou aos altares; e mostrando que Deus tem seus desígnios muito variados a respeito de todos. Quando o Criador quer e a alma corresponde, de fato daí nasce a santidade.
Diversas mudanças em sua longa vida
Vejam como a vida desse Beato é singular. Nasceu pobre, filho de camponeses. Entretanto, vivia com muita piedade, entregava suas economias aos pais, respeitava o domingo. Isso em 1502. Mas em 1532 houve uma mudança brusca em sua vida. Depois de uma existência muito simples e pobre, de um camponês arraigado na tradição de sua terra, embarca, de repente, para o México que naquele tempo era um lugar de aventura, de riqueza.
Ele sai de uma vida muito ordenada e singela para o pleno tumulto de um quadro de existência completamente novo. Lá ele se enriquece como agricultor. Nova mudança: entra no comércio, exercendo profissão profundamente diversa da agricultura, e também obtém um êxito extraordinário.
Mais outra mudança: deixa o comércio e volta à lavoura. Por quê? Pela dificuldade de enriquecer honestamente. Todos sabem como é fácil roubar no comércio. Deixou o estado de solteiro e casou-se duas vezes; e, circunstância imprevista, guardando continência as duas vezes. Quer dizer, castidade perfeita dentro do casamento. Uma vida toda de aspectos singulares.
Depois de ter dado zigue-zagues de toda ordem, caiu na grande estabilidade de uma ordem religiosa, na qual levou a vida de um religioso.
O decreto de beatificação acentua o último momento de sua vida: já tinha setenta anos quando entrou para um convento de franciscanos. Alguém dirá: só uma pontinha de sua existência… Não, são vinte e oito anos de vida religiosa. Depois de ter dado zigue-zagues de toda ordem, caiu na grande estabilidade de uma ordem religiosa, na qual levou a vida de um religioso. Então, o antigo agricultor, o antigo comerciante, o antigo homem de aventuras, o antigo esposo passa a ser um capuchinho de barba branca tranquilo, gentil, ressumando vida espiritual e morre numa espécie de apoteose.
Perfumou o convento, o México e a América com a beleza de sua vida
Analisando esses zigue-zagues, vê-se que não foram sinuosidades de uma pessoa que andou quebrando a cabeça de todos os lados, nem a correria do gato louco, mas que tudo isto teve uma certa continuidade. Por exemplo, quando se tornou comerciante ele já era tão direito que preferiu deixar o comércio a roubar. Tendo resolvido se casar, teve razões tão elevadas que guardou a castidade perfeita no casamento, e por duas vezes.
A vida dele rolando de todos os lados, mas sua alma, no sendeiro da virtude, afinal chega ao fim. E aos setenta anos entra para o convento, onde permanece por mais vinte e oito anos, o que ninguém esperava. É uma conjunção de vidas dentro das quais ele toma toda a personalidade de um papel e depois passa para outra função; no fim se sublima no papel dos papéis: um simples irmão leigo franciscano, perfumando todo o convento e todo o México e, de algum modo, toda a América com a beleza de sua vida.
Então, compreende-se bem que Deus é admirável nos seus santos. Ele é o autor, a fonte, o modelo da santidade; e o meio para ganhá-la é Maria Santíssima, nossa Medianeira. Ele é admirável porque todos os santos têm algo de parecido e algo de diferente, e porque essas diversidades se ordenam de um modo lindíssimo.
Qualquer alma é um tesouro inapreciável
Comparemos este Beato, por exemplo, com São Simeão Estilita rezando continuamente no alto de sua coluna, anos e anos, empolgando toda uma cidade; com o Venerável Pio Bruno Lanteri lutando contra a polícia de Napoleão, ou com Santa Teresinha do Menino Jesus morrendo vítima do amor misericordioso, em Lisieux. Essas variedades têm umas harmonias profundas, que são uma espécie de post-visão da unidade.
O universo da santidade é muito mais ordenado, elevado e bonito do que todas as estrelas do céu, as belezas da natureza, as magnificências da arte. É a santidade o centro do mundo. Sem santidade o mundo não teria sentido nem graça, mesmo no que ele possui de mais belo.
Peçamos a Nossa Senhora, por intermédio desse Beato, que nos dê uma consideração, uma compreensão, um amor cada vez maior pela santidade. De outro lado, nos conceda a vontade de nós mesmos sermos santos e contribuirmos com nossa alma para a beleza desse firmamento para o qual fomos criados. Qualquer alma, a última das almas do último homem, é um tesouro inapreciável porque é uma estrela que a Providência quer que brilhe por toda a eternidade nesse firmamento de santidade que deve substituir no Céu os anjos caídos.
(Extraído de conferência de 24/2/1966)
1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. III, p. 411-412.