jueves, noviembre 21, 2024

Populares da semana

Relacionados

Virtude da pureza e vida eucarística

Por ocasião do Congresso Eucarístico realizado em Curitiba, em 1953, a pedido de um bispo Dr. Plinio redigiu o texto do discurso transcrito a seguir, o qual foi lido para a multidão de fiéis por aquela autoridade eclesiástica.

A Providência Divina enriqueceu com magníficos dons materiais esta terra do Paraná, cujo centenário de ereção em Província autônoma hoje se celebra, não tanto para que se tornasse insigne por sua prosperidade temporal, quanto para que, desenvolvendo com o auxílio dos bens da terra os dotes do espírito, crescesse no saber e na cultura, se alteasse na virtude e na Fé.

Assim, é perfeitamente compreensível que as comemorações centenárias do Paraná tenham como ponto culminante este Congresso a que afluiu todo o Brasil, a fim de cantar aos pés do trono do Rei Eucarístico o hino da ação de graças, e formular preces pela santificação e grandeza desta terra.

Dentre os múltiplos votos que nesta ocasião certamente brotam destes milhares de corações a Jesus Sacramentado, cremos que nenhum será mais justificado, nenhum recebido com maior agrado do que este: seja a Divina Eucaristia o alimento da pureza na vida da família paranaense e brasileira.

Samuel Holanda
Cristo Rei – Igreja de Santo André, Bayonne, França

O romantismo glorificou a espontaneidade, o sentimento…

O romantismo do século XIX nos legou uma imagem profundamente falseada da verdadeira vida de família. Partindo da glorificação da espontaneidade, o romantismo nos apontou a vida de família baseada principalmente em sentimento. Era o sentimento do amor o vínculo único, só ele legítimo e eficaz, a ligar entre si os cônjuges; era o sentimento instintivo da paternidade ou da maternidade, traduzido em impulsos espontâneos e profundos, o elemento determinante, a força verdadeira do amor paterno ou materno. Era, ainda, o sentimento nascido das energias latentes da voz do sangue que unia os irmãos aos irmãos, traçando-lhes os respectivos deveres e dando forças para os cumprir. À vista desses pressupostos, a vida de família se configurava a um paraíso em miniatura, onde todos os deveres eram agradáveis de cumprir, íntima e sem nuvens a compreensão entre todos os seus membros.

Que haja traços de verdade nesse quadro ninguém o contestará. Mas que ele, em seu conjunto, aberra da realidade objetiva do século XIX, do século XX, de qualquer época, ninguém o pode negar.

É falaciosa a ideia de que o mero sentimento em suas forças instintivas possa servir de esteio para a moral doméstica. A concepção romântica é baseada sobre a negação do pecado original, e supõe nos instintos uma temperança, uma retidão, uma inocência que não possuem. Daí o fato de que o romantismo, inaugurando na vida da família a era do sentimentalismo, e procurando construí-la à margem de toda a ideia de ascese, de mortificação e de sacrifício, de fato precipitou num abismo de desregramentos a instituição fundamental de toda a sociedade humana.

Na história dos erros, em geral um extremo gera outro extremo. O romantismo gastou-se por seus próprios excessos, e deu lugar a um período de utilitarismo cru e sem rebuços. Neste período, a família se apresenta como uma instituição baseada, sobretudo, num cálculo de vantagens. Vantagens para os filhos, a proteção dos pais. Vantagens para os irmãos, o recíproco apoio nas dificuldades da existência. Vantagens, dizemos, e num sentido muito preciso da palavra. Trata-se de vantagens materiais da maior facilidade na obtenção dos meios de subsistência e das fontes de receita. A família na ordem natural, a mais santa das instituições que Nosso Senhor Jesus Cristo elevou à dignidade ímpar, fundamentando-a num Sacramento, decai assim desta altura, para ficar no nível de uma sociedade de auxílios mútuos, estritamente comercial.

É falaciosa a ideia de que o mero sentimento em suas forças instintivas possa servir de esteio para a moral doméstica.

…e deu origem ao utilitarismo socialista

O romantismo era individualista. E assim como o individualismo gerou em política, em sociologia, em economia, uma reação que chegou ao excesso oposto e mil vezes pior – o socialismo –, assim também o romantismo deu origem ao utilitarismo socialista, pois não é senão materialismo socialista considerar-se a família antes de tudo uma célula de produção econômica.

Infelizmente, para que esta concepção se arraigue ainda mais, não falta a cooperação de tantos de nossos homens públicos – escritores, jornalistas, políticos, legisladores –, que tomam por ponto de partida de toda a sua atuação o pressuposto de que a sociedade humana tem como única razão de ser proporcionar aos indivíduos condições de existência fartas e fáceis.

Assim desliza insensivelmente a sociedade capitalista e burguesa para o comunismo, para esse mesmo comunismo contra o qual se armam, entretanto, exércitos, esquadras de mar e de ar, e bombas de um poder mortífero sem precedentes.

O inimigo que ela visa destruir, e que tem o dever de destruir como condição de sobrevivência, esse mesmo inimigo se insinua por detrás de sua linha de defesa com as armas impalpáveis das falsas doutrinas, e constitui por esta forma um perigo talvez muito mais grave do que o de uma agressão inopinada e brutal.

Para a Igreja, a família não se baseia nem no sentimento, nem no cálculo utilitário. A concepção católica nem é individualista, nem materialista ou coletivista. Compreendê-lo-emos melhor, analisando aqui alguns aspectos práticos da vida de família, relacionados com o tema que nos foi proposto.

A família deve basear-se na fidelidade dos conjugues e na castidade dos filhos

Bispo da Santa Igreja, não temos o direito de ensinar meias verdades. Não podemos cerrar os olhos para a gravidade terrível dos problemas concretos que a vida contemporânea suscita a todo momento, relacionados com a prática da religião.

Arquivo Revista
Pio XII durante a proclamanção do Dogma da Assunção de Maria, em 1950

Referindo-se à perseverança na pureza, disse o Santo Padre Pio XII que ela exige para os católicos de nossos dias uma virtude vigorosa, uma vigilância contínua, uma fortaleza muitas vezes heroica.

De si, a perfeita fidelidade entre os cônjuges – fidelidade esta que a Igreja sempre ensinou ser recíproca, e não apenas da esposa para com o esposo – e a castidade perfeita que os jovens de ambos os sexos devem manter até o matrimônio, são virtudes difíceis de praticar. Supérfluo seria dizer-vos quanto a imoralidade do rádio, do cinema, da imprensa, da televisão, dos teatros, das revistas, dos romances, dos bailes, até das reuniões familiares, muitas vezes concorre para tornar ainda mais difícil a prática dessas virtudes. Infelizmente, a opinião púbica, há tantos decênios sistematicamente corrompida por todos esses agentes, afrouxou-se relativamente à santa virtude e na maior parte dos ambientes os deslizes em matéria de pureza são vistos com tolerância ou simpatia, ao mesmo tempo que a castidade é escarnecida, vilipendiada, desprezada. Assim a sanção social sofreu uma inversão quase completa. Outrora, ela punia o mal e incentivava o bem. Hoje, ela afasta o bem e alicia para o mal.

Dir-se-ia que a sociedade de hoje conspirou contra a grande virtude da pureza. E por isso mesmo conspira contra a instituição da família; pois a família, para merecer esse nome, para realizar sua característica humana que a distingue das uniões comandadas pelo instinto, deve basear-se na fidelidade dos conjugues e na castidade dos filhos. Tudo, pois, que se faz contra a pureza dos costumes é feito contra a família. E como a família é a cellula mater da sociedade – verdade que se tornou cediça de tanto repetida, mas cujas consequências poucos têm a coragem de adotar –, é o próprio fundamento vital da sociedade que entra em decomposição.

Aqui está, a nosso ver, uma das raízes mais profundas da atual crise. Num país formado por famílias puras, o reflexo desta integridade do lar doméstico se irradiará em efeitos benéficos para todos os campos da vida. Corrompido pelo vício da carne o santuário do lar, não haverá um só campo da atividade humana que não sofra terrivelmente as consequên­cias desse fato.

A imoralidade dos meios de comunicação e até das reuniões familiares concorre para tornar ainda mais difícil a prática dessas virtudes.

Apetite de prazer e aversão ao esforço, à luta, à dor

Mas por que o horror à pureza?

A causa desta lamentável disposição do espírito moderno está no pavor do sacrifício. O homem, ávido de prazer, foge a tudo quanto lhe acarrete sofrimento, exija esforço, signifique seriedade, temperança, renúncia, mortificação.

Em última análise, em qualquer das manifestações da crise moderna se verifica, vibrante de excitação e de apetites, esta sede imoderada de gozo, esta repulsa insopitável ao sofrimento.

Eis uma verdade que não careceria de demonstração. Está, no entanto, no rol daquelas proposições incômodas que os espíritos bons aceitam lealmente e os maus repelem aprioristicamente, de maneira que ainda que um Anjo de Deus lhes viesse anunciar, não as aceitariam. Como, porém, nosso dever é diagnosticar o mal para opor-lhe o remédio, insistimos sobre este ponto que melhor manifestará a necessidade de estimular as famílias a uma vida segundo a integridade da pureza, com que Deus a quis como casto reflexo do amor divino.

O homem, ávido de prazer, foge a tudo quanto lhe acarrete sofrimento, exija esforço, signifique seriedade, temperança, renúncia, mortificação.

Ora, é deste apetite de prazer, desta aversão ao esforço, à luta, à dor, que decorre, como de uma fonte pestilencial, toda a crise contemporânea. O atrito entre a alma moderna e a Igreja não tem outra causa. A Igreja ensina o dever. A humanidade só quer ouvir falar de direito. Ora, o direito representa no caso concreto o acesso livre a todas as vantagens e volúpias. E o dever lembra a necessidade da renúncia e do sacrifício.

No âmago do tema de que tratamos, encontramos claramente este problema. Mostremos em que termos ele se põe.

A natureza humana, depois do pecado original, tem especial dificuldade para a prática da virtude da pureza. A integridade com que a graça divina proporcionava o equilíbrio das faculdades humanas, submetendo os instintos à razão, agastava a luta interior conatural a um ser misto de espírito e matéria. De maneira que, após a queda, o aguilhão da carne se tornou singularmente vivaz e poderosamente eficiente para desviar o homem do caminho reto da natureza racional.

Arquivo Revista

Se em todos os tempos, hoje a fortiori, a posse da pureza exige grande disciplina interior, condiciona-se a uma vigilância constante, a uma análise de consciência assídua, frutos de uma vontade firme e determinada a afastar tudo quanto interna ou externamente ponha em risco próximo a virtude.

Inútil dizer que o mero sentimentalismo não basta para manter uma resolução tão heroica. Os sentimentos são em grande parte frutos de disposições emotivas do momento. E a emoção é mais instável do que a areia do mar. É preciso ter convicções, princípios, ser coerente com estes princípios, para possuir uma verdadeira energia de alma, sem a qual não há pureza autêntica.

As devastações da impureza se foram estendendo

Ora, aqui está o problema: Como levar o homem a aceitar todos os sacrifícios que tal virtude supõe? A natureza humana será capaz, por si mesma, de tanta fortaleza?

Ensinam os teólogos que ninguém pode manter-se por muito tempo na prática integral dos Mandamentos sem a graça divina. De si, essa afirmação se refere a todos os Mandamentos em seu conjunto. Entretanto, da virtude da pureza em particular, pode-se afirmar que, salvas exceções raríssimas, ninguém a pode conservar ou recuperar sem a graça de Deus. Poderíamos mesmo dizer que são as dificuldades do apetite sensual que tornam mais especialmente difícil o cumprimento da lei natural.

Prova-o, aliás, a mais palpável experiência histórica. A pureza, como a Igreja a ensina, nunca ocorreu em povos pagãos, nem se conservou em nações heréticas ou cismáticas, como virtude social. Em outros termos, as leis e os costumes acabaram por tolerar, ou até por incentivar a prática de ações contrárias ou à castidade perfeita dos solteiros, ou à fidelidade inviolável entres os cônjuges. Para não citar senão as nações heréticas ou cismáticas, basta pensar no divórcio que todas elas incluíram na sua legislação, no celibato eclesiástico que rejeitaram, na impureza que toleraram, pelo menos entre os jovens do sexo masculino.

Dói-nos dizê-lo, mas outra prova dessa asserção achamos na experiência das nações católicas. Quando nelas se entibia a Fé, o laicismo invade o Estado, o ensino, a família, a sociedade, a pureza começa imediatamente a decair. No início deste século, a moral pública censurava e punia com uma espécie de excomunhão, excluindo-a do convívio social, a esposa conhecidamente adúltera, e afastava do recesso dos bons ambientes familiares a jovem simplesmente leviana. Entretanto, por uma lamentável incongruência que trazia em si o estigma do laicismo que começava a dominar, tolerava a impureza entre os jovens e até entre os homens casados. À medida que a influência do laicismo foi crescendo, as devastações da impureza se foram estendendo. Hoje em dia, o divórcio conta numerosos partidários, os costumes se mostram cada vez mais indulgentes para com a esposa adúltera e a jovem leviana. Mais alguns decênios, neste caminhar, onde estaremos?

Em que país ocorre a transformação a que aludimos? Com quanta dor o dizemos, com quanto pesar o ouvis. É o Brasil, a maior nação católica da Terra!

Luta no interior de cada homem entre a lei do espírito e a da carne

Falamos sob as vistas de Deus e é preciso que nossa sinceridade seja sem mácula, ante Aquele cujo olhar perscruta os corações e os rins. Sobre os pecados públicos e notórios não adianta correr o véu de um otimismo convencional e insincero. Mais vale a pena reparar os pecados que bradam aos céus, bradando igualmente aos céus nossa culpa e nossa contrição, pois só assim obteremos as bênçãos da misericórdia divina.

Em nossa própria casa, em nosso próprio exemplo temos a prova histórica e social palpável de que realmente a pureza autêntica é superior às forças naturais da imensa maioria dos homens.

O polo da piedade cristã é necessariamente a sagrada Eucaristia, onde se concentra o Sangue divino, como em inefável, inesgotável e preciosíssimo reservatório das misericórdias de Deus.

Na falência de todos os recursos humanos, voltamo-nos para Vós, Senhor Jesus. Todos os homens de nossos dias, opressos pela luta interior entre as duas leis, a do espírito e a da carne, poderiam e deveriam exclamar diante de Vós com santa audácia e invencível confiança: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte? A graça de Deus por Jesus Cristo, Nosso Senhor” (cf. Rm 7, 24-25).

Gabriel K.

Luis Samuel
Crucifixo da Catedral do Santíssimo Salvador do Mundo – Olinda, Brasil

Por que, Senhor, nos destes leis senão para que as cumpríssemos, e cumprindo-as nos salvássemos e conseguíssemos nosso fim último? Por que morrestes na Cruz e instituístes o Sacratíssimo Sacramento da Eucaristia, senão para que tivéssemos em nós a força sobrenatural necessária para praticar vossas leis, indiscutivelmente pesadas demais para as simples energias de nossa natureza?

Nisto está o triunfo de vossa misericórdia. Vossa bondade não consistiu em nos deixar atolados em nossa fraqueza, dispensando-nos do cumprimento de leis árduas para nossa miséria. Ela quis ir além, misteriosamente além, e para dar-nos a glória e a ventura de viver segundo vosso beneplácito tonificou o nosso nada, agigantando-nos com os dons de vossa graça.

No centro desta sociedade corrupta devemos cravar a Cruz de Cristo

Adverte a Igreja que o fiel, reconhecendo humildemente sua incapacidade, deve implorar, numa oração ininterrupta e confiante, da bondade divina os auxílios indispensáveis para a prática dos Mandamentos. Para quem reza com ardente desejo, implora sinceramente a graça com intuito de lutar pelo cumprimento da Lei divina, Deus acorre benignamente com sua amável onipotência.

Por Jesus Cristo, Nosso Senhor. Eis o Medianeiro cujo Sangue fala mais alto do que o de Abel, e do Céu alcança todos os benefícios que restauram a humanidade pecadora. Eis que o polo da piedade cristã é necessariamente a sagrada Eucaristia, onde se concentra o Sangue divino, como em inefável, inesgotável e preciosíssimo reservatório das misericórdias de Deus. Se do santo sacrifício da Missa se irradiam todas as graças, se em nossos altares está realmente o Divino Salvador tão presente como esteve nos braços de Maria Santíssima em Belém, ou nos braços da Cruz no Calvário, como não nos voltarmos para a Sagrada Eucaristia a fim de Lhe pedir a graça das graças que é a perseverança na virtude?

Ouvem-nos neste momento muitos jovens levitas, apóstolos leigos do Paraná e de todo o Brasil. Permitam eles a um coração de bispo uma expansão: o segredo de nossa vitória junto às almas não consiste em lhes ocultar quanto é árdua a luta pela pureza. Muito menos ainda em silenciar esta verdade evidente de que na realidade, para a imensa maioria das almas, a luta pela salvação eterna se identifica com a luta pela pureza.

Não atrairemos as almas condescendendo com modas e modos que são um estímulo constante ao pecado. Bem no centro desta sociedade corrupta devemos cravar a Cruz de Cristo, como a serpente de Moisés foi por este ostentada ao povo errante no deserto. Precisamos ensinar que fitando a cruz, implorando humildemente a graça, teremos força para tudo vencer, em vez de capitular ante nossa fraqueza e deitar um manto de esquecimento e de respeito humano diante daquilo que é a glória única, toda a força de atração da Santa Igreja: a Cruz sacratíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eucaristia: fonte que alimenta e aumenta as energias da alma contra o pecado

Se conhecêssemos o dom de Deus, se conhecêssemos toda a abundância de forças sobrenaturais que jorram da Sagrada Eucaristia, sem dúvida nosso apostolado ganharia em coragem, em desassombro e em fecundidade. Pois o grande Apóstolo ou, antes, o único Apóstolo e Salvador é Jesus Cristo, na Sagrada Eucaristia. Aproximemos d’Ele as almas e elas terão forças para tudo.

Para atrair o povo à Sagrada Eucaristia, para despertar nele a fome deste Pão supersubstancial, é preciso que lhe mostremos que o culto eucarístico não consiste apenas na recitação sentimental de fórmulas de louvores e ação de graças. É mister fazê-lo compreender que a Eucaristia é a fonte que alimenta continuamente, e aumenta sem cessar as energias da alma contra o pecado, é meio indispensável para nos conservarmos na graça e amizade de Deus.

Arquivo Revista

“A minha Carne é verdadeira comida” (Jo 6,55). A Eucaristia é verdadeiramente comida. Tomemos em toda a sua extensão a palavra de Jesus Cristo.

A comida se destina a conservar e desenvolver a vida natural do corpo. Para tanto, não basta ingeri-la. É mister toda uma operação que realizam os órgãos sabiamente dispostos pela Providência, que extraem o necessário, o vital dos alimentos e o transformam na substância própria do corpo que se nutre.

Não é temerário, antes é preciso insistir sobre esta comparação, quando se trata da Sagrada Eucaristia, atendidas, naturalmente, as diferenças que vão entre a vida material do corpo e a sobrenatural, espiritual, da alma. Como também tendo sempre em vista a condição especial deste alimento que encerra o Autor da vida, de maneira que não se dá a assimilação do alimento por quem o recebe, mas é a pessoa que se nutre do Pão divino quem é assimilada por Nosso Senhor.

A Comunhão, portanto, é a condição indispensável de qualquer vida eucarística, pois sem a recepção do Sacramento falta o elemento essencial que irá desenvolver na pessoa a união com Jesus Cristo.

Devemos ter uma vida de mortificação e renúncia, à semelhança do Salvador

Não basta, porém, o simples ato da recepção do Sacramento. Já em seu tempo, o advertia São Paulo: multi infirmes, imbecilles multi eram os que se nutriam do Pão dos fortes e dos sábios. Por quê? Porque faltava a assimilação. Imbecilles, infirmes, pois cifravam sua vida eucarística na simples recepção do Sacramento. Sua união com Cristo não ia além dos minutos da divina presença em seu coração, após a Sagrada Comunhão. O esforço para assimilar-se a Cristo faltava, e por isso o Sacramento se tornava ineficaz.

A Comunhão, pois, dá-nos o Autor da vida, a graça, a elevação da alma, de suas potências. Pede, porém, a cooperação do homem. Elevado pela graça sacramental, deve o fiel empenhar-se na imitação de Jesus Cristo, na assimilação sempre mais perfeita do divino modelo, no cumprimento em seu corpo do que falta à Paixão de Cristo, no esforço por chegar à plenitude da idade de Cristo.

Esta ação conjunta da graça e da ascética, a alma que coopera com Jesus Cristo é que realiza propriamente a vida eucarística, fonte de vida sobrenatural, causa de elevação do homem, da família e da sociedade, o vinho que gera virgens, numa Igreja pujante de vida, de graça, de caridade para glória e salvação das almas.

Apraz-nos trazer aqui o luminoso ensinamento do Soberano Pontífice gloriosamente reinante, Pio XII, na encíclica “Mediator Dei”, quando trata de nossa participação no Sacrifício Eucarístico. Sua Santidade é constante em recomendar, como necessária para uma participação vital e eficaz, a nossa identificação com a Vítima divina, mediante uma vida de mortificação e renúncia, à semelhança daquela que levou o bendito Salvador.

A Eucaristia é a fonte que alimenta continuamente e aumenta sem cessar as energias da alma contra o pecado, é meio indispensável para nos conservarmos na graça e amizade de Deus.

Para que, pois, a oblação, com a qual neste Sacrifício os fiéis oferecem a Vítima divina ao Pai celeste, tenha o seu efeito pleno, requer-se ainda outra coisa: é necessário que eles se imolem a si mesmos como vítimas.

E quase do mesmo modo nos livros litúrgicos são exortados os cristãos que se aproximam do altar a participarem dos sagrados mistérios: “…esteja sobre… este altar o culto da inocência, nele se imole a soberba, nele se apague a ira, se debele a luxúria e toda concupiscência, ofereça-se ao invés de rolas o sacrifício da castidade, e em lugar de pombas o sacrifício da inocência”. Assistindo, pois, ao altar, devemos transformar nossa alma de modo que se apague radicalmente todo o pecado que está nela, e com toda diligência se restaure e reforce tudo aquilo que, mediante Cristo, dá a vida sobrenatural: e assim nos tornemos, junto com a Hóstia imaculada, uma vítima agradável a Deus Pai.

Devemos transformar nossa alma de modo que se apague radicalmente todo o pecado que está nela … e assim nos tornemos, junto com a Hóstia imaculada, uma vítima agradável a Deus Pai.

A vida eucarística e a prática da santa virtude da pureza são coisas correlativas

Pouco antes o Pontífice doutrinara:

Gabriel K.

É necessário que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do santo sacrifício eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que os ponha em contato íntimo com o Sumo Sacerdote, como diz o Apóstolo: “Tende em vós os mesmos sentimentos que Jesus Cristo experimentou” (Fl 2, 5), oferecendo com Ele e por Ele, santificando-se com Ele.

É bem verdade que Jesus Cristo é sacerdote, mas não para Si mesmo, e sim para nós, apresentando ao Eterno Pai os votos e sentimentos religiosos de todo o gênero humano; Jesus é vítima, mas por nós, substituindo-Se ao homem pecador; ora, o dito do Apóstolo: “Alimentai em vós os mesmos sentimentos que existiram em Jesus Cristo” exige de todos os cristãos que reproduzam em si, enquanto está no poder do homem, o mesmo estado de alma que tinha o divino Redentor quando fazia o sacrifício de Si mesmo, a humilde submissão do espírito, isto é, a adoração, a honra, o louvor e a ação de graças à majestade suprema de Deus; requer, além disso, que reproduzam em si mesmos a condição de vítima: a abnegação de si conforme os preceitos do Evangelho, o voluntário e espontâneo exercício de penitência, a dor e a expiação dos próprios pecados. Exige, em uma palavra, a nossa morte mística na cruz com Cristo, de modo que possamos dizer com Paulo: “Estou crucificado com Cristo na cruz” (Gl 2,19).

Quisemos citar mais longamente o Sumo Pontífice para que ficasse claro que, segundo a doutrina da Igreja, uma vida eucarística só é real quando envolve contínua mortificação dos sentidos. Ficando assim igualmente demonstrado que a vida eucarística e a prática da santa virtude da pureza são coisas correlativas.

…foi nessa primeira comunhão de natureza entre o Verbo Encarnado e Maria Santíssima que se operou a primeira e perfeita vida eucarística…

Flávio Lourenço
Virgem da Esperança – Catedral de León, Espanha

Maria Santíssima nos proporcionará a perfeita vida eucarística

Ainda uma palavra, indispensável em qualquer piedade bem entendida e, pois, precipuamente tratando-se da piedade eucarística.

Jamais podemos esquecer o primeiro e inefável sacrário que na Terra recolheu o Salvador do mundo: o seio virginal da Virgem Maria. Foi nesse sacrário que Jesus se formou Homem e Salvador, foi nessa primeira comunhão de natureza entre o Verbo Encarnado e Maria Santíssima que se operou a primeira e perfeita vida eucarística, pois teve como consequência a mais perfeita assimilação entre a criatura e o Criador, feito Carne para nossa salvação.

Divinal modelo de todos os fiéis é Maria, sobretudo o caminho indispensável para chegarmos a Jesus Cristo, isto é, para nos assimilarmos a Jesus Cristo. Em outras palavras, é recolhendo-nos nesse sacrário vivo, que é o místico seio da Virgem Santíssima, que conseguiremos a transformação necessária de nossas vidas na vida do Salvador, de nossos sofrimentos nos sacrifícios do Divino Redentor, que obteremos a união perfeita de nossas vontades com a santíssima vontade divina. É Maria quem nos proporcionará a perfeita vida eucarística, fazendo-nos vítimas de oblação pura, dignas de Hóstias imaculadas, que desde a aurora até o ocaso glorifica incessantemente a Deus no universo inteiro.

Uma vida eucarística assim concebida forma necessariamente um povo casto. E de um povo casto necessariamente nasce a verdadeira vida de família.

Flávio Lourenço
Cristo com a Eucaristia Museu de Arte Religiosa, Puebla, México

Um ambiente de dignidade, seriedade, compostura, mútuo respeito e abnegação sem limites é a condição de vida da família cristã

Com efeito, afirma-se muitas vezes a importância da família na formação do indivíduo. Não se insiste suficientemente sobre a importância da formação do indivíduo para a sadia constituição da família.

Se um jovem aprendeu a refrear os seus instintos, a estabelecer uma verdadeira disciplina em seus pensamentos e olhares, se formou o seu espírito longe dos ambientes levianos, egoísticos e todos voltados para os deleites, que são os ambientes nos quais a castidade se perde, levará para o matrimônio todos os predicados do verdadeiro chefe de família. A Eucaristia terá sido o alimento da castidade desse jovem. Ela será o segredo de sua fortaleza na árdua missão de esteio da família.

Se uma jovem cultivou uma pureza de alma e corpo, evitando os bailes, os romances, as amigas cuja frequência a poderia induzir à frivolidade, ao desejo imoderado de prazer, não só do prazer fútil, mas ainda da procura desenfreada de sensações, emoções e afetos românticos, terá entesourado em seu coração todas as riquezas de delicadeza e ternura do coração materno. Se ela se tiver habituado a cumprir seus deveres com ânimo forte e seriedade de espírito; se ela tiver, na renúncia às futilidades e condescendência de uma mal guardada pureza, adquirido o espírito ascético da mulher forte do Eclesiástico, será a esposa modelar, amparo de seu esposo nas horas difíceis, guia firme e constante de seus filhos nos momentos de luta e de crise. Em uma palavra, será a cristã perfeita, capaz de iluminar o lar nos momentos de bonança, mas, sobretudo, de amparar a família nas tempestades tão frequentes na agitada vida moderna.

Se o filho ou a filha tiverem uma pureza sobrenatural, feita de piedade, ascese, profunda e autêntica mortificação, saberão esquecer-se de si mesmos, compreender e admirar seus pais, amar e obedecer a Lei, apreciar o ambiente de dignidade, seriedade, compostura, mútuo respeito e abnegação sem limites que é a condição de vida da família cristã.

Assim constituída, com suas raízes alimentadas pelo Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família poderá estender a sua fronde, sempre rica de flores e de frutos, em qualquer latitude, em qualquer clima, sob o sol ardente e abrasador da atmosfera neopagã dos países burgueses, ou no vendaval diabólico das regiões em que a perseguição comunista já está desencadeada.

Sendo Jesus Cristo o alimento da vida de família, sendo verdadeira e plenamente eucarística a pureza de todos os que habitam o lar, este é literalmente indestrutível, pois na perseguição incruenta do neopaganismo frutificará em exemplos e crescerá em méritos.

Na perseguição cruenta do comunismo, poderá a família ser ceifada, não porém destruída. Irá habitar na mansão celeste, deixando na Terra o germe de novas gerações cristãs. O sangue dos mártires é semente de cristãos.

Eis rapidamente algumas considerações que nos persuadem da indispensável vida eucarística, no seu sentido pleno, para que se conserve a pureza de nossos lares. Vale dizer, para que floresça a família cristã.

Votos e propósitos de ordem prática

Parece-nos, no entanto, que nossa obra estaria incompleta se não alinhássemos aqui, a título de conclusões, o que sugerimos como votos e propósitos de ordem prática:

…sendo verdadeira e plenamente eucarística a pureza de todos os que habitam o lar, este é literalmente indestrutível…

Luis Samuel

1 – Não haverá solução para os problemas do mundo contemporâneo, a não ser que se reconheça a pureza como elemento essencial da honra masculina, como feminina, e que ela deve ser não apenas virtude dos indivíduos, mas hábito social, impregnando a vida da família, os costumes públicos, a difusão do pensamento escrito ou oral e a legislação.

2 – Essa virtude social só é possível mediante uma vida eucarística intensa, que consta não só dos atos de piedade, mas, sobretudo, do esforço ascético para assimilar a vida de Jesus Cristo, vítima pelos nossos pecados.

3 – Evitem-se cuidadosamente nos meios católicos uma falsa pureza de molde naturalista, em que o homem conta com suas próprias forças, e em que o principal motivo da virtude colhe-se na energia da vontade, e não em razões e meios de ordem sobrenatural.

4 – Não se procure ocultar o que a prática da pureza tem de árduo, mediante concessões aos costumes neopagãos modernos.

5 – Incremente-se nas famílias e associações católicas o apreço da castidade perfeita, pela veneração do celibato eclesiástico, do estado religioso, da virgindade no século, bem como da fidelidade conjugal da esposa como do esposo.

6 – Como o amor da pureza não existe sem a detestação da impureza, encareça-se o mérito e a oportunidade de uma atitude intransigente em face do desregramento dos costumes, fechando o lar aos casais constituídos à margem das leis da Igreja, à televisão, livros, revistas e jornais imorais, e velando pela pureza e elevação das conversas, especialmente em família.

7 – Não seja a preparação para o casamento eivada de romantismo, cientificismo ou utilitarismo: mas seja ela feita numa atmosfera criada pela visão sobrenatural da vida, em que se exalta o espírito de sacrifício e a fortaleza que os deveres do estado conjugal exigem.

8 – Elimine-se também do noivado o romantismo sentimental e tudo quanto possa favorecer a sensualidade.

9 – Inculque-se que a pureza e a piedade eucarística só se alcançam por meio de uma ardente e filial devoção a Maria Santíssima.

Cremos que desta maneira teremos preparada a família para se tornar um sacrário eucarístico em que mutuamente crescem a pureza pela vida eucarística, e o fervor eucarístico pela pureza dos costumes.

(Extraído do discurso de 27/11/1953)

Artigos populares