Segundo São Tomás de Aquino1, é desígnio da Providência que os seres estejam distribuídos hierarquicamente, numa hierarquia dinâmica segundo a qual, habitualmente, os dons divinos vêm do Céu para os seres superiores e destes vão sendo distribuídos sucessivamente até atingir os mais baixos. É, portanto, o contrário da visão revolucionária de luta de classes que apresenta a hierarquia como coisa odiosa em que cada grau superior é uma espécie de sanguessuga do inferior.
Vemos, assim, como a concepção verdadeiramente católica da desigualdade diverge profundamente da concepção revolucionária, pois o primeiro movimento de nossas almas em relação aos nossos superiores deve ser de confiança e gratidão, não de hostilidade, como de quem se sente objeto de uma rapina.
Uma das excelências da hierarquia está em que as várias escalas intermediárias se façam o mais possível com continuidade, de maneira a cada grau ter uma semelhança pronunciada com o superior e com o inferior, havendo uma quantidade considerável de matizes que conduzam do menor ao maior.
Assim, uma ordem hierárquica perfeita seria constituída à maneira de uma escada com muitos degraus, cada um dos quais, por sua vez, construído de modo a representar uma escadinha dentro da escada maior, multiplicando-se por essa forma os matizes. Quanto mais uma parte se junta à outra sem explosão, ruptura ou solução de continuidade, tanto mais a hierarquia é perfeita.
Nesta perspectiva, a hierarquia nos aparece como um ponto especialmente luminoso da ordem do universo. Sempre que meditamos a respeito de qualquer realidade terrena embevecidos na ordem hierárquica por ela apresentada, gostando de ver como seus diversos graus participam uns dos outros, e nos deleitando com a vinculação existente entre o maior e o menor através desses vários níveis, recebemos uma impressão da ordenação posta por Deus e da presença d’Ele no universo, particularmente rica e capaz de modelar nossas almas.
Se quisermos ter uma vida espiritual que conduza nossas almas a Deus, além de outros exercícios, meditações, reflexões já consagrados pela piedade católica – tesouros preciosíssimos dos quais não podemos abrir mão em nenhum sentido e por nenhum preço –, devemos contemplar amorosamente todas as hierarquias que se põem diante de nós na observação do universo ordenado por Deus, considerando que quando fizermos esse exercício da escala inteira, algo em nossas almas estará preparado para conceber o absoluto e nos extasiarmos diante dele. É uma verdadeira preparação moral para estarmos inteiramente abertos para a consideração de Deus no Céu, e de tudo o que mais excelentemente O representa e nos dá a impressão do absoluto, eterno e imutável na Terra.
Devemos sentir o bem-estar e a alegria de sermos intermediários, sem termos inveja de quem é mais do que nós. Pelo contrário, dizendo a Deus, por meio de Maria Santíssima:
“Meu Pai e meu Senhor, dou-Vos graças por aqueles que são mais do que eu, pois me aproximam de Vós, e pelos que são menos, porque para esses sou um conduto vosso, pois Vos dignais chegar até eles por meu intermédio. Eu amo essa hierarquia e o lugar onde me pusestes, no qual sirvo de elo que une dois extremos para assegurar a perfeição de vossa própria imagem. É com essa coesão entre o muito pequeno e o muito grande que especialmente brilha a vossa glória. Aqui estou para Vos prestar esse serviço. Louvado sejais!”2
1) Cf. Aula inaugural na Universidade de Paris em 1256.
2) Cf. Conferência de 3/10/1975.