jueves, noviembre 21, 2024

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O ideal de Cavalaria, plenitude do espírito católico – I

O principal elemento do ideal de Cavalaria é o alto sentido pelo qual o cavaleiro combate: a Santa Igreja Católica e a Civilização Cristã. Pelo senso católico o verdadeiro cavaleiro discerne a necessidade mais preeminente da Igreja e luta por ela. Um dos traços mais característicos do cavaleiro é o gosto pelo risco que o faz, por assim dizer, tocar em Deus.

A palavra “Cavalaria” traz consigo uma série de ressonâncias heroicas e brilhantes. Ao falar sobre ela temos a impressão de ouvir o tropel de vários cavalos que seguem garbosamente rumo à aventura e ao adversário.

Um homem que atingiu a sua plenitude

Por cima do cavalo, naturalmente, o cavaleiro. Nós o imaginamos um homem que realiza o seguinte estado de espírito: atira-se sobre desconhecidos, em direção à luta e aos riscos. Está encantado com o que faz, embora possa lhe ocorrer as piores coisas: ser ferido, morto, ficar estropiado a vida inteira. Entretanto, vai alegre para essa aventura, porque deseja a vitória de um ideal e almeja ser cercado de uma grande glória. O cavaleiro nos parece, debaixo desse ponto de vista, o homem que atingiu a sua plenitude.

Painting by J.J. Dassy (CC3.0)

Há uma forma de admiração pelo cavaleiro que não se tem por todas as outras plenitudes que o homem possa realizar. Por exemplo, a plenitude da sabedoria de quem alcança uma grande ciência, do senso diplomático, do tato político, do gosto artístico ou da oratória. Nenhuma dessas plenitudes parece ter importância quando as comparamos com a do cavaleiro que parte para a Cruzada tendo marcado o peito com uma cruz, a cabeça protegida pelo elmo de metal prateado e encimado por um penacho, portando o escudo e cingindo a espada, e sobre quem bate o Sol enquanto ele avança para a luta. Este parece realizar a plenitude humana de um modo insuperável!

O ideal da Cavalaria: a Igreja Católica

Poderíamos nos perguntar o que há de tão extraordinário no ideal de Cavalaria para entusiasmar tantos homens ao longo da História. Ainda hoje, quando se quer fazer o elogio de alguém, afirmar que é um homem completo, no sentido mais nobre da palavra, diz-se ser um perfeito cavaleiro. Ou seja, ele é ao mesmo tempo corajoso e cortês, condescendente, amável, cheio de bondade, mas valente, audacioso e seguro de si.

Poder-se-ia dizer que a noção de Cavalaria está para nós como o penacho para o elmo de um cavaleiro. O elmo pode ser o mais bonito, mas sem o penacho flutuando ao vento ele não realiza toda a sua beleza. Assim, também, todos os nossos ideais podem ser comparados a um elmo. Entretanto, o penacho é o ideal do cavaleiro.

O que é, precisamente, o ideal de Cavalaria? Seu principal elemento é o alto sentido pelo qual o cavaleiro combate. Ele é antes de tudo um católico apostólico romano, vive para a causa da Igreja e quer que ela vença.

Porém, não se trata de um querer sob qualquer aspecto. Não é, por exemplo, como um missionário, um pregador, um indivíduo que se preocupe com a arte sacra. Todas essas coisas são excelentes para a causa da Igreja, mas o cavaleiro é aquele que considera a maior das necessidades dela no presente momento e a atende.

Assim, no tempo das Cruzadas, vemos que a luta contra os maometanos constituía uma necessidade primordial. De que valeria ter universidades, construir catedrais, castelos, fazer uma civilização esplêndida, se os maometanos entrassem e derrubassem tudo? Não teria adiantado de nada. Ou seja, as lutas contra os mouros era um ponto de importância tal que todo o resto dependia disso. Se nessa luta os católicos vencessem, tudo poderia se esperar; se não vencessem, tudo se perdia.

O cavaleiro é dotado de uma particular forma de senso católico que o leva a tratar da causa essencial, ir diretamente ao mais importante, ao mais exato e ali aplicar os seus recursos. É um homem que se dedica à salvação pública e ao que é supereminente dentro da causa católica.

O gosto pelo risco e pelo sacrifício

Outro elemento essencial dentro da Cavalaria é o gosto pelo risco. O cavaleiro luta por sua vida, mas não hesita em expô-la pela causa à qual serve. É o herói católico que vai de encontro à morte para defender a Igreja e a Civilização Cristã naquilo que ela mais precisa. Tem-se, assim, a ideia de Cavalaria inteiramente posta. Essa noção de gosto pelo risco, pelo sacrifício precisa ser especialmente acentuada, porque nela encontramos o traço mais característico do cavaleiro.

World Imaging (CC3.0)

De si, o homem tem pânico do risco. O instinto de conservação e o bom senso levam-no a poupar-se. Qualquer pessoa colocada diante de um perigo tem medo e razoavelmente procura fugir. Alguém com muito heroísmo pode até enfrentar o adversário ou o perigo com resignação. Por exemplo, durante uma epidemia de meningite, cuidar de pessoas que contraíram essa doença contagiosa é um ato de coragem, porque a moléstia pode matar quem está tratando dos outros. Apesar disso, a pessoa pode ir resignadamente tratar dos atingidos pela meningite.

Um cavaleiro vai resignadamente para a guerra? Não. Mais do que uma resignação, ele tem euforia, alegria! Qual o fundo dessa euforia do cavaleiro com o risco? Como um perigo pode transformar-se numa alegria para um homem?

No fim da vida, todo ser humano deve deixar esta Terra e ir para o Céu

Todo homem sente em si a condição de criatura contingente e sabe que vai morrer. A morte é inerente à natureza humana, assim como respirar, comer, dormir. O homem precisa morrer, e nisto há um ditame da Sabedoria Divina. Por natureza, Adão e Eva eram mortais. Deus concedeu-lhes a graça da imortalidade por um dom gratuito. Quando, em punição pelo pecado, o Criador retirou deles esse dom, passaram a estar sujeitos à morte. O primeiro homem que morreu foi Abel, assassinado por Caim. Depois, os outros começaram a morrer por doenças, acidentes e por tudo quanto morrem os homens.

Se Adão e Eva não tivessem pecado, como teria sido o fim da vida deles? Teria sido, ao pé da letra, uma apoteose, uma glorificação. Eles iriam subindo de virtude em virtude, e quando tivessem alcançado perfeição para a qual foram criados, Deus os chamaria a Si para o Céu, e eles se elevariam aos olhos de todos os descendentes numa festa paradisíaca extraordinária, e passariam do Paraíso terreno para o celeste.

Podemos imaginar essa apoteose da seguinte maneira: Adão, por exemplo, com novecentos anos, tendo chegado ao ápice de sua virtude, iria se tornando cada vez mais luminoso, elevado, mais unido a Deus que, em determinado momento, o avisaria: “Tu, agora, vais deixar o mundo.” Adão convocaria todo o gênero humano em torno dele, centenas ou milhares de descendentes que povoariam o Paraíso. Então, do alto de uma montanha, começaria a subir lentamente. Os homens glorificando-o e ao mesmo tempo ouvindo cantos dos Anjos descendo para chamá-lo até Deus. Assim o primeiro homem subiria até o Céu. Seria uma verdadeira maravilha.

Entretanto, mesmo sem morrer, Adão teria de deixar esta Terra e tudo quanto é dela, e ir para o Céu.

Glória: o efeito que se volta para a própria causa

Que princípio está por detrás disto? Como explica São Tomás de Aquino, o movimento perfeito é aquele cujo ponto terminal volta à própria causa. Assim, a criatura atinge sua perfeição quando, percorrendo todo o seu périplo, retorna à Causa que a produziu. Nesta volta do efeito à sua própria causa encontra-se a definição de glória.

Por exemplo, uma bela escultura é a expressão do talento do escultor, e nisso há uma glória, porque aquela obra, a seu modo, louva quem a fez. Isso se dá com ainda mais propriedade nas criaturas racionais. Assim, também o homem criado por Deus deve voltar a Ele para glorificá-Lo.

Por este princípio, se Deus não tivesse dado a imortalidade a Adão no Paraíso e, sem ter pecado, ele tivesse de morrer, ainda assim seria muito bonito. Debaixo de certo ponto de vista, talvez tivesse uma beleza maior, apesar do lado sinistro da morte. Seria a bela atitude do homem que, terminada sua trajetória na Terra, compreende que precisa passar por uma destruição, isto é, a separação entre alma e o corpo, e por esse meio dar glória a Deus. Ele imerge nessa destruição por um ato de adoração e diz: “Ó Deus, sois tão perfeito, tão celeste, numa palavra só, tão divino, que quero me unir a Vós, mesmo tendo de passar por esse vale profundo. Já que me criastes, mereceis a minha destruição. Eu a aceito em louvor a Vós, meu Criador! Sei que sobreviverei à minha própria destruição e ressuscitarei, e me unirei a Vós por toda a eternidade.”

Há, portanto, uma espécie de gosto nessa destruição que é o voltar para nossa Causa e dar glória a Ela, compreendendo a sublimidade desse ato pelo qual o homem, por amor e para a glória de Deus, aceita ser destruído. E, no ato de destruição, ele é como que assumido, colhido e levado por Deus.

Por pior e mais triste que seja, a morte do homem em estado de graça é uma coisa sublime. Podemos imaginar tudo: a saúde que vai se retirando, os sentidos desaparecem, os suores finais, a última agonia… Morreu, a alma é colhida por Deus e levada ao Céu. Há o fim espetacularmente belo, embora o meio para chegar a ele seja tremendo. Mas o homem que tem Fé conhece a beleza desse fim e imerge na morte com decisão.

Divulgação (CC3.0)
Godofredo de Bouillon Coudenberg, Bruxelas

A morte é o mais belo lance da vida

Eu conheço a morte de uma senhora que foi assim. Ela estava extremamente idosa, o estado de saúde dela por um fio, movimentos indecisos. Quando ela sentiu que a hora da morte se aproximava, fez o Nome do Padre com toda a decisão de uma pessoa sadia. Morreu, Deus colheu a sua alma.

Aceitar essa separação, compreendendo que é uma sublimação e uma elevação para o Céu, há nisto um ato de adoração a Deus e de plenitude do homem que faz da morte o mais belo lance da vida. Então, mais belo do que viver é morrer. A morte é o ápice. É isto que está no alto da noção de Cavalaria.

O cavaleiro que caminha a todo tropel rumo ao adversário para libertar o Santo Sepulcro sabe que pode ser morto, mas compreende que ele atinge a sua finalidade morrendo em holocausto a esse Deus que lhe deu a vida. Assim ele é colhido por Ele, entra na glória e se une a Deus por toda a eternidade.

A beleza desse salto no escuro e no desconhecido para encontrar do outro lado a luz eterna, a lógica e a clareza de entendimento com que a pessoa se atira têm uma força que é a mais bela ação do homem na vida. Essa alegria do homem no morrer e, portanto, no risco é propriamente o que dá dignidade à Cavalaria.

Andrevruas (CC3.0)

Um cruzado paraquedista que luta e se imola por Deus

Quando o homem sabe que está correndo risco com esta finalidade, o perigo é como que raspar pela Divindade, sentir-se envolto já em Deus por todos os lados para eventualmente ser colhido por Ele de qualquer forma e a qualquer momento. Eis o modo pelo qual o homem se eleva acima de todo o contingente e transitório, e compreende que a única coisa válida é Deus e aquilo que é eterno. Esse estado de espírito é de uma altura, uma pureza, uma nobreza que não se compara com nada.

Pode-se entender, por estas considerações, a beleza do que seria um paraquedista cruzado em nosso século. Abre-se a porta do avião, vinte homens pulam no vácuo. O paraquedista fica esperando o paraquedas abrir – há casos em que não abre –, e vai descendo para o abismo. Por baixo, veem-se os tiros de metralhadora e os jatos de luz para focalizá-lo e matá-lo. Ele está sobre um fio e a morte o cerca, assim como o vento, com aquele ar muito puro das alturas, o inunda por todos os lados. Nesse momento ele sente que está em contato com Deus, quase raspando n’Ele.

A beleza fundamental disso está nessa espécie de “vizinhança” de Deus, que quase o colhe, e o paraquedista vai dizendo: “Sim, sim, sim!” Ele sabe que está realizando dois atos sublimes: lutando e imolando-se por Deus. Esse herói é uma vítima nas mãos do Criador. Do alto do Céu os Anjos acompanham os movimentos da luta e do corpo dele, vão sorrindo e cantando, dando glória a Deus pela decisão que esse valente tem de aceitar a morte. Se morrer, ele é levado para o alto; se não morrer, ele como que já transpôs os umbrais da vida e poderá dizer para os seus descendentes: “Meninos, eu já estive perto da morte!” Isso tem uma majestade! Equivale a dizer: “Eu estive perto de Deus!”

De outro lado, há uma beleza especial nesse correr o risco: às vezes a pessoa pressente que Deus não quer que ela morra. Ela quereria, estaria disposta a ceder a sua vida, mas como não é a vontade divina, ela mesma sente aquela espécie de confiança de que, em meio a mil perigos, Deus vai protegê-la. Este misto de risco e proteção, este sentido de que a pessoa está nas mãos de Deus e de que Ele a ajuda é ainda uma forma de tocar no Criador.

Tanto no perigo quanto na morte toca-se em Deus. Entretanto, no primeiro “raspamos”, como que tocamos com a mão n’Ele, sem entrar definitivamente em seu seio. Mas, de qualquer forma, para o verdadeiro católico o risco e a morte são meios de nossa alma se elevar esplendidamente a Deus. São estados de alma de grande união com Ele. Aí está exatamente a beleza do risco e da morte.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 3/8/1974)

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