Gabriel K.
Santíssimo Cristo das Misericórdias Paróquia Santa Cruz, Sevilha, Espanha

Nossa Senhora devota a seu divino Filho o amor mais incondicional e irrestrito. Por isso, durante a Paixão, enquanto o poder das trevas obrigava Jesus a beber a taça de todas as humilhações, a imunidade d’Ela calcava gloriosamente a cabeça do demônio fazendo-o ranger de humilhação no momento em que ele triunfava de ódio. Em meio ao mar de dores a Santíssima Virgem tinha a alegria de dizer: “Ó infame, em Mim Meu Filho está te provando que não és nada! Meu caminho ao lado d’Ele é o caminho da glória d’Ele! Eu vou até o Calvário te esmagando!”

Ao longo da vida de Nossa Senhora o seu amor e ódio foram crescendo. Em certo momento, chegou a Paixão de seu Divino Filho. Seu encontro com Nosso Senhor na Via Dolorosa é o mais patético da História!

Encontros que marcam a vida

Um encontro é sempre um fato interessante na vida de todos os homens. Quando uma pessoa encontra alguém que vai marcar para o bem ou para o mal a sua vida, aquele episódio se reveste de uma espécie de solenidade quase protocolar e cerimoniosa. Embora as aparências não sejam assim, e ambos se conheçam num ônibus ou num metrô, aquela hora tem uma solenidade especial no livro da vida.

Por exemplo, podemos imaginar Nossa Senhora com Nosso Senhor no caminho do Calvário, que encontro! O mais alto da História!

No dia de Natal se deu o primeiro e inefável encontro. Outro foi no Templo. Que lágrimas e que alegria! Ao começar a vida pública de Jesus, Ele esteve viajando continuamente, e certamente encontrou-Se com Ela várias vezes. A cada vez, maior era o amor entre os dois. Assim, cada reencontro envolvia um elemento de surpresa: “Mas como está maravilhosa minha Mãe!”

Gabriel K.
Última Ceia – Museu de São Marcos, Florença, Itália

Esses encontros, com os matizes que iam tomando, foram sempre magníficos. Desde o primeiro em que Ela O viu como o Unigênito de Deus, mas Primogênito em relação a à humanidade inteira, sobre Quem pairavam todas as graças, honras, todo o poder da primogenitura; até o momento em que Ele saiu dos braços d’Ela para a vida pública, quando Ele tinha a força e maturidade do varão, mas ainda conservava o alvorecer da juventude, e começaria a desdobrar suas graças, seus atrativos, suas perfeições para o mundo inteiro.

Não se volta para trás nas grandes decisões da vida

Após a última despedida, Ela que O acompanha até a porta da casa e Ele segue seu caminho com passo decidido, voltando-se ou não para trás para vê-La; imaginem como queiram, pois aí a lógica não diz nada, e é o sentimento que fala. Contudo, no íntimo de minha alma eu gostaria mais que Ele não tivesse Se voltado. Nosso Senhor era impecável e perfeito, não podia ter nem sequer uma imperfeição, e me parece que seria um maior exemplo para nós se Ele não Se voltasse para trás nem sequer para Ela, porque o homem não volta para trás nas grandes decisões que tomou na vida.

A mulher de Lot virou sal; os judeus que tiveram saudades das cebolas do Egito são da família de almas dos que se voltam para trás. Porém, um filho de Nossa Senhora nunca se volta para trás; ele sempre vai para a frente! Ainda que deixando para trás a intimidade de trinta anos com a Santíssima Virgem, Ele sabe que continuando rumo à realização dos desígnios de Deus, A encontrará à sua espera. De maneira que, para vê-La, o melhor é olhar para a frente!

Alegrias e tristezas durante a vida pública de Nosso Senhor

Nos encontros que terá tido durante o primeiro ano da vida pública de Nosso Senhor, Maria Santíssima via como o apostolado d’Ele florescia, o atrativo, o encanto da Pessoa d’Ele que se irradiava, e notava que Ele reunia em torno de Si discípulos no esplendor do primeiro fervor, e os amava, já antevendo todo o bem que fariam no futuro a todo o mundo que eles iriam evangelizar. Podemos imaginar as alegrias d’Ela e d’Ele.

Já no segundo ano uma sombra de tristeza está difusa sobre o espírito d’Ele. Em meio àquela força, louçania e varonilidade algo começa a estar ferido, a sangrar. São as intrigas que começam, as almas que O recusaram e Lhe fazem doer. As apreensões pelo dia de amanhã acrescentam um lumen de cor profunda, o da preocupação, da tristeza e da dor à luminosidade clara e esplêndida da inocência, somando-se um lumen ao outro.

Gabriel K.
Cristo agonizante – Capela da Irmandade de Monte-Sion, Sevilha, Espanha

Ela nota que Ele está mudado e pensa: “A Cruz começou! Em algum lugar do mundo talvez já estejam abatendo a árvore entre todas bendita, mas entre todas causa de dor, na qual Ele vai ser crucificado. Os homens que O vão crucificar já estão começando a fermentar de cólera. As rejeições que Ele sofre já estão começando a acumular o número de seus inimigos. No ano que vem quando Eu O vir, vai ser bem próximo da Cruz!”

A certa altura, Ela O encontra na Quinta-feira Santa. Sem dúvida, a primeira pessoa a quem, transubstanciados o pão e o vinho, Ele dará a Comunhão será sua Mãe Santíssima. Propriamente se pode dizer que o principal intuito d’Ele naquele dia era comunicar-Se a Ela dessa maneira.

Ela sabe que aquela Missa é como que uma antecipação do sacrifício que Ele vai oferecer. Ela comunga, e, como no tempo feliz da Encarnação, Jesus passa a morar n’Ela com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, mas já então com todas as perfeições da sua existência terrena.

Por ódio ao mal Ela aceita todos os sofrimentos de seu Divino Filho

Ela toma conhecimento de que a Paixão começou e consegue, afinal, encontrá-Lo carregando a Cruz na Via Dolorosa. É o amor mais incondicional e irrestrito, entre mãe e filho, que há na Terra. Ela é a perfeição em matéria de mãe que encontra a perfeição em matéria de filho; além de tudo quanto o sobrenatural acrescenta a essas disposições de duas naturezas não maculadas pelo pecado original, portanto, perfeitíssimas.

Consideremos o patético desse encontro e quanto Ela sofreu contemplando-O naquele estado, como também o sofrimento d’Ele vendo-A padecer daquele jeito. Que palavras terão trocado naquele momento? Palavras de amor, bem entendido; entretanto, acrescento sem vacilação: palavras de ódio também. Porque as coisas chegavam àquele estado porque Ele quis sofrer aquilo por ódio ao pecado e ao demônio, para evitar que muitos homens se perdessem e para abrir a porta do Céu, embora muitos não transpusessem o seu limiar. Por ódio ao mal, portanto, Eles Se disseram:

— Vale a pena, minha Mãe!

— Sim, meu Filho, prossigamos na nossa obra de destruição. Destruamos a destruição e matemos a morte. Vale a pena!

Talvez Eles tenham tido o conhecimento, num instante, de todos os pecados que se haveriam de cometer até o fim do mundo, e que tenham nesse momento odiado todos os pecados. Como também tenham tido conhecimento de todos os pecados que Eles iam evitar por meio daquele sacrifício, e amado todos os atos de virtude praticados em consequência daquele sacrifício; e tenham querido exatamente isto: que o mal saísse espezinhado, derrotado, e Deus Nosso Senhor saísse glorioso e vitorioso.

Na Paixão Nosso Senhor manifesta o eterno ódio que estabeleceu entre a Virgem e o demônio

Podemos imaginar a seguinte cena: O demônio – que estava animando todo o ódio dos judeus, promovendo a indolência oportunista e infame de Pilatos, e incutindo pânico em todos os discípulos de Nosso Senhor, que fugiam para todos os lados – vendo-O na Via Dolorosa, de repente, percebe que Nossa Senhora está Se aproximando. Ele tem vontade de ultrajá-La, de lançar o povaréu contra Ela, para enxovalhá-La com todo o ódio que ele tinha a Ela. Mas aí também houve um ato de ódio de Nosso Senhor ao demônio:

— Proíbo-te. N’Ela nada!

E o demônio, uivando, deve ter respondido com um ranger de dentes:

Gabriel K.

— Mas como proibis que eu ataque a uma vil criatura humana como Ela, quando permitis que eu ataque a Vós? Então vosso amor caprichoso e gratuito a esta criatura vai a ponto que permitir até que o ultraje chegue a Vós, mas passe junto d’Ela sem A atingir?! Eu, o serafim, que brilhei na vossa presença e Vos encantei no primeiro momento em que me criastes, estou neste estado de miséria e enxovalhamento e mais uma vez tenho que curvar a cabeça ante essa criatura humana colocada acima de mim?! É-me dado o poder de Vos ultrajar e, daqui a pouco, de Vos matar, mas não me é permitido atingir essa criatura infinitamente inferior a Vós?! Por que, mais uma vez, colocais assim essa frágil criatura acima de mim?!

E, segundo pode imaginar a limitação de nossas mentes, Deus Nosso Senhor Jesus Cristo teria agido de um modo perfeito se a essa invectiva Ele só tivesse dado esta resposta:

— Eternamente!

Quer dizer: “Não lhe dou explicações. É assim, e o é para sempre!”

Durante todo o resto da Paixão Nossa Senhora sabia que, enquanto o demônio obrigava o Filho d’Ela a beber a taça de todas as humilhações, a imunidade d’Ela calcava gloriosamente a cabeça dele, fazendo-o ranger de humilhação no momento em que ele triunfava de ódio. Isso Ela queria. E em meio ao mar de dores por ver o que acontecia ao seu Filho, a Santíssima Virgem tinha a alegria de dizer: “Ó infame, em Mim Meu Filho está te provando que não és nada! Meu caminho ao lado d’Ele é o caminho da glória d’Ele! Eu vou até o Calvário te esmagando!”

A glória e a vitória de Deus passam por Nossa Senhora

Conta Anna Catarina Emmerich que quando Nosso Senhor estava sendo crucificado, o demônio quis jogar a Cruz no chão de frente, de maneira que a Sagrada Face arrebentasse no chão. Ora, não era dos desígnios de Deus que a Paixão fosse indecorosa. Humilhante sim; dolorosa, insondavelmente. Porém, em nada ridícula e grotesca. A Sagrada Face com a rigidez cadavérica, sim. Partida blasfemamente, não!

O próprio Redentor poderia ter dito a ele: “Não!” Entretanto, segundo a narração de Anna Catarina Emmerich, quem disse “não” foi Nossa Senhora, quando discerniu ser este o intuito do demônio. Portanto, foi por uma proibição vinda através d’Ela para maior humilhação dele. Ele é eterna e inteiramente infeliz, de maneira que não se pode imaginar uma atenuante na infelicidade dele, mas se pode dizer que ele teria sido menos infeliz se a proibição tivesse partido de Nosso Senhor, e não d’Aquela criatura diante da qual ele não quis se dobrar, e que o imobilizava simplesmente com um olhar!

Por certo, Nossa Senhora notou que a glória e a vitória de Deus, das quais Ela era a medianeira, passavam através d’Ela. E ao triunfador de borra, de ninharia, infame, celerado e efêmero, no auge de sua vitória, vinha esse salpico de humilhação: “Tu matas o Homem, mas és encarcerado por um olhar da frágil mulher, a nova Eva!”

Imaginem com que ódio Ela disse esse “Não!” Podia não ser com ódio? O que Ela teria em relação ao demônio, pena?! Só é concebível o ódio! É blasfemo conceber outro sentimento que não o ódio nessa recusa.

Flávio Lourenço
A Crucifixão – Igreja de São Miguel, Valladolid, Espanha

Os tormentos continuam, as dores d’Ele chegam ao auge, nos estertores da agonia se opera uma como que ruptura interna dentro d’Ele, uma espécie de perda de contato entre a divindade e a humanidade, pela qual a natureza humana d’Ele se sente como que abandonada pela divindade, para que Ele sofresse tudo quanto podia sofrer. A ponto de Ele ter aquela exclamação que marcou todos os séculos: “Eli, Eli, lamá sabactâni?!” – “Meu Deus, meu Deus por que Me abandonaste?!” (Mt 27, 46). Pouco depois Ele inclinou a cabeça e morreu.

“Venha à Terra o vosso ódio!”

Aquilo tudo estava acontecendo porque Deus queria, mas Ele pediu o consentimento d’Ela para que o Filho fosse oferecido como vítima. Nossa Senhora consentiu, para que o seu Filho matasse a morte e o pecado, e a obra de satanás ficasse esmagada.

Tenho toda a impressão de que no momento que mediou entre o aquele brado e o “consummatum est” (Jo 19, 30), Ela repetiu, quiçá ininterruptamente, este ato de oferecimento: “Meu Deus e meu Senhor, Eu quero que seja assim. Renovo minha oferenda e não quero parar no caminho! Vou até a morte d’Ele, Eu O ofereço!”

E quando Ele disse “consummatum est”, Ela terá visto a alma d’Ele, como descreve Anna Catarina Emmerich, passando ao longo da Cruz e descendo pela terra até o Limbo e já imediatamente começar a destruição efetiva do demônio. Ele entra no Limbo para a alegria de todos os justos. Houve a vitória e começou a libertação!

Nossa Senhora é co-Redentora do gênero humano. As dores d’Ela, inapreciavelmente valiosas, somaram-se aos padecimentos infinitamente preciosos de Nosso Senhor Jesus Cristo para ter como resultado a Redenção da humanidade. Está feita a Redenção, também a vida d’Ela está feita e Ela nos acompanha do Céu. O ódio d’Ela está para se desatar fulminante sobre o mundo pecador e impenitente. Esperemos e peçamos. Nós poderíamos dizer: “Venha à Terra o vosso ódio!”

(Extraído de conferência de 5/7/1980)