Os contrários harmônicos das construções orientais parecem indicar que não foram pensados de uma só vez. Uma geração construiu uma torre, mais tarde surgiu o desejo de satisfazer algo brotado do fundo da alma e acrescentou-se uma cúpula. O resultado final é algo mítico, próprio ao oriental.
Ao analisar o Taj Mahal, tenho a impressão de que seria preciso distinguir, nunca separar – porque ficaria um monstro –, dois elementos nos quais se realiza um equilíbrio prodigioso: as partes laterais e a linha constituída pela cúpula e pelo corpo central, destacado pelas duas torrezinhas. Parece-me indispensável considerar as partes isoladas para compreender o todo.
Contrários harmônicos do Taj Mahal
Há um aspecto interessantíssimo e muito bonito que é o seguinte: à primeira vista, na parte central está o peso. Entretanto, existe um jogo bivalente pelo qual, ao mesmo tempo em que, visto de um lado, o conjunto parece leve, considerado por outro prisma trata-se de um “cupulão” pesado, de esmagar. Como fazer para um corpo de edifício carregar essa cúpula pesada não só mantendo certo ar de leveza, mas até dando a impressão de que a cúpula suspende e não achata?
A enorme porta, que tem qualquer coisa de ogival e de vazado – o elemento vazado possui um enorme papel nisso – sustenta a cúpula num equilíbrio perfeito. De maneira que não se pode dizer que ela fique propriamente leve, mas não se percebe o peso. Quando o “balão” remete para cima, a porta e tudo o mais ficam elevados. Neste sentido há entre o leve e o pesado uma espécie de jogo sumamente bem posto e que dá a ideia de harmonia, a meu ver expressa nos seguintes termos: estabilidade harmônica perfeita, porque possante e leve.
O conjunto lucra muito em expressão com as torrezinhas laterais, que constituem uma espécie de analogado primário em relação à cúpula central, mas têm por analogados primários os altos dos minaretes laterais, os quais são muito pequenos em relação às torrezinhas, e estas, por sua vez, são pequenas em relação à cúpula do centro. Tal graduação ajuda a dar a ilusão de leveza.
Essa é a simetria dos contrários harmônicos. A genialidade do artista original consiste em inventar uma forma de oposição na qual ninguém pensou, mas que não resulta em nenhum monstro à maneira da arte moderna. Tenha gênio, faça algo que tire desse mare magnum de possibilidades dos contrários harmônicos uma beleza nova, e não seja cretino.
A unidade artística e o contrário harmônico
Tiramos disso um princípio muito curioso: quando quisermos dar a um determinado elemento uma expressão à qual ele não se presta – neste caso, a de leveza –, se colocarmos ao seu lado algo análogo dotado dessa expressão, tudo se exprime no espírito humano num todo só.
Nesse sentido, os microminaretes exercem um papel importante. É um jogo de analogias do menor para o maior cuja relação se explica no todo, em que cada elemento torna mais leve o outro, abrindo-se para o infinito.
Ademais, há um princípio de analogia pelo qual, sempre que numa determinada linha ou unidade artística não se consegue colocar o contrário harmônico inteiro como se deseja, algo desse contrário harmônico pode ser posto num objeto colateral análogo, porque, para o olhar humano, eles formam um só conjunto.
No Taj Mahal, num primeiro momento, surpreende um pouco tanto o tamanho da cúpula quanto o da porta. Seríamos levados quase a dizer: “Exageros harmônicos.” Entretanto, o que me parece genial é como o arquiteto conseguiu dar ao retângulo tanta força que, vazando-o, restabeleceu a leveza. O vazado é muito oriental, misterioso, quase como um olhar. Está muito bem feito.
Feudalidade expressa nas torres das construções russas
É interessante notar a reversibilidade entre os princípios arquitetônicos e o relacionamento humano.
Na ordem civil monárquica bem constituída, a aristocracia é um elemento mais importante do que a monarquia. Contudo, na ordem eclesiástica dá-se o contrário: a monarquia é um elemento mais importante do que a aristocracia.
Não haveria uma contradição nisso? Não, porque a Igreja tem uma natureza tal que ela abarca o conjunto de todas as almas batizadas do mundo, e não haverá nunca um Estado que abranja todas as almas do mundo. A esfera temporal, como uma ordem mais baixa, pede uma espécie de federalização que a espiritual não comporta. Donde um Sacro Império, por exemplo, constituir uma federação de federações.
Quanto mais penso sobre o feudalismo, mais me convenço de que a sua debilitação começou a partir do momento em que os feudos maiores começaram a absorver os menores. A plenitude de força e de vida do feudo pequeno é a base viva do sistema feudal. Onde tal senhor feudal tem dois mil castelos, já se trata de um feudalismo morto. Ele até pode federar sob sua autoridade dois mil feudos vivos, mas apenas na medida em que não os absorver.
Em certas construções russas notamos muito essa unidade feudal. Cada torre afigura-se estuante de vitalidade própria e, é curioso, parece ignorar completamente a outra. Tem-se a impressão de que elas estão cegas uma para a outra e só se explicam do alto de um cone ou do fundo de uma distância da qual são vistas juntas. Então se elucidam fabulosamente e os contrários harmônicos se afirmam, primeiramente entre a cúpula e a base em cada uma delas, e depois elas entre si. Cada uma é, até certo ponto, o contrário harmônico da outra.
Toda a glória e riqueza encontram-se nas cúpulas
A meu ver, o auge do estilo russo é a Catedral de São Basílio, onde a tal simetria dos contrários harmônicos se afirma muito mais ricamente do que em outros edifícios russos, nos quais, por vezes, há uma igualdade empobrecedora entre uma torre e outra.
Entretanto, mesmo nessas outras construções, o jogo dos contrários harmônicos das transcendências aparece nisto: ora uma torre transcende à outra por analogia, ora por contrariedade. Esse jogo da analogia e da contrariedade está sempre presente, inclusive quando há uma torre central mais nobre, com a cúpula dourada, que supera as circunstantes.
Em muitos desses edifícios toda a glória e riqueza da construção encontram-se nas cúpulas coloridas, nas quais se veem estrelas que, embora não estejam jogadas inteiramente a esmo, também não estão dispostas em linha reta. Outras cúpulas são elaboradas de tal modo que se tornam sumamente visíveis quando os raios do Sol incidem sobre elas, mas que, devido ao seu material e colorido, em certos momentos parece que a cúpula se diluiu no céu, formando uma espécie de corpo etéreo de matéria meio sólida, meio gasosa, encimada por uma cruz e terminando num sonho.
O oriental não planeja tudo logo, cria ao acaso
Tem-se a impressão de que uma maravilha dessas não foi planejada de uma vez, mas aos poucos. O arquiteto diz: “Que interessante seria fazer uma torre com uma cúpula verde…” E faz a torre. Depois de tê-la feito, ele mesmo provê o projeto de um contrário harmônico para satisfazer uma outra apetência da própria alma. Gerações depois, um artista, à força de contemplar, pensa: “Seria interessante tal detalhe assim para equilibrar essa catedral…” E põe. Cada geração vai enriquecendo e embelezando aquela obra de arte. A meu ver, se não tivesse caído o regime czarista e não entrasse aquela fixidez do absolutismo, haveria outros edifícios que aos poucos iam sendo assim compostos.
Então, se fosse um arquiteto católico construiria, por exemplo, uma capelinha a Nossa Senhora de Fátima que teria um contrário harmônico inteiramente surpreendente, com um nicho ali perto. Depois, começaria uma grande popularidade em torno dessa capelinha, e outro arquiteto abriria uma espécie de concavidade na torre para caber o povo… E, assim, cada um faria o contrário harmônico ao que fora elaborado na geração anterior, de um modo meio surpreendente, à medida que as almas fossem sentindo necessidade de pôr contrastes harmônicos.
(Extraído de conferência de 2/10/1974)