L. Prang & Co. (CC3.0)
Chegada de Cristóvão Colombo à América - Biblioteca do Congresso, Washington

Marcada por feitos grandiosos que causam entusiasmo, a História dá lugar a diferentes tipos de glória. Qual é a primeira e a maior delas?

Poderíamos definir o entusiasmo como sendo o sentimento que se produz na alma quando alguém é posto em presença de uma ação notavelmente grande a vários títulos – como, por exemplo, seu tamanho, seu arrojo, sua beleza –, a qual tenha custado um esforço ou um risco também notável para ser realizada.

Se percorrermos as mais diversas realizações possíveis de um homem, veremos que sempre que uma delas entusiasma a terceiros é porque se fez recomendar por alguns desses títulos.

Uma grande ação: o descobrimento da América

Tomemos como exemplo a ação de Cristóvão Colombo descobrindo a América. É uma ação notavelmente grande porque o foi em seus efeitos, dando a conhecer um mundo novo. Ela é grande pelo esforço nela empregado e pelos riscos a que expunha os navegantes, pois exigiu deles que pela primeira vez avançassem em direção ao desconhecido. Ademais, naquele tempo tinha-se mais ou menos a ideia de que o mundo fosse circular, mas à maneira de uma bandeja. Então, o grande problema era chegar até o confim do mar, onde eles supunham que este se ligasse com o céu.

O que aconteceria ali? Alguns supunham que as águas do mar caíam num abismo sem fundo, e quando chegassem imprudentemente nesse lugar, a nau afundaria. Era, pois, uma ação muito arriscada; mesmo porque muitos deles acreditavam haver figuras mitológicas, demônios nos extremos do mar, o que lhes incutia terror de chegar até lá e serem deglutidos por alguma força estranha. Tudo isso dava-lhes um verdadeiro pavor.

Por fim, a ação era grande devido à travessia enorme a ser feita.

Mais ainda, nota-se a grandeza da ação pela dama ilustre que a encomendou: Isabel, a Católica, que ao conquistar Granada, juntamente com seu esposo, o Rei Fernando II, pôs termo à longa reconquista empreendida por Espanha e Portugal que lutaram valentemente durante séculos para libertar a Península Ibérica do poderio maometano.

É bonito considerar como o primeiro ato praticado em Granada após sua conquista foi o mesmo realizado na América por ocasião de seu descobrimento: celebrou-se uma Missa.

L. Prang & Co. (CC3.0)
Partida de Cristóvão Colombo para a América Biblioteca do Congresso, Washington

Compreende-se que para recompensar tudo isso a Providência tenha aberto, por assim dizer, as portas do mar para essas duas nações. Para Portugal, as navegações pelo Cabo da Boa Esperança até atingirem o Japão e mais tarde a China. Para a Espanha, em sentido diverso, navegação rumo a um destino tão incerto a ponto de, em determinada altura, os marinheiros de Colombo estarem meio revoltados contra ele, querendo voltar porque não havia mais jeito, aquele mar não acabava mais, do outro lado não deveria haver terra nenhuma, aquele empreendimento era uma loucura…

Cristóvão Colombo estava no momento de ter que enfrentar uma revolta de seus marujos, quando começaram a aparecer galhos verdes de árvores flutuando no mar, o que é sinal evidente de haver terra próxima. Então, foram avançando até chegarem à Ilha de São Domingos e começar a conquista da América.

A Rainha vê-se obrigada a penhorar as joias da Coroa

Há um pormenor que torna esse empreendimento ainda mais digno de nota: a Rainha Isabel não tinha dinheiro para pagar a expedição. Entretanto, ela não hesitou em dar o lance. Mandou pegar as joias da Coroa, penhorou-as e levantou o dinheiro. Portanto, se Colombo tivesse naufragado, a Rainha perdia todas as joias da Coroa espanhola. Mas Isabel, a católica, teve coragem em todos os sentidos da palavra.

Pouco tempo depois do descobrimento da América, enviaram para ela uma nau com a notícia, e assim ela ficou sabendo que não só pagaria Colombo, mas tiraria um lucro muito maior do que o valor das joias da Coroa.

Estando em viagem a Barcelona, tive a oportunidade de conhecer as cópias, feitas de acordo com os documentos do tempo, das três naus da esquadra de Colombo: Santa María, Pinta e Niña. Pude entrar nesses navios que são cópias fidelíssimas daquelas embarcações. Ora, são três “cascas de noz” dentro das quais aqueles homens audazes embarcaram rumo ao desconhecido!

M. Díaz. (CC3.0)
As três caravelas de Colombo: Niña, Pinta e Santa María

Por esses vários aspectos podemos analisar como foi grande essa ação.

A prova de Cristóvão Colombo e a vitória inesperada

Houve, ademais, a grande prova para Colombo. Ele tinha estudado, fizera cálculos segundo os quais ele estava certo de que essas terras deveriam existir, e enfrentou a revolta dos marujos, que poderiam matá-lo.

Sem dúvida, é belo quando se alcança uma vitória esperada; mas quando chega a vitória inesperada, esta é ainda mais bonita.

E aconteceu precisamente que enquanto ele estava às voltas com aqueles homens insatisfeitos, aborrecido e temendo uma revolta a qualquer momento, de repente alguém grita uma palavra mais ou menos deste gênero: “Terra próxima!”

Talvez ele receasse tratar-se de um delírio do marujo, porque às vezes pessoas sujeitas a muita preocupação começam a delirar. Podemos imaginar Cristóvão Colombo correndo para o tombadilho e vendo aqueles pedaços de árvores que eram emissários do Continente americano vindo de encontro ao seu descobridor.

A meu ver, de todos os aspectos pelos quais essa navegação desperta o entusiasmo é o risco. Se não tivesse havido o risco da vida, tudo isso seria muito menos grandioso. Embora não se tratem de proezas militares, os riscos dessa viagem despertam um entusiasmo parecido com o militar, precisamente porque aqueles homens arriscaram a vida por um elevado objetivo.

A beleza do combate na Idade Média

A esse respeito são características as batalhas medievais com guerreiros revestidos de couraça, elmos, perneiras, com escudo, lança, espada, montados em fogosos corcéis e formados em fileiras, prontos para o embate. Estando, assim, os dois exércitos frente a frente, um deles destacava um cantor que se adiantava e cantava as razões pelas quais eles iriam combater. Poesias ou cânticos improvisados ou repetição de velhas canções célebres, cujas letras eram adaptadas para as circunstâncias do momento.

Terminados os cânticos por ambos os exércitos, os ânimos estavam no auge de seu calor, os arautos se retiravam e as duas cavalarias partiam para o ataque.

Por vezes, pela violência do entrechoque, as lanças rompiam-se em estilhaços, os cavaleiros caíam por terra, passando a combater a pé, com espadas. A batalha que no início, segundo a expressão francesa, era rangée – organizada em filas – após o primeiro choque passa a ser mêlée, porque todos se misturavam, os exércitos se interpenetravam e os contendores se engalfinhavam mutuamente. Algo semelhante se dava com a infantaria.

Por vezes a vitória era celebrada com um outro cântico improvisado pelo arauto do exército vencedor.

Dentre as possíveis glórias de um homem, a militar era considerada uma das maiores na Idade Média. Por exemplo, Carlos Magno foi um grande administrador, governador e bom diplomata. Para o tempo dele, era um homem culto, enfim, de muito valor. Não obstante, o que as canções de gesta exaltam nele é muito o guerreiro do que qualquer outra qualidade. Por quê? Porque na guerra está o risco, o esforço, a glória.

Com o advento das armas de fogo, a guerra da coragem cede lugar à da riqueza

A partir do momento em que se descobriu a pólvora isso começou a declinar, porque a guerra passou a ser cada vez mais mecânica. Quem possuía mais armas de fogo levava vantagem. Ora, tinha mais armas quem contasse com mais dinheiro. Logo, já não era mais tanto a guerra da coragem, mas a da riqueza.

Entretanto, o rei mais rico era aquele que tivesse conseguido bons empréstimos de grandes capitalistas. Assim, por detrás da guerra não aparecia mais a figura grandiosa de um Carlos Magno, soberano militar que arriscava seu sangue, mas estava o interesse financeiro de um monarca que necessitava bajular algum financista a fim de conseguir os meios para fazer a guerra.

Por outro lado, o tiro dado a distância diminui a sensação do risco, embora talvez haja maior perigo na guerra com armas de fogo.

Depois começaram a aparecer outras formas de guerra ainda menos gloriosas, desferidas não mais de exército a exército, mas de exército contra a população civil. Então, por exemplo, o uso de artilharia a longa distância, visando atingir as cidades do país adversário. Até chegar aos recursos mais recentes e terríveis como a guerra química e bacteriológica, com a qual se pode contagiar e exterminar populações inteiras.

Que glória há em dizimar assim senhoras, crianças, velhos que nem sequer estão lutando? Há, sem dúvida, uma suma crueldade, não uma coragem fenomenal. Ora, a glória militar não está no número de vítimas que o guerreiro fez, mas na quantidade de riscos que correu e na coragem com que ele os enfrentou. Compreende-se a diferença fantástica existente entre isso e a batalha medieval precedida por arautos!

Um lance característico da guerra moderna que marcou a História contemporânea foi a destruição de Hiroshima e Nagasaki, as duas cidades do Japão onde havia maior população católica e sobre as quais caíram bombas terrivelmente mortíferas. Que coragem tiveram os aviadores que lançaram essas bombas? Ninguém fala deles para glorificá-los. Creio que esses pilotos podem ter tido remorsos ao considerar o que fizeram, de tal modo as consequências foram tremendas!

Charles Oliver Murray (CC3.0)

A glória literária consiste em ressuscitar o heroísmo

Há outro tipo de glória relacionada com a glória militar.

Todas as nações passam por fases heroicas em sua história. A Espanha, por exemplo, no período das Cruzadas era tão apreciável; porém, a meu ver, foi ainda mais na época das contendas contra os protestantes para manter a santa Fé Católica Apostólica Romana. Trata-se, portanto, de uma luta muito meritória que corresponde à época de ouro e de glória militar daquela nação.

Contudo, há períodos na história dos povos em que se apaga o espírito militar, e o entusiasmo pelo heroísmo cede lugar ao gosto de sentir-se em segurança, na comodidade do lar dentro do qual transcorre uma vidinha sem lances heroicos. Esses são os períodos de degradação de uma nação.

Aqui entra o papel da glória literária, que consiste em levantar na alma do povo o gosto pelo maravilhoso por meio dos recursos literários relacionados com o emprego da palavra, mas servindo-se de outros, inclusive e muito largamente da música. Com isso podem-se reavivar no homem os sentimentos que fazem dele um herói, levando uma população inteira que vai se tornando lerda, egoísta e moleirona a se reerguer, de repente, como um só homem. Essa ressurreição do heroísmo tem a beleza do próprio heroísmo.

Um exemplo característico são Os Lusíadas de Camões, que não é propriamente um cântico de guerra, mas um poema exaltando a glória dos navegadores portugueses que realizaram a proeza de descer pela África, dando a volta pelo “Cabo das Tormentas” – que após essa façanha passou a ser chamado “Cabo da Boa Esperança” – entraram pelo Oceano Índico, chegaram a tocar na Índia e foram até o Japão. Quiseram ir até a China, mas não puderam. E a isso liga-se um outro tipo de glória.

Uma conquista mais valiosa do que todo o universo

Em uma das muitas expedições marítimas dos portugueses, viajava com eles São Francisco Xavier, que ansiava por converter a China a todo custo. Porém, quando se dirigia para lá adoeceu numa pequena ilha. Sentindo a proximidade da morte, pediu para o deitarem com o olhar voltado para a China; gesto que no caso concreto dele correspondia à coragem de morrer olhando para o Céu. Ele morria contemplando o presente magnífico que a sua grande alma de apóstolo desejava dar a Deus. São Francisco Xavier queria que o “Celeste Império” – como era chamado naquele tempo – fosse dado ao Rei, dono do Céu.

Essa é a glória religiosa, própria a quem quer alcançar para Deus uma grande vitória na Terra, um grande número de almas para Ele ser o Senhor e Rei delas no Céu, por toda a eternidade.

Desse modo dá-se a Deus algo que Ele ama mais do qualquer conquistador poderia almejar.

Com efeito, se um missionário conseguisse salvar a alma de um só de nós ele daria mais a Deus do que se um homem pudesse conquistar para Ele a Terra, a Lua e todo o nosso sistema planetário. Porque a Igreja nos ensina que tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu na sua Paixão e Morte foi para resgatar todos os homens, mas Ele teria sofrido o mesmo por qualquer homem individualmente. Em outras palavras se Deus tivesse criado um só homem e esse tivesse pecado, Nosso Senhor estaria resolvido a padecer toda a Paixão e Morte na Cruz para resgatar aquela alma.

Pois bem, imaginem um missionário que consegue a conversão de um país inteiro, o qual durante séculos, até o fim do mundo, continua um país católico; quantas almas vão para o Céu porque aquele homem deu aquilo a Deus!

Carlos Magno, Imperador missionário

Pobre Cristóvão Colombo, se o compararmos com Carlos Magno, guerreiro magnífico que conteve os bárbaros na Alemanha e lhes quebrou a sanha, impediu os mouros de passarem pelos Pirineus e concorreu para começar a reação contra os pagãos normandos que entravam pelos rios da França, lançando desse modo os fundamentos da Europa atual. Durante séculos e séculos, a Europa católica, senhora do mundo, era filha do presente dado a Deus por Carlos Magno.

É uma beleza dar uma nação a Deus. Carlos Magno deu um continente, a mais gloriosa e ilustre família de nações que houve na História: a Europa. Deu mais, a América é filha da Europa de ponta a ponta. Ela é também um fruto do fruto de Carlos Magno, o Imperador missionário.

São Bento e a primeira de todas as glórias

Contudo, é preciso considerar ainda que nada disso teria adiantado se não houvesse sacerdotes e leigos especialmente voltados para converter as almas. O grande Carlos conquistou as áreas, quebrou os adversários, mas para batizar, atender em Confissão, arrancar do paganismo essa gente e encaminhá-la para as vias da Civilização Cristã, para construir a Cristandade com suas catedrais, universidades, seu feudalismo, toda a sua cultura, enfim, tudo isso foi objeto muito mais do labor de missionários do que de Carlos Magno.

DonGatley (CC3.0)
Abadia de Monte Cassino, Itália

Entre tantas figuras destaca-se a de São Bento, fundador dos Beneditinos, a grande Ordem de missionários da Idade Média, que espalhou conventos por toda a Europa e foi o fator principal da conversão daquele continente. Buscando eles a solidão, constituíam abadias para fugir das cidades, centros de perdição. Mas as cidades saíam correndo atrás deles, pois quando fundavam um mosteiro, as populações católicas se localizavam em torno. E assim foi-se povoando a Europa católica.

Esta não é uma glória superior à militar e à literária? Sem dúvida é a primeira das glórias, porque visa a glória de Deus mais diretamente, conquistando para Ele algo que vale enormemente mais do que terras e tesouros: almas.

Ademais, esses heróis fazem o sacrifício maior do que o do soldado. Uma coisa é dizer: “Eu avanço, morro, mas vou para o Céu!” Outra mais nobre é: “Eu vou para a frente, vivo e arrasto uma longa e dura vida na Terra; mas, custe o que custar, eu me santificarei! Vencerei meus defeitos até a raiz para pertencer inteiramente a Deus, Nosso Senhor, e a sua Mãe Santíssima, Nossa Senhora. Qual literatos, qual soldados, qual nada! Eu faço o maior dos sacrifícios: eu me dou a mim mesmo!”

Do alto do Céu estão nos ouvindo os guerreiros, os literatos, os missionários e apóstolos que foram para lá. Eles não têm rivalidades entre si e cada um canta a glória do outro para cantar a glória de Deus. Possivelmente terão sorrido com complacência para todas essas considerações que fizemos. Terão visto as nossas almas e pedido a Nossa Senhora que perdoe os nossos defeitos, e nos torne semelhantes ao Divino Filho d’Ela. Terão pedido para nós a glória também, mas a d’Eles principalmente.

(Extraído de conferência de 10/8/1991)